Neste 2023, quando o hip hop completa 50 anos, Rayra Nayna Martins Duarte, mais conhecida como Mana Moa MC, lançou um dos seus trabalhos mais pessoais e políticos, o álbum visual “M3: Mulher, Mãe e MC”. 

O Brasil se destaca como um ouvinte dedicado de rap, de acordo com uma pesquisa conduzida pelo Spotify. Na lista do streaming de música, o país ocupa a terceira posição em número de ouvintes de rap, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e do México. Santa Catarina, por sua vez, alcançou a sexta posição entre os estados brasileiros com mais ouvintes durante os meses de janeiro a julho deste ano, conforme revelou levantamento divulgado pelo Portal Rap Mais.

No entanto, o rap ainda enfrenta muito preconceito dentro da música. É uma arte em essência negra e periférica, mas que muitas vezes é ofuscada por outros gêneros musicais considerados mais nobres. No entanto, ele segue se reinventando, inclusive com visibilidade maior a rappers mulheres.

Mana Moa MC é a quinta e última entrevistada do Projeto Aquilombar, série de entrevistas que destacam cinco mulheres negras representantes de uma cultura frequentemente apagada de registros que tendem a representar a produção catarinense de forma branca e eugenista. Já apresentamos Gugie, Dandara, Solange e Aldelice

Iniciamos a série com Gugie Cavalcanti, artista visual que iniciou no hip hop e o leva para sua criação artística até hoje. Agora encerramos com uma rapper que produz arte política e que não silencia diante dos julgamentos que enfrenta como mulher negra, livre e artista. Moa nos lembra do poder do hip hop para combater o apagamento da cultura afro-brasileira em territórios embranquecidos como o de Santa Catarina.

“Se a gente for olhar tudo ao nosso redor aqui, a arquitetura urbana também faz parte da arte. Quem botou as mãos na massa foi o povo negro e tem muita história que percorreram das mãos deles para onde estamos pisando hoje”, reflete Mana Moa MC. 

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Crédito: Verônica Mackoviak.

No rap, mulher que é mãe e MC batalha e vence três vezes mais

A garota pega o microfone e pergunta, decidida: “para você, o que é mais difícil? Ser mãe, ser mulher ou ser MC?”. A rapper quase cai do banquinho, surpresa com a profundidade da pergunta. Já fazia alguns minutos que Mana Moa MC tentava arrancar alguma pergunta da plateia de pré-adolescentes, de 10 a 13 anos, que estava concentrada na apresentação do álbum visual “M3: Mulher, Mãe e MC”. 

Acompanhei essa interação na tarde do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, no Centro de Educação e Evangelização Popular (Cedep), no Monte Cristo, região periférica do lado continental de Florianópolis. A organização é conhecida por seu trabalho cultural com crianças e adolescentes na região, durante o contraturno escolar.

A atividade foi uma contrapartida prevista no Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura 2022, pelo qual Mana Moa MC conseguiu financiar a criação e o lançamento do álbum

No álbum visual de Mana Moa, as cinco músicas exploram a vida da rapper, desde a infância em que perdeu os pais e foi viver em um abrigo, até o resgate pelos tios-avôs. A faixa “Orfanato” retrata esse episódio como uma narrativa em que os tios-avôs são representados como super-heróis que voam para resgatá-la na infância.

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Episódio 1 da minissérie M3 – Mulher, Mãe e MC | Arte: Kio zaz e Wellington Murilo.

O walkman (primeiro aparelho portátil para ouvir música de forma individual) que acompanhava Mana Moa nos longos trajetos até a escola, presente em muitas cenas do álbum, também se torna uma poderosa ferramenta de conhecimento, de onde a rapper acessou as suas primeiras influências musicais. 

O projeto de Mana Moa tem direção de Verônica Mackoviak (Inseta), produção de Mana Moa e arte de Kio Zaz, Wellington Murilo, Mica Ferraz, Matheus May, Aaron Lopes, Ana Beatriz Borges, Ana Cristina Piza, Pablo Laguna, Giovanni Furlani, Pedro Leon e Mariane da Silva.

“É um trabalho sobre maternidade que não é só sobre uma mãe solo, mas para todas as mães solo que escutam que devem abrir mão dos sonhos só porque têm filhos para criar. Eu vejo esse trabalho como uma mensagem de que sou mãe solo e estou aqui”, explica Mana Moa.

“É um trabalho de uma mãe solo que quer e pode fazer arte”, completa.

Conversei com Mana Moa pelas ruas de Florianópolis em vários momentos, em especial no Festival Street Art Tour, na região central da Alfândega, e na apresentação realizada no Cedep, em Monte Cristo. A ligação da rapper com o espaço urbano está presente na forma como ela constrói até mesmo as produções visuais das suas músicas. 

No álbum visual, as ruas mudam de tons coloridos para sombrios, conforme a protagonista, seu alter ego, caminha pelos percalços da vida. Ao mesmo tempo, acompanhar Mana Moa em um espaço de educação também é uma oportunidade para conhecer sua veia como arte-educadora, tal como pude acompanhar naquela tarde do dia 20. A rapper está terminando o segundo ano como estudante do curso de Educação do Campo, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

O álbum também tem uma mensagem de orgulho crespo: a personagem do álbum M3, uma menina negra e periférica, também tem uma forte conexão com o próprio cabelo, que começa como uma pequena planta, passa a brotar flores que crescem, conforme os anos passam, até criarem raízes. 

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Episódio 3 da minissérie M3 – Mulher, Mãe e MC | Arte: Ana Beatriz Borges e Ana Cristina Piza.

“Eu não queria atingir apenas o público adulto do hip hop, mas alcançar as crianças, ainda mais quando se trata de uma narrativa negra e periférica. Eu gostaria de apresentar um trabalho que pudesse ser assistido pelas minhas filhas”, conta.  

A seguir, um pouco do compilado desse bate-papo, em que ela conta sobre sua formação como artista já na infância, na cidade de Carapicuíba/SP, depois na adolescência e fase adulta em Marília/SP e, por fim, sua chegada a Florianópolis, cidade em que ela profissionalizou sua arte, em 2015. 

Agnes Sofia Guimarães – O que levou a Rayssa a encontrar a Mana Moa MC?

Bom, eu sempre fui de anotar e escrever muito. Sempre estava em casa escrevendo alguma coisa em um caderninho, principalmente quando eu morava com a minha tia em Marília, depois também rabiscava coisas no trabalho. Em Marília, a juventude naquela época não tinha muito o que fazer a não ser pegar uma bebida, ir pra praça e ficar tocando violão a madrugada toda [risos]. Então era um ambiente em que a gente passava horas nisso, conversando, ouvindo música, e eu fui fazendo rap na brincadeira. Depois passei a colar com uns amigos para fazer grafite com o pessoal do pixo. Mais tarde, quando passei a morar em Floripa, me envolvi nas batalhas, e percebi uma entrada para ser MC mesmo. 

Quais eram as influências musicais dessa época (e que podemos dizer que acompanham sua vida hoje)?

Eu sou daquelas minas, velho, que curtia uns sons mais underground, rejeitava o pop na época, que hoje já é retrô né [risos]. Eu era o underground mesmo. Curtia muito música nacional: Cássia Eller, O Rappa, Titãs, Ratos do Porão. Aí eu curtia rock, reggae. 

Quando eu comecei a ouvir mais o rap mesmo fui pelos clássicos nacionais. Comecei pelos Racionais MC’s, Sabotagem… Quando era criança, eu ouvia muito na rádio. Havia a 105 FM, que tocava rap, onde eu pegava muita referência ali, sabe? De rap nacional mesmo. E aí o 2pac, e esse rap mais clássico americano só fui conhecer quando já estava no movimento do hip hop mesmo. Porque não era coisa tão presente. A gente escutava o que tinha acesso. Eu demorei pra ter internet e celular, então pegava, tipo, o mp3 [aparelho portátil de música] e ia na casa da minha tia para baixar as músicas.

Mas eu também andava muito com os manos do Skate.

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Crédito: arquivo pessoal.

Então você teve uma fase rockeirinha? [risos]

Eu tentei andar de skate desde os 12 anos, em Carapicuíba, mas aí a família não deixava, falava que eu ia me quebrar. Então, quando eu saí de casa aos 16 anos, ganhei um skate do meu tio. Em Marília comecei a frequentar a pista de skate, então eu só andava com os manos do street punk, escutava Ramones, Misfits, Dead Kennedys, toda essa galera mais punk. 

De onde vem o nome Moa?

Na verdade, é um grande ressignificado, com vários sentidos diferentes. Quando eu era menina, me chamavam de “Morena”, “Moreninha”, por causa da minha pele clara. Aí, na meninice, quando eu estava andando com a galera do grafite e rabiscava algumas coisas só por brincadeira, eu assinava como “Moa’, um diminutivo de Morena. 

Só que depois, na faculdade, com as rodas de conversa, com o pessoal da militância, que a gente se dá conta de que ser chamada de morena, sendo negra de pele clara, está errado. Mas eu preferi deixar para ressignificar esse apelido, e também ouvi falar que ele tem todo esse significado, em alguns idiomas, de significar “mãe”, entre a galera do Havaí, do surf, por exemplo. Por isso, preferi deixar, já que também conta muito da minha história com a maternidade solo. 

Como Florianópolis a transformou em MC?

Eu sempre fui do freestyle [versos livres, feitos em todos os lugares], aí um dia eu estava na Lagoa, e a Viviane Inseta, que é artista do hip hop, me viu, chegou perto de mim e me disse que eu tinha que conhecer as batalhas, e me falou da Batalha das Mina que ainda estava começando. Então eu fui, a gente fez a Batalha das Mina crescer e logo depois também surgiu o convite para a Trama Feminina, coletivo de cinco mulheres, fizemos muitos show, e até uma produtora chegamos a montar juntas. Isso nos ajudou muito na carreira e na criação dos nossos primeiros trabalhos solo depois dessa experiência.

Mas Florianópolis foi uma virada grande até para me entender como artista. Eu cheguei aqui sem acreditar que era artista, nem estava na possibilidade de ser artista, né? Eu não achava que uma roda de violão com os amigos fosse ser artista. E aí, assim, lógico que ser artista é você expressar arte, porém, profissionalizar a produção e realmente conseguir que as pessoas a valorizem, eu consegui aqui.

Florianópolis me trouxe a experiência de poder estar num palco, me apresentar como uma pessoa profissional. Porque eu sou livre, mas eu tenho também uma conduta a manter também, principalmente porque o hip hop exige uma responsa grande.

Antes da Batalha das Mina, como era a Florianópolis para as manas MCs?

Por mais que tenham sido poucas antes, já tínhamos mulheres por aqui no rap, que fizeram muita história e foram muito resistentes. Tivemos a Anna Pulga, K47, Ka Alves, Vanuza Livramento. Toda uma resistência que era anterior à Batalha das Mina. 

A Batalha das Mina foi só um combustível para que mais mulheres despertassem para o seu próprio dom, para o seu próprio anseio de liberdade de expressão. 

Ainda temos muitos passos pra dar. A Batalha das Mina também sofreu muita perseguição, imagine só: Santa Catarina é um estado conservador para o hip hop, então um monte de minas juntas nas batalhas causava incômodo por denunciar o machismo e outras violências. 

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Crédito: Verônica Mackoviak.

Teve algum episódio que te marcou?

Eu me lembro de uma vez em que a gente foi fazer uma edição da batalha, já era tarde da noite, última linha do ônibus e estávamos sem dinheiro. Subimos, e fizeram a gente descer, fomos humilhadas ali mesmo pela polícia, então eram esses tipos de situações que, às vezes, aconteciam, tentavam marginalizar o que a gente fazia. Na época das eleições, quando o Bolsonaro ganhou, passamos a sentir ainda mais medo. Fomos perseguidas com bombas, grupos que andavam jogando fumaça, foi bem tenso. Mas a gente conseguiu incentivar o surgimento de outras batalhas que até hoje estão aí, feitas pelas minas e para as minas. 

Você pode compartilhar um pouco desse problema que está enfrentando e que influenciou muito da sua criação no álbum M3?

Bom, eu criei sozinha a minha filha mais velha, passei por muitos problemas com o pai dela, apanhei muito dele e uma dessas agressões, inclusive, a irmã e a mãe dele presenciaram. Mas elas estão incentivando esse meu ex-companheiro a me processar. A pedir a guarda, agora que minha filha está mais velha, com dez anos, depois que eu a criei sozinha por muito tempo. Então esse processo começou na pandemia, e eu olhei aquele documento, com várias acusações pesadas contra mim, que eu lia e pensava “realmente, até eu tiraria a minha guarda”. Mas eram acusações mentirosas, dizendo que eu não trabalhava, usava drogas, várias coisas. O álbum foi uma forma de externalizar aquela angústia do momento e até de entender o machismo daquelas mulheres que estão protegendo um homem agressor diante de uma mulher que se sustenta, de forma independente, bem distante da realidade delas também. 

E então, o processo criativo do M3 começou como uma terapia em isolamento social na pandemia?

Sim, foi em 2020, naquele auge dos casos da Covid. E eu gosto muito de viver a madrugada assim, né? E é não só no lado boêmio da coisa, mas de estar em casa e ter a madrugada para criar. É meu período preferido, é onde tudo flui melhor. Eu crio muito, viajo, medito. E eu já chorei de manhã fazendo yoga. Eu estava “virada”, sem dormir, e quando decidi pisar no chão para fazer yoga logo de manhã, mesmo sem dormir, eu sentia a emoção de ter passado por todo um processo criativo durante a noite toda. Então eu gosto de ouvir mantra, gosto de botar umas músicas assim. E eu tinha alguns beats [batidas sonoras para a produção de músicas de rap] que eu tinha ganhado de um multimaker, e aí eu coloquei para ouvir e criar as letras. Então minha criação flui muito a partir desse momento também de solitude sabe, de estar comigo mesma, na madrugada, de estar preparada para sentir uma energia de criação.

E tem outros métodos de processo que atravessam sua produção também?

Sim, em uma época que eu trabalhava no centro, limpava uma loja, na parte da manhã.

Começava a vir vários versos, mas na época era muito mais frequente nas batalhas também, naquela hora em que a gente entra para rimar. Mano, era louco porque eu tinha um tempo para limpar a loja e surgia o verso. Comecei a andar com um bloquinho e uma caneta, usava um aventalzinho, para carregá-los, e se ninguém estivesse vendo, eu pegava e anotava (risos). 

Então, eu tinha vários papéis com vários versos anotados. Mas eu não tenho tido tempo para ócio criativo, saca? Eu gosto muito de passear na música: boto um instrumental, às vezes nem é só rap, mas eu vou limpando a casa, escuto e penso nas paradas. 

O álbum trata do desafio diante das suas versões enquanto profissional, mãe e mulher. Como se dá esse equilíbrio?”

No processo de fazer música, geralmente tenho mais tempo quando as meninas estão de férias, que é quando realmente consigo só fazer as coisas que eu quero. Não que elas me atrapalhem, hoje elas cresceram e são muito parceiras, nós dividimos as paradas em casa. Mas no dia a dia a gente sempre tem metas para cumprir: fazer o almoço, o café, então quando elas estão por aqui, preciso dividir melhor o tempo. 

Mas depende. Eu posso estar em casa, fazendo tarefas, mas se toca um instrumental, às vezes a ideia vai vindo, então eu ouço um reggae, um funk, para ajudar. Eu gosto muito do soul funk, tipo norte-americano, né? 

E como foi tirar do papel a ideia até ela ganhar o financiamento do edital? 

Eu queria algo mais atual para conversar com o público. E aí quando veio o momento de eu pensar nos clipes, foi uma parada, porque, a princípio, ia ser uma ilustração estática com algumas pequenas intervenções de animação. E no final virou uma minissérie com roteiro. E foi muito importante, aprendi a valorizar mais ainda os artistas do audiovisual e da animação, porque é uma animação 2D, então é frame a frame. 

Mas foi um processo emocionante e feliz. Pela realização de poder estar trazendo um trabalho inovador também para a ilha. É um trabalho que também tenta expressar a voz das mulheres negras. Não sei se eu consigo, mas pelo menos através da minha vivência, eu acredito que sim. E eu tenho recebido muito saldo positivo, muito feedback da hora. Eu acho muito massa de ver as pessoas que se emocionam mesmo quando assistem ao álbum visual.

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Episódio 4 da minissérie M3 – Mulher, Mãe e MC | Arte: Giovanni Furlani, Pedro leon e Pablo Laguna.

Sobre o espaço urbano, nas ruas de Florianópolis: quando perguntamos para as pessoas sobre a cultura daqui, muitas nos indicam os museus e sua cultura açoriana, mas você e outras mulheres nos lembram de outras culturas, negras, indígenas. Como é para você disputar essa ideia de cultura?

Eu não sou nascida aqui nesse território, mas o habito há oito anos e pude perceber muitas manifestações diferentes no meu dia a dia e por onde ocupo. Consigo ver a todo momento as participações das pessoas negras na História daqui. Tanto da cultura quanto em outros aspectos também. E esse solo aqui [Alfândega, Florianópolis] tem muita história de construção que ainda está em andamento.

Se a gente for olhar todo ao nosso redor aqui, a arquitetura urbana também faz parte da arte. Não sei quem construiu, não conheço seus nomes, mas quem botou as mãos na massa foi o povo negro e tem muita história que percorre das mãos deles para onde estamos pisando hoje. E querem apagar a história desses povos que levantaram o Brasil, mas eles são a História. Fazem parte de um fato consumado que não tem como apagar. 

E como é completar os 50 anos do hip hop sendo rapper em Santa Catarina?

Ah, é sempre uma satisfação, né? Independentemente para onde a gente vai ou de onde está. O hip hop é uma família mesmo, então você pode até não conhecer a pessoa, mas com o hip hop ali entre a gente, a gente já tem alguma coisa em comum, já é um laço ali, já é um ideal que nos conecta, e isso é muito importante! Claro, estamos falando de territórios diversos no Brasil, cada um tem seu contexto. E o hip hop nasce mesmo como uma manifestação de arte de contextos de quem habita ali, de quem está naquele território. Então há realidades que muitas vezes são mais pesadas do que outras. Todas são pesadas, mas sabemos que há urgências diferentes de cada lugar. 

Mas para mim é muito importante me construir aqui como artista até mesmo para encontrar as semelhanças entre as periferias que eu vivi em São Paulo e as que eu encontro aqui. 

Porque por meio das pessoas, de conhecê-las e ouvi-las, a gente vê as semelhanças também a ponto de ver que o que acontece numa periferia reflete muitas outras partes do Brasil. Através da música e da arte, a gente traduz e faz a conexão. A música no hip hop também tem uma marcação de tempo que é da música e da História também. Ela marca que o cenário geral mudou em pouca coisa, e que é preciso denunciar o que ainda se mantém. 

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Crédito: Verônica Mackoviak.

Você comentou muito comigo sobre seu lado como arte-educadora, da sua formação em Educação do Campo. E que até rola fazer uma relação entre rap e pensamento freiriano. Como está sendo isso?  

Sim, estou fazendo um curso muito pra frente na Educação, que dialoga com a diversidade, com a realidade da pessoa, do sujeito que está estudando.

Então o rap também é isso. É a voz da adversidade, a voz dos que não tem voz. É algo que está fora do padrão do ensino tradicional, então é bem importante estar na sala de aula, ter a chance de levar o hip hop para esse espaço de formação, e entender também o que as crianças já têm acesso com rap (porque eles já escutam, são jovens do sexto ao nono ano). Então eu preciso dialogar também com o que elas estão recebendo da nova geração de artistas do rap. 

Porque eu estou ali quase como uma “velha guarda” dos rappers, trazendo mensagens mais de essência da ideia do rap de quando ele começou, e que muitas vezes elas não conhecem a partir das músicas novas que muitas vezes não estão nesse mesmo lugar das ideias. Eu levo para a sala de aula as lições políticas do rap das antigas, para relacionar  com essa geração atual do rap que eles acessam e que também é importante e nos ensina de outras formas. 

Então é uma chance de trabalhar várias questões sociais que eles também têm dúvidas e trazem para a gente encaixar assim no que eles fazem, consomem com o que têm hoje de novidade. O hip hop é tudo!

Alguma mensagem para deixar aí, alguma visão pra galera pegar?

Que a gente está na luta, e não esquece de todas as questões que precisam ser resolvidas, 

questão de sobrevivência nesse planeta, né? A questão da nossa alimentação, a questão social, racial que a gente precisa estar em harmonia, já deu a cota, tá ligado? Já deu a cota já de tanta guerra. A galera está muito atrasada, o planeta está sofrendo. O povo já sofreu muito, já está na hora da gente mudar nossa forma de agir. A gente precisa ser responsáveis pelas nossas escolhas políticas, econômicas, sociais, porque afetam tudo e o planeta está pedindo socorro faz tempo. São muitos problemas mentais que a galera está trazendo e temos pessoas maravilhosas, que poderiam estar vivendo super bem, sendo afetadas pelo nosso modo de vida.

Não vou salvar nada sozinha, não sou messias de ninguém, não sou profeta, mas eu tento fazer minha parte através da minha arte, do que eu consigo fazer no meu dia a dia através da educação, através das crianças. E é isso, mano, fazer esse convite para todo mundo que puder, que expresse sua arte e aproveite a vida também. 

Referências mencionadas por Mana Moa MC:

Cassia Eller (1962-2001): foi uma cantora, compositora e multi-instrumentista brasileira.

Dead Kennedy: banda de punk rock estadunidense, formada em 1978 em São Francisco, Califórnia. Foi uma das mais influentes bandas de punk durante seus primeiros oito anos de carreira.

2Pac (1971-1996): Tupac Amaru Shakur, mais conhecido pelos seus nomes artísticos 2Pac, Makaveli ou apenas Pac, foi um rapper, ator e compositor estadunidense

Ramones: Banda norte-americana de punk rock formada em Forest Hills, no distrito de Queens, Nova York, no ano de 1974. Considerada como precursora do estilo e uma das bandas mais influentes e importantes da história do rock.

Misfits: é uma banda de punk rock formada por Glenn Danzig em 1977 na cidade de Lodi, Nova Jérsei.

Viviane Inseta: artista visual, produtora independente. 

Trama Feminina: coletivo formado por cinco rappers, Sher MC, MC Clandestina, MC Oli, Versa e MC Moa. 

Batalha das Mina: movimento de batalha do hip hop liderado por mulheres, que aconteceu entre 2016 e 2021. 

Anna Puga: designer e rapper de Florianópolis. 

Vanuza Livramento: rapper de Florianópolis.

K47 Ka Alves: artesã, mãe e MC, natural de Ponta Grossa – PR, consolidou-se no hip hop, em  Florianópolis.

Racionais MC’s: um dos grupos de rap mais reverenciados do Brasil, e que agora é Doutor Honoris Causa pela Unicamp, pela contribuição ao “progresso das ciências, letras e das artes no país”. 

Sabotage (1973-2003): foi um rapper, cantor e compositor brasileiro. 

O Rappa: banda de rock brasileira, formada em 1993 no Rio de Janeiro. Notável por suas letras de forte cunho social, foi bem-sucedido por todo seu período de 25 anos e voltou a ser banda em janeiro de 2022.

Titãs: banda de rock formada na cidade de São Paulo em 1982.

Ratos do Porão: banda brasileira de punk rock formada em novembro de 1981, durante a explosão do movimento punk paulista.

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  • Agnes Sofia Guimarães

    Jornalista e pesquisadora. É Mestre em Comunicação pela UNESP e atuamente está concluindo o Doutorado em Linguística Apl...

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