Médicos terão que pagar por custas processuais após gesto misógino, decide TJSC
A advogada Rosane Martins havia sido processada em 2017 por criticar o gesto dos então estudantes
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina emitiu uma decisão favorável à advogada e ativista Rosane Magaly Martins em 5 de março. Martins foi processada em 2017 por cinco estudantes de Medicina da Universidade Regional de Blumenau (Furb), ao criticar uma foto em que os alunos posam simulando uma vulva com as mãos.
O resultado não apenas isentou a ativista do pagamento de indenização por danos morais e outras custas, mas também inverteu a sentença anterior. Ou seja, os agora médicos Andre Issamu Takeshita, Matheus Mehret Moleta, José Augusto Bach Neto, Max Cleber Krajt Espanhol e Rodrigo Ortlieb Quinto terão que arcar com as custas do processo de Martins.
O desembargador Ricardo Orofino da Luz Fontes, relator da apelação feita pela advogada, declarou que ela não ultrapassou seu direito à liberdade de expressão. Além disso, a decisão informa que o gesto em si é “imensuravelmente mais agressivo se equiparado à crítica que lhe foi dirigida”.
“A discordância frente a uma gesticulação, social e notoriamente ginecofóbica [sic], realizada por um grupo de futuros médicos que livremente a praticaram e partilharam na internet está longe de difamação ou calúnia”.
A respeito do termo “ginecofóbica”, cunhado pelo próprio TJSC, a advogada comentou estar satisfeita. “É um termo que o tribunal inseriu que eu acho que vai ficar para os primórdios de julgados no Tribunal de Justiça de Santa Catarina”.
Decisão anterior condenava advogada a indenizar futuros médicos
Ao ser condenada em primeira instância ao pagamento de indenização por danos morais, ainda em 2017, Martins entrou com um recurso chamado “agravo de instrumento”. O resultado também foi favorável, entendendo-se que a ofensa se dava pela foto em si — e não por sua publicação criticando o ato.
Em 2021, a juíza Cristina Lerch Lunardi sentenciou a advogada ao pagamento das custas do processo, além de determinar o pagamento de R$ 3.000 a cada um dos então estudantes e a retirada da publicação do Facebook. A decisão da última terça-feira, 5, foi uma apelação dessa sentença.
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“Não tem lugar a discussão sobre se a postura dos autores na foto em questão foi ou não ofensiva às mulheres, trouxe conotação misógina ou mesmo preconceituosa em relação ao sexo feminino”, decidiu Lunardi à época.
“Foi uma facada na minha alma”, comentou Martins, que define sua estratégia durante o processo como um “tratado feminista”. Ela atuou em defesa própria, em conjunto com a advogada Silvana Passold.
“É por causa desses pequenos gestos que mulheres são violadas, estupradas e ameaçadas em todas as áreas profissionais. Como é que uma juíza, uma mulher, se esquiva de analisar o conteúdo da foto?”
Entenda o caso
A foto dos cinco futuros médicos simulando um órgão genital foi tirada em frente ao Teatro Carlos Gomes, no centro da cidade. Os próprios jovens a compartilharam em grupos de WhatsApp.
Uma professora e diversas alunas do curso de Medicina encaminharam a imagem para Martins, advogada e referência feminista em Blumenau. Ela então compartilhou a foto em sua conta do Facebook, com a legenda “Bacana futuros médicos. Vergonha. Muita vergonha”.
Conforme a sentença de 2021, “após 16 horas dessa publicação, mais de 120 compartilhamentos haviam sido feitos”. A repercussão se concentrou entre as pessoas da cidade, inicialmente, mas tomou cada vez mais atenção. O caso foi noticiado por diversos veículos nacionais.
A ativista foi intimada na quinta-feira da Semana Santa. “Aquele fim de semana que era para ser de alegria, foi de tristeza”, comenta. Desde então, conforme o processo foi se arrastando por quase sete anos, a tensão também seguia.
O argumento utilizado na estratégia de Martins e Passold incluía reiterar que a foto foi inicialmente compartilhada pelos próprios estudantes. Não se trataria de uma imagem privada e nem incluiria ofensas que justificassem o pedido de indenização por danos morais.
O caso de Rosane foi similar ao da comunicadora Lola Aronovich, que foi processada após compartilhar uma matéria que citava o caso de estupro da jornalista Amanda Audi.
A ativista conta que, quando enfim o desembargador leu o voto em seu favor na última semana, começou a chorar de alívio. “Eu achei um julgamento extremamente emblemático para nós mulheres, principalmente para dizer o seguinte: nós não podemos nos submeter”, comenta Martins.