Organizações engajadas na promoção da justiça reprodutiva vão distribuir lenços verdes, símbolo da luta pelo aborto legal, durante o Carnaval de 2024. Essa iniciativa tem como objetivo evidenciar a crescente mobilização da Maré Verde no Brasil. Os lenços, personalizados especialmente para a folia, foram enviados para diversos estados do país. As mensagens impressas são “Nem Presa Nem Morta”, em referência à campanha lançada em 2018, e “direito ao nosso corpo, legalizar o aborto!”
“O Carnaval é uma celebração da vida e é também forma de resistência coletiva. É exaltação dos corpos autônomos e verdadeiramente livres, que devem ser respeitados em todas as suas dimensões. Nada mais justo do que aproveitar a folia pra reafirmar nosso desejo por uma sociedade e um Estado que respeite os projetos de vida de cada pessoa”, afirma Laura Molinari, da Campanha Nem Presa Nem Morta.
Letícia Ueda Vella, advogada e integrante do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, lembra que o Carnaval historicamente é um espaço de festa e folia, mas também de manifestação política.
“Usar o lenço nos bloquinhos e pensar em fantasias com esse tema é defender a vida de todas as mulheres, meninas e pessoas que podem gestar. É criar um link entre militância e folia, em uma festa tão importante para a cultura brasileira”, destaca.
O direito ao aborto está no centro do debate político brasileiro. Em setembro, antes de se aposentar, a então presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, votou a favor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Em seguida, o julgamento virtual foi suspenso por um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso, para levar o caso para análise do plenário presencial, sem data prevista.
Por outro lado, em outubro, parlamentares de direita tentaram mais uma vez votar o Estatuto do Nascituro na Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei tenta proibir o aborto em todos os casos, inclusive naqueles em que é pertmitido: risco à vida da gestante, gravidez resultante de violência sexual e feto anencéfalo.
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“Movimentar uma Onda Verde carnavalesca é posicionar a descriminalização e legalização do aborto como um dos debates centrais do momento, especialmente quando vemos o avanço desse tema na América Latina e a presença e influência de um enorme fundamentalismo e conservadorismo no Brasil”, justifica Vella.
Lenços verdes
“Muitos grupos usam o lenço verde como um símbolo de identificação e reconhecimento, de pertencimento a um grupo que luta pela dignidade de escolha para todas as pessoas”, explica Molinari da Campanha Nem Presa Nem Morta.
O uso dos lenços verdes, ou pañuelos, como são chamados no restante da América Latina, como símbolo da luta pela descriminalização e legalização do aborto começou na Argentina, inspiradora por outro movimento histórico de mulheres. As Mães da Praça de Maio, que tiveram seus filhos assassinados ou desaparecidos durante a ditadura militar argentina, usam bandanas brancas na cabeça.
Em 2003, Marta Alanis, fundadora dos Católicos Pelo Direito de Decidir, na Argentina, organizou um protesto pela legalização do aborto e planejou levar os lenços para chamar a atenção para o tema e homenagear as Mães da Praça de Maio. Junto com a amiga Susana Chiarotti, escolheram a cor verde por considerarem que representa “crescimento” e “vida”. “Isso mostra como o aborto é uma pauta que une gerações diversas de defensoras da justiça reprodutiva”, aponta a representante da Campanha Nem Presa Nem Morta.
Quando a Argentina legalizou o aborto, em dezembro de 2020, as imagens de centenas de mulheres com lenços verdes estamparam capas de jornais e viralizaram nas redes sociais. Os lenços se tornaram símbolo da luta pelo aborto legal na América Latina, na chamada Onda ou Maré Verde, e ao redor do mundo, como nos protestos que ocorreram nos Estados Unidos após a Suprema Corte derrubar a decisão que garantia o direito ao aborto em todo o país.
“A ideia de distribuir lenços no Carnaval surge a partir da necessidade de fortalecer a Onda Verde em nosso país, dando a oportunidade para que todas as pessoas possam celebrar e posicionar a nossa pauta em meio a uma festa dessa magnitude”, aponta Letícia Vella.
A ação é promovida por Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Rede Feminista de Saúde, Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Católicas Pelo Diretor de Decidir, Cladem – Comitê Latino-americano e do Caribe pelos Direitos da Mulher, Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh), Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, Portal Catarinas, Campanha Nem Presa Nem Morta, Grupo Curumim – Gestação e Parto, Cunhã Coletivo Feminista, Anis – Instituto de Bioética, Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação, Coletivo Margarida Alves, SOS Corpo e Criola.