A estreita relação entre os ataques violentos em escolas e os discursos de ódio, englobando a misoginia e manifestações de extrema direita, foi tema de discussão em evento na última quarta-feira na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc). O encontro contou com a participação do diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Corrêa, e da professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Lola Aronovich, entre outros especialistas.

No painel “Entendendo o fenômeno”, a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Lola Aronovich explicou que é necessário reconhecer a relação entre a extrema direita e o fortalecimento do pensamento masculinista com os ataques em escolas. “Por mais que a gente não goste de dizer que tem um perfil, porque a gente não quer estigmatizar, mas tem uma grande responsabilidade da extrema direita por todo esse ódio e pelos ataques que a gente vê nas escolas. Não tem como dourar a pílula”.

Lola Aronovich, professora da UFC. Crédito: Vicente Schmitt/Agência AL

Aronovich citou exemplos como os massacres de Realengo, em 2011, e o de Suzano, ocorrido em 2019. No primeiro, foram 12 vítimas: 10 meninas e 2 meninos com idades entre 13 e 15 anos. Para Aronovich, o assunto é geralmente analisado de forma descontextualizada, sem considerar as ideologias radicais e violentas relacionadas. Não há como ignorar a perseguição de gênero nesses casos, segundo a professora.

A docente já é alvo de grupos violentos desde 2011. Duas semanas antes da tragédia em Suzano, que possui indícios de ter sido anunciada no fórum Dogolachan, ela recebeu um e-mail com ameaça de um dos channers — como são chamados os integrantes desses grupos. 

“Cada um deles [dos integrantes] será doutrinado a odiar feministas, nós vamos colocar um exército de sanctus na rua armados e prontos para matar. E o melhor de tudo é que, com a quantidade de doações que estamos recebendo, em breve vamos finalmente contratar algum pistoleiro em Fortaleza para matar você. Sim, você irá morrer ainda este ano, em uma simulação de latrocínio. Eu juro em nome de Deus e com a mão no túmulo do meu pai”, dizia trecho do email.

A professora também explicou que o discurso preconceituoso do que se chama de “machosfera” não se restringe às mulheres, mas também a outras minorias. “Eles juram que a sociedade trava uma guerra contra a masculinidade e que as verdadeiras vítimas são os homens brancos”. Nesses fóruns, os integrantes encontram liberdade para destilar ódio e serem aplaudidos.

O evento também contou com participação da professora Cléo Garcia, pesquisadora da Unicamp e coautora do relatório “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos”. Segundo ela, “é necessário que nós olhemos como está sendo construída a masculinidade dos nossos meninos”.

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Cléo Garcia, professora da Unicamp. Crédito: Vicente Schmitt/Agência AL

O relatório demonstra que, entre os 36 ataques a escolas ocorridos entre 2001 e 2023, a grande maioria dos autores era do gênero masculino e branca. Além disso, 46,15% tinham entre 13 e 15 anos quando cometeram as violências. 

A pesquisa ainda demonstrou alta incidência de bullying sobre os agressores, para o que Garcia também chamou atenção. “Quando a escola fala que não tem bullying [acontecendo], ela não sabe o que é bullying. Os alunos que sofrem não contam o que está acontecendo, porque não há um lugar seguro na escola para falar sobre isso”, explicou a professora da Unicamp.

Grupos nazistas estão relacionados a ataques em escolas

Entre 2022 e 2024, a Delegacia de Repressão ao Racismo e aos Delitos de Intolerância da Diretoria Estadual de Investigações Criminais investigou 54 pessoas por práticas neonazistas, sendo 21 naturais do estado. Os dados foram divulgados pela Polícia Civil de Santa Catarina.

Na última semana, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos liderou uma comitiva a Florianópolis, motivada pelo aumento de 60,7% nas denúncias de células neonazistas no país entre 2020 e 2021 pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A Ouvidora Nacional dos Direitos Humanos, Luzia Cantal, explicou que “a intenção é fazer uma relatoria especial não só em Santa Catarina, como no Brasil”. 

Segundo o diretor-geral da Abin, a relação entre o crescimento de células neonazistas em Santa Catarina e os massacres em escolas não é direta, mas existe. “Nós temos o extremismo, seja ele numa questão de neonazismo ou com uma outra motivação, e também isso acaba incentivando, através de redes sociais, a conduta que chega até as escolas”.

Já para um Oficial de Inteligência da Abin, o neonazismo exerce influência explícita em casos desse tipo. Um jovem em situação de vulnerabilidade — muitas vezes, vítima de bullying — encontra acolhimento em fóruns radicais de “celibatários involuntários” (incels).

Os incels são membros de uma subcultura violenta que prega o ódio principalmente a mulheres, mas também a pessoas não brancas, LGBTQIAPN+ e outras minorias. Boa parte do conteúdo incel encontra-se em camadas mais profundas da internet, dentro de fóruns chamados de “chans“, aos quais é necessário utilizar diferentes protocolos dos tradicionais para ter acesso.

O oficial detalhou alguns símbolos comuns a esse tipo de operação, como o uso da máscara “black skull”, que apresenta uma caveira branca em tecido preto, e o sol negro, insígnia neonazista. Além disso, ele levantou razões que podem contribuir para ainda mais ataques: o efeito contágio, o fator de imitação e as datas comemorativas.

O efeito contágio trata-se da tendência de aumento no volume de violências em escolas após a divulgação de um caso. O fator de imitação se refere mais à estética e visual utilizados pelos agressores. Por fim, autores costumam utilizar datas comemorativas de antigas tragédias para realizar novas.

Além dos chans presentes na deep web, o profissional preocupa-se com redes utilizadas na “superfície” da internet permeadas por conteúdo incel. Ele afirma uma tendência de uso do Tumblr, por exemplo, pela falta de preocupação com a moderação de conteúdo.

Ataques violentos a escolas em Santa Catarina

Entre 2021 e 2023, Santa Catarina registrou dois ataques a escolas, nas cidades de Saudades e Blumenau, respectivamente. As duas tragédias resultaram em nove mortes, o que faz o estado liderar o ranking de óbitos nessas circunstâncias no Brasil.

“As pessoas choram, sofrem, falam com tristeza no jantar com os seus amigos. Daqui a pouco ninguém nem se lembra. Ninguém tá mais nem aí até que uma professora, um professor, uma criança vai morrer de novo na escola”, declarou a deputada estadual Paulinha (PODE).

A deputada apresentou, durante o seminário, alguns dos planos de ação previstos para a pauta no estado. Uma das questões mais relevantes, segundo ela, é ouvir as crianças sobre a segurança e a paz nas escolas. A deputada revelou que o estado firmará um acordo com o governo dos Estados Unidos para estabelecer ações de prevenção, além de um concurso de redação sobre o assunto.

Luiz Fernando Corrêa, Diretor-Geral da Abin. Crédito: Bruno Collaço/Agência AL

Segundo o diretor da Abin, o evento representou a necessidade de criar um sistema brasileiro integrado em combate a esse tipo de violência. A resposta, para ele, envolve “construir uma política nacional somando os esforços de cada estado e de todas as instituições, sejam elas federais, estaduais, do meio acadêmico ou da sociedade civil”.

Durante o encerramento do seminário, Mariana Morosini Muller, superintendente da Abin em Santa Catarina, relembrou o “Guia para Prevenção de Ataques Extremistas Violentos em Escolas” elaborado pela agência e que possui acesso restrito e é direcionado para os setores estaduais de segurança. Divulgado no fim de 2023, o documento segue sendo atualizado “todos os dias e todos os momentos”, segundo Muller.

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  • Iraci Falavina

    Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, Iraci já atuou como colaboradora dos veículos Folha de S...

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