‘Megafone de Ativismo’ premia iniciativas pela justiça reprodutiva e resistência indígena
Outros projetos premiados são relacionados à causa Palestina, crimes de Arthur Lira e protesto contra a Braskem
A defesa da justiça reprodutiva. A resistência contra o Marco Temporal. A causa Palestina. Protestos contra a Braskem. A campanha por uma juíza negra no Supremo Tribunal Federal. Essas são algumas das temáticas reconhecidas pela terceira edição do Prêmio Megafone de Ativismo. A premiação busca aumentar a visibilidade das ações ativistas, fomentando a prática do ativismo como catalisador de transformação social e o surgimento de novos agentes.
“Se em 2021 a saúde pública esteve na linha de frente e em 2022 houve uma grande movimentação em defesa da democracia, em 2023 a agenda ativista retomou pontos fundamentais para a justiça social no Brasil, como a reforma agrária e a violência policial. Porém, alguns temas, como racismo, desigualdade de gênero e questões ambientais, permaneceram fortes em todas as edições do prêmio”, contextualiza Digo Amazonas, do Megafone Ativismo.
“Até Maria foi consultada para ser mãe de Deus”
Considerada uma peça clássica do ativismo brasileiro, segundo a organização do Prêmio, o cartaz “Até Maria foi consultada para ser mãe de Deus”, utilizado há anos por Católicas pelo Direito de Decidir, foi o vencedor na categoria Cartaz em Manifestação.
A ONG feminista atua na defesa do Estado laico e dos direitos sexuais e reprodutivos, o cartaz foi utilizado em 2023 durante o ato pelo Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto.
Priscila Kikuchi, teóloga da organização, conta que afirmação de que “até Maria foi consultada para ser a mãe de Deus” é fruto de uma elaboração teológica em perspectiva feminista, de teólogas que compõem a Rede Latino-americana das Católicas pelo Direito de Decidir.
“Ao afirmarmos que até Maria foi consultada para ser Mãe de Deus, estamos reivindicando o lugar de protagonismo das mulheres na construção da ação divina em um mundo que precisa de esperança, e que as mulheres têm o direito de decidir”, destaca.
Conforme coloca, na passagem bíblica o anjo do Senhor não impôs a gravidez e ela aconteceu de acordo com a vontade de Maria. “Afirmamos que as mulheres participam com Deus da construção de um mundo de mais amor e justiça reprodutiva. Afinal, a jornada de Maria e sua gravidez é cotidianamente atualizada na luta e na denúncia que mulheres negras, migrantes, indígenas e pobres fazem pelo direito à maternidade que lhes é negada por um Estado racista, xenofóbico e violento”, relaciona.
Marco Temporal Não!
Em 2023, a luta contra o Marco Temporal foi destaque em todo o país. A tese coloca que os povos indígenas só teriam direito a reivindicar territórios que estivessem ocupando ou disputando em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal.
Na categoria Foto, a imagem vencedora é um registro de Juliana Duarte, de Brasília (DF), em ato contra o Marco Temporal. A fotografia traz Natalia Mapuá, jovem indígena, segurando uma bandeira do Brasil manchada de vermelho com urucum, em alusão ao sangue derramado desde o início da colonização em um violento processo de apropriação de terras e destruição de povos e culturas.
“Este troféu tem meu nome, mas não é uma conquista individual, pois ele valida toda a nossa luta. Sou neta de uma mulher indígena e posso não ter sofrido preconceito diretamente, mas ele me afeta. Ele marcou a minha avó e, por consequência, a toda minha família. A Natália, que foi personagem central dessa imagem, é a cara da mulher forte e perseverante que precisa dessa visibilidade. Ela, assim como a minha avó, merece ter seus direitos cumpridos e garantidos. É por isso que eu luto e quero que outras pessoas lutem comigo”, compartilha a fotógrafa.
Duarte descreve a premiação como um reconhecimento do papel crucial que o ativismo desempenha na atual sociedade brasileira, em especial nas questões sociais e ambientais, frente aos retrocessos.
“Meu papel como fotógrafa é registrar a constante batalha que é travada todos os dias, por essas pessoas que sequer têm uma opção. É lutar ou lutar”, afirma.
A resistência indígena também foi reconhecida na categoria Documentário. O curta “Luta por Reparação” denuncia a continuidade dos crimes da mineração contra grupos indígenas atingidos pelo crime da mineradora Vale, na região de Brumadinho (MG), após o crime socioambiental ocorrido em 2019.
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Na categoria Música ou Videoclipe, o premiado é o remix do Brasil do Cocar, feito pelo DJ Zek Picoteiro e pela APIB. O remix traz falas de Celia Xakriaba e Txai Suruí sobre a importância de derrotar a tese do Marco Temporal e fazer a demarcação de terras indígenas.
O prêmio Megafone também reconheceu o poder do humor – uma das formas de protesto mais tradicionais no Brasil. Essa foi a forma pela qual Walter Oliveira da Silva, indígena de Santarém (PA), destacou a importância do reflorestamento como medida de combate à crise climática. Para tanto, ele fez uma sátira ao filme Barbie que se sagrou vencedor na categoria Meme ou Humor de Internet.
Demais premiações
Ao todo, quatorze projetos ou pessoas foram reconhecidos em categorias distintas. Elizabeth Teixeira, mulher de 99 anos, nascida em Sapé, na Paraíba, e que dedicou sua vida à luta pela reforma agrária, é a vencedora na categoria Prêmio do Júri da terceira edição do Prêmio Megafone de Ativismo. O Megafone do Ano ficou com Thiago Ávila, ativista internacionalista e socioambientalista, que também divulga conteúdos sobre a geopolítica no Oriente Médio.
Duas ações denunciando crimes de grandes empresas estão entre os premiados. Na categoria Marcha ou Manifestação de Rua, quem recebeu o prêmio Megafone foi o protesto da população alagoana nas ruas de Maceió denunciando as ações criminosas da petroquímica Braskem. Nesse protesto, a população seguiu em direção à Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, onde reivindicou realocação digna dos moradores que estão na área de risco, revisão dos contratos de indenização e cobrança dos órgãos de controle institucional que possam investigar a Braskem.
Na categoria Ação Direta, venceu o grupo de jovens que protestou em frente a uma unidade da empresa de agrotóxicos BASF em Sapucaia do Sul (RS). O protesto repercutia as denúncias de trabalho escravo, bem como o envenenamento dos alimentos no Brasil. A ação fez parte da 14ª Jornada Nacional da Juventude Sem Terra, que trouxe o lema “Combater o Agro, garimpo e a mineração. Rompendo cercas alimenta a nação!”.
Este ano o prêmio também reconheceu o esforço de quem arrisca a própria vida para defender seu território. É o caso de Darlon Neres dos Santos, premiado na categoria Jovem Ativista. Ele é ameaçado de morte por denunciar a exploração de madeira ilegal que acontece no Assentamento PAE Lago Grande em Santarém (PA).
No universo digital, Leandrinha Du Art é a vencedora na categoria Perfil de Rede Social. A influenciadora digital de Minas Gerais atua também como fotógrafa, produtora, blogueira e comunicadora. É militante nas causas das pessoas com deficiência e pessoas LGBTQIAPN+.
Ter uma juíza negra no Supremo Tribunal Federal foi um dos pleitos que mais mobilizou a sociedade brasileira em 2023. É dessa mobilização que vem o premiado na categoria Arte de Rua: o grafite, assinado por Airá Ocrespo e pintado no Rio de Janeiro, materializa o pedido, mostrando uma mulher negra trajada como juíza e sentada em uma das características poltronas do STF.
A sociedade brasileira também se manifestou contra a crescente violência policial e esse é o tema das contundentes falas de Andrea Coutinho e Alexandra Rodrigues, que juntas ganharam o Prêmio Megafone na categoria Cidadão Indignado. Seus desabafos foram feitos na praça de Itararé, em Vitória, antes do início da manifestação do Dia Nacional de Lutas dos Movimentos Negros Pelo Fim da Violência Racista da Polícia.
Na categoria Reportagem de Mídia Independente, o premiado foi o trabalho de investigação do projeto De Olho nos Ruralistas mostrando as atrocidades ambientais cometidas pelo atual presidente do Congresso nacional, Arthur Lira. Donos de 20 mil hectares, ao lado dos Lira, os Pereira criam gado em terra indígena e vendem carne para prefeituras controladas pela família; relatório “Arthur, o Fazendeiro” revela violências, despejos e uso político sistemático da máquina pública.