Na próxima terça-feira (5), o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) julga um recurso da advogada feminista Rosane Magaly Martins, condenada na primeira instância a indenizar cinco estudantes de Medicina que posaram para uma foto em local público, fazendo um gesto que simula uma vagina. O episódio aconteceu em Blumenau em 2017. 

Na época, diversos ativistas e instituições repudiaram a atitude dos estudantes, considerada uma apologia ao machismo e à misoginia. A imagem também circulou em diversos veículos jornalísticos do país.

“É inconcebível que futuros profissionais da saúde, que devem zelar pela integridade dos usuários e o atendimento humanizado, sejam protagonistas de um ato que atenta contra os direitos humanos e a dignidade física, psicológica e simbólica das mulheres”, dizia um trecho da moção de repúdio lançada em abril de 2017 na 1ª Conferência Nacional de Comunicação em Saúde, em Brasília.

Martins publicou a fotografia, que circulava em grupos de WhatsApp, no seu perfil do Facebook, em abril daquele ano, com a legenda: “Bacana futuros médicos. Vergonha. Muita vergonha”.

Sua postagem foi alvo de processo por parte dos estudantes, atualmente médicos, que alegaram terem feito a foto em um momento de descontração e que ela teria sido compartilhada sem consentimento. 

A advogada foi condenada a pagar R$3 mil para cada um deles. Porém, o julgamento não levou em conta o conteúdo da foto, somente a publicação. Ela tenta reverter a condenação com base na discussão do conceito de privacidade e de liberdade de expressão. 

“Tentamos descaracterizar que a foto é íntima, porque foi tirada em uma praça no centro de Blumenau. Era um local público e eles publicaram em grupos de WhatsApp, isso não é privado. Além disso, eu como militante feminista tenho o direito de questionar o que está contido na foto. O conteúdo é muito importante de ser analisado”, afirma Martins, que atua em causa própria no processo em colaboração com outra advogada.

Nesta terça-feira, às 14h, TJSC vai julgar recurso da advogada Rosane Martins. Foto: Reprodução

Em decisão anterior, TJSC foi favorável à advogada

Antes desta ação principal, que trata principalmente sobre direito de imagem e pede a indenização, os estudantes entraram com uma tutela de urgência antecipada. Esta exigia a retirada da foto das redes sociais, sob pena de multa, além de proibir advogada de comentar o assunto e decretar segredo de justiça sobre o processo. A liminar foi deferida.

“A multa era um absurdo de cara. Eu não tinha condições de pagar. Aí eu excluí. A decisão liminar do juiz estava valendo”, disse Martins ao Catarinas.

A advogada entrou com o agravo de instrumento (nome do recurso), solicitando a análise da decisão interlocutória ao TJSC. Na ocasião, a turma da 5ª Câmara de Direito Civil – que hoje também julga a apelação da ré da sentença em primeira instância – foi unânime ao aceitar o agravo.

Em seu voto, o desembargador relator Henry Petry Junior destacou que, na imagem, os estudantes que reproduzem o órgão feminino em tom de “brincadeira” estavam em local público e, ainda, deram publicidade à imagem, ao compartilhar o arquivo em grupos de WhatsApp.

“Pouco importa se a intenção dos autores se restringia a um tom jocoso de ‘brincadeira’, na medida em que essas devem ser praticadas sempre em respeito às pluralidades que compõem a sociedade, mormente quando praticadas em praça pública. Assim não agindo, cabe aos autores da ‘brincadeira’ arcar com as consequências das interpretações que venham a ser atribuídas pela sociedade”, afirmou.

Com esta decisão, foi derrubado o sigilo judicial da ação e retirada a proibição de falar sobre o caso na internet que havia sido imposta à advogada. Os estudantes tentaram recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, porém os recursos não foram admitidos. 

Martins tem esperança de que o TJSC mantenha a posição favorável a ela. “O desembargador que analisou o agravo não está mais nessa Câmara, porém a grosso modo, quando uma Câmara dá uma decisão a favor, para ela mudar precisa elaborar muito, porque é reconhecer que se equivocou em outro momento”, explica.

O Catarinas entrou em contato com os advogados representantes dos médicos por e-mail e WhatsApp, porém não teve retorno até o fechamento da reportagem.

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  • Fernanda Pessoa

    Jornalista com experiência em coberturas multimídias de temas vinculados a direitos humanos e movimentos sociais, especi...

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