A Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, compareceu ao seminário “Políticas Públicas para as Mulheres” nesta sexta-feira (12). Realizado na Alesc, o evento contou com mediação da deputada Luciane Carminatti (PT) e concentrou-se nos planos do governo federal para as pautas de gênero.

O evento, marcado para às 14h, se iniciou efetivamente depois das 15h. Antes do início do seminário, a ministra participou de entrevista coletiva, durante a qual abordou violência política de gênero, falta de cargos ocupados por mulheres na política, aborto legal e saúde da mulher.

Respondendo à pergunta do Catarinas, a ministra comentou que os planos em relação à garantia do aborto em casos de estupro passam pela retomada de políticas que foram encerradas pelo governo Bolsonaro. “Nós tínhamos uma política de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual e meninas, que tinha todo serviço do atendimento psicológico a 72 horas, que é fundamental para evitar a gravidez e as DSTs. Nós precisamos montar uma estratégia de prevenção. O que for serviço de aborto legal, nós queremos que aconteça”.

Da esquerda para a direita: Ministra Cida Gonçalves e Deputada Luciane Carminatti (PT)

Gonçalves explicou que a estratégia está sendo desenvolvida em nível nacional. Ainda assim, destacou a importância de avançar no debate sobre a saúde integral das mulheres. “Nós estamos hoje com o maior índice de mortalidade materna, violência obstétrica também muito alto. Então nós queremos discutir o atendimento à violência sexual, mas com toda a discussão sobre a questão da saúde do acesso da mulher em relação ao seu corpo e ela decidir sobre ele”.

Em conjunto na coletiva, a deputada federal Ana Paula Lima (PT) comentou os desafios em relação à saúde da criança e do adolescente, como a vacinação de HPV. “É importante que os estados e municípios façam essa divulgação e a gente vai evitar isso através da educação, prevenindo não somente as meninas, mas também os meninos”.

Em relação às áreas prioritárias para distribuição de recursos em estados e municípios, Gonçalves destacou três: enfrentamento da violência contra a mulher, projetos de qualificação e fortalecimento de lideranças mulheres. 

Seminário contou com manifestação da Frente pela Descriminalização do Aborto

Rosaura Rodrigues, presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim), participou do momento inicial do seminário e utilizou o espaço para debater a violência em Santa Catarina. “Até agora [em 2024], temos 9 mulheres assassinadas no estado. Esse número vai crescer e nós sabemos. O que nós vamos fazer para diminuir isso?”. Nos dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de feminicídios em Santa Catarina foi de 56 em 2022.

Rodrigues apontou também para a revitimização de vítimas de estupro, principalmente crianças e adolescentes quando não acessam o aborto legal. “Além disso, quantas foram obrigadas a levar a gravidez até o fim e tiveram negado o aborto legal? O estado que tem nome de mulher não respeita as mulheres”. Após a fala da presidente do conselho, manifestantes gritaram em coro “criança não é mãe” da plateia.

A apresentação de Gonçalves no evento aberto ao público foi seguido por uma manifestação do 8M Brasil SC e da Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, que exibiu lenços verdes e entoou um jogral. Veja o vídeo no Instagram.

“As solteiras abortam. As casadas abortam. As adolescentes abortam. As meninas abortam. As ateias abortam. As crentes abortam. As lésbicas abortam. As bissexuais abortam. As heterossexuais abortam. As juízas abortam. As ativistas abortam. As professoras abortam. As policiais abortam. As putas abortam. Em consultórios abortam. Sozinhas abortam. Com vergonha abortam. Acompanhadas abortam. Com orgulho abortam. Em todas as partes abortam. Nós abortamos! Nós abortamos! Nós abortamos! Nós abortamos! Queremos decidir sobre as nossas próprias vidas!”

A resposta à manifestação veio no fim da fala da ministra. Ela citou o caso da menina de 12 anos do Piauí que engravidou de um estupro pela segunda vez e não teve acesso ao aborto legal. “O Conselho Tutelar saiu do interior, foi com a menina para a cidade, para o serviço de atendimento à violência sexual e ninguém quis atender”, comentou. 

Gonçalves falou ainda das falhas no atendimento do caso. “Uma juíza autorizou o aborto e a outra a sua exigiu que a Defensoria Pública colocasse o defensor para defender o nascituro. Essa é a situação da maioria dos serviços de saúde, nós não estamos conseguindo achar profissionais”.

Ana Miranda, representante da Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, comentou que a manifestação ocorreu de forma espontânea, sem organização prévia. “O pessoal acabou aderindo porque é uma pauta muito importante aqui em Santa Catarina. A gente teve o caso da menina de 11 anos que foi bem emblemático, chamou muita atenção do público e a gente vem perdendo direitos na pauta da justiça reprodutiva”.

Outro caso notável no estado e que teve repercussão nacional ocorreu no final de 2023. Uma adolescente de 14 anos, grávida após violência sexual, teve que recorrer a uma disputa judicial e, ainda assim, não conseguiu acessar o direito ao aborto. Acionados por uma rede autointitulada pró-vida e em defesa da família, o pai da menina recorreu à justiça para impedir o procedimento, assim como o suspeito do estupro também tentou ingressar na ação.

Miranda acredita que a manifestação fez a ministra incluir um debate que não parecia previsto. “Eu creio que teve um impacto para ela mobilizar essa questão principalmente para crianças e também de cenários que hoje a gente não tem. Mesmo nos casos previstos por lei, a gente não tem uma garantia do acesso ao serviço”.

Em março deste ano, Gonçalves disse, em entrevista à Folha, não querer “reduzir a mulher ao aborto” durante a 68ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher da Organização das Nações Unidas (ONU). Em carta aberta, organizações que atuam em defesa dos direitos reprodutivos repudiaram as falas e solicitam constantemente a revisão do posicionamento do Ministério.

Recentemente, o Conselho Federal de Medicina publicou a resolução nº 2.378/24 , que limita a interrupção da gestação em casos de estupro a 22 semanas. Entidades defensoras da justiça reprodutiva e o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) protocolaram no Supremo Tribunal Federal um pedido de liminar contra a norma.

Durante o seminário, a ministra criticou também a falta de recursos repassados à pasta — R$ 38 milhões, segundo Gonçalves. Em comparação, o Ministério do Meio Ambiente recebeu, nesta semana, um repasse de R$ 730 milhões até 2027 para ações com foco na recuperação da Amazônia

Na parte final da mesa da ministra, houve três falas do público: Vanda Pinedo, professora e integrante nacional do Movimento Negro Unificado (MNU); Lino Gabriel Nascimento dos Santos, professor e integrante da Marcha Trans e Carmen, que se apresentou como mãe de autista.

Lino Gabriel Nascimento dos Santos, professor e integrante da Marcha Trans

Gonçalves, entretanto, tinha agenda marcada para o mesmo dia com a Diretoria Executiva do Sebrae às 16h, com o objetivo de trabalhar o tema “mulheres empreendedoras”. A ministra finalizou sua participação depois das 17h, respondendo de forma resumida às três manifestações e prometeu retornar a SC. “A gente ainda tem muito a debater”.

Em relação à pauta da população trans, o Ministério das Mulheres publicou na sexta-feira, em sua conta no Instagram, um vídeo em que destaca uma fala da ministra, durante o evento, sobre discurso de ódio. “Nós estamos assumindo um governo com uma realidade de ódio, intolerância e desrespeito. Este país nunca matou tanta travesti, nunca matou tanta trans como tem matado ultimamente”. No entanto, o vídeo foi marcado por ataques transfóbicos, revelando o contexto de ódio que permeia até mesmo grupos que se autodenominam feministas.

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  • Iraci Falavina

    Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, Iraci já atuou como colaboradora dos veículos Folha de S...

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