O Brasil aguarda o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 ser pautado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Apresentada em 2017 pela Anis – Instituto de Bioética e Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a ADPF propõe a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, diante de uma legislação penal que viola os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da proibição de tortura, entre outros.

A ministra Rosa Weber, presidente da Corte, deve se aposentar em outubro deste ano e, como relatora da ADPF, pode colocá-la em pauta antes de passar a cadeira para a pessoa que vai sucedê-la.

Casos que mostramos nesta e em edições anteriores da Ronda Feminista ilustram como a criminalização do aborto afeta desproporcionalmente meninas, mulheres e outras pessoas que podem gestar no Brasil, especialmente as que são negras e pobres, que não têm acesso à informação e serviços de saúde. O alto número de processos criminais abertos pela prática do autoaborto nos primeiros meses de 2023 (208) exemplifica esse cenário.

E não é só no Brasil que o direito ao aborto é atacado. Políticos no Chile e Argentina querem criminalizar a interrupção da gravidez, mesmo nos casos já legalizados. Na Hungria, uma política federal aprovada obriga as pessoas a escutarem o batimento do feto antes do aborto garantido por lei há décadas.

Esse movimento transfronteiriço não é acaso: o aborto assim como os demais direitos reprodutivos é a principal pauta utilizada por conservadores ao redor do mundo para provocar pânico moral e engajar eleitores.

É neste cenário que chegamos ao 28 de setembro, Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. Enquanto países da região registraram avanços nos últimos anos, como a Colômbia e Argentina que descriminalizaram o aborto, ainda são muitos os desafios que as meninas, mulheres e e outras pessoas que podem gestar enfrentam na região por justiça reprodutiva.

É o caso da Mila, uma criança que desde os 6 anos foi estuprada pelo pai e aos 11, ficou grávida. Apesar do risco à saúde física e mental, ela só conseguiu acessar o direito ao aborto após a repercussão internacional do caso, como mostramos na Ronda.

Confira nosso monitoramento de fatos que impactam os direitos sexuais e reprodutivos no Brasil, América Latina e mundo entre julho e agosto de 2023.

Nesta edição da Ronda Feminista você confere:

Brasil

Gestantes e puérperas tinham o dobro de chance de morrer por complicações da Covid–19

Durante a pandemia de Covid-19 no Brasil, o número de mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos retrocedeu a níveis registrados no início dos anos 2000. É o que mostra a publicação Saúde Materna e Covid-19: panorama, lições aprendidas e recomendações para políticas públicas, do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr) e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Em 2020, foram 74,7 mortes por 100 mil nascidos vivos e em 2021, 117, 4 mortes. 

Desde o início da pandemia, são 2.050 gestantes e puérperas mortas por Covid-19. Foram contabilizados 462 óbitos maternos em 2020, 1.524 óbitos em 2021 e, até a publicação do material, 64 óbitos em 2022.

Segundo as organizações, a pandemia “expôs as fragilidades do sistema de saúde e as iniquidades etnicorraciais e territoriais no acesso a serviços de atenção obstétrica”. 

O estudo aponta que apesar de todos os pacientes hospitalizados em 2021 apresentarem maior chance de desenvolver desfechos graves por Covid-19, a população materna tinha quase o dobro de chance de vir a óbito do que os demais grupos. Além disso, gestantes pretas, pardas e indígenas apresentaram os maiores percentuais de morte. Enquanto 8% das gestantes brancas vieram a óbito por Covid-19, esse percentual foi de 14% entre as pretas, 11% entre as pardas e 10% entre as indígenas. 

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Ato #ForaBolsonaro, Florianópolis, outubro de 2021 | Crédito: Carina Castro.

Casos de sífilis aumentam entre adultos e bebês

No chamado período pós pandemia, os casos de sífilis, infecção sexualmente transmissível (IST), tiveram aumento em todas as faixas etárias e sexos. Até 2018, houve uma ascensão dos novos casos no Brasil, mas houve uma estabilização em 2019 e uma queda em 2020. Agora, os novos casos voltaram a crescer.

Em 2021, foram registrados mais de 167 mil casos de sífilis adquiridos (em adultos), 74 mil em gestantes e 27 mil casos de sífilis congênita, que ocorre pela transmissão da mãe para o bebê durante a gestação. No primeiro semestre de 2022 – último período que há os dados disponíveis – foram mais de 79 mil casos de sífilis adquiridas, 31 mil em gestantes e 12 mil casos de sífilis congênita. A maior prevalência é no público masculino (60,6%) e na faixa etária de 20 a 29 anos (35,6%) e 30 a 39 anos (22,3%). Os dados são do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde.

“O aumento de casos de sífilis é preocupante, pois é um problema de saúde pública no país, e o acesso adequado aos serviços de saúde, à testagem e ao tratamento no pré-natal reflete no aumento de diagnósticos”, afirmou Angélica Espinosa, diretora do programa de IST da SVSA (Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente) do Ministério da Saúde, à Folha de São Paulo.

Mãe denuncia preconceitos em caso de bebê que teve a cabeça cortada durante parto em Santa Catarina

No dia 14 de julho, durante o parto na maternidade Darcy Vargas, em Joinville (SC), um bebê teve o couro cabeludo cortado. Segundo a mãe, a criança não foi tratada como deveria, porque os profissionais não limparam corretamente o local da ferida, que evoluiu para uma infecção. Ela relata que sentiu que foi negligência em todos os momentos por ser uma mulher pobre, preta e com HIV.

Uma mulher que compartilhou o mesmo quarto relatou que escutou gritos de dor logo após a mãe retornar do parto. “Ela chegou no quarto cheia de sangue. Ela berrava de dor. Dois enfermeiros chegaram e, sem anestesia, tiraram algo dela”, disse ao portal ND+, se referindo ao que ela acredita ser a placenta. A mãe do bebê que teve a cabeça cortada, disse ainda que foi questionada por um enfermeiro sobre como deixou a violência acontecer.

Após o parto, mãe e bebê receberam alta. A família procurou atendimento médico após perceber a ferida. Ele ficou internado por cerca de duas semanas no Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria. A criança precisará fazer acompanhamento neurológico ao menos até os três anos, quando os pais poderão descobrir as sequelas causadas pelo corte. O caso é investigado pela Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Joinville.

Nos primeiros cinco meses deste ano, 208 mulheres foram processadas por autoaborto

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reunidos pela AzMina, revelam que 208 mulheres foram processadas por aborto praticado pela gestante apenas nos primeiros cinco meses de 2023. No ano anterior, foram 464 processos ao longo de 2022, número muito maior do que em anos anteriores: 136 em 2021 e 111 em 2020. No período anterior à pandemia, foram abertos 359 processos em 2019 e 226 em 2018.

Profissionais de saúde do SUS são os que mais quebram sigilo e denunciam autoaborto em São Paulo

Um levantamento inédito reuniu 37 habeas corpus (HC) apresentados pelo Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Nudem/SP), em casos de criminalização por autoaborto. Divulgado pela Pública, o documento mostra que na maioria dos casos, as mulheres são pardas e pretas, tem menos de 29 anos, baixa escolaridade, pobres, sem antecedentes criminais, já são mães e responsáveis pelo sustento da família quando o aborto ocorre. 

Os habeas corpus foram apresentados pela Defensoria com o objetivo de trancar as ações penais em andamento contra mulheres pela suposta prática de aborto. Em 54% dos casos levantados, as pacientes foram denunciadas por profissionais de saúde que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em quase nenhum dos casos, foi possível identificar por exame se o aborto aconteceu por medicação ou não. O Nudem/SP também indica que os homens que se relacionam com essas mulheres acusadas foram citados em 23 processos, mas apenas sete foram denunciados criminalmente.

O documento conclui que as mulheres acusadas de prática de aborto são “vítimas de violações de seus direitos à intimidade, privacidade, devido processo legal e efetivo acesso à justiça”.

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Marcha das Margaridas 2023 | Crédito: Nicole Ballesteros Albornoz.

Juiz usa ECA para defender quebra de sigilo médico em aborto

Reportagem da Pública denuncia como um juiz do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo usou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para justificar a quebra de sigilo médico em um caso de autoaborto. O magistrado cita o “dever de comunicar maus-tratos à criança ou adolescente”, presente no ECA, para isentar a equipe médica. Um recurso foi apresentado ao Superior Tribunal Federal (STF) e está em tramitação.

O processo analisado é uma ação indenizatória movida contra hospital. Na época do caso, a mulher tinha 26 anos e afirma ter sido forçada a confessar o aborto e que os funcionários do hospital deram informações à Polícia Militar.

“Enquanto estava passando mal, uma enfermeira chefe ficava me acusando. Ela dizia: ‘é melhor você confessar à polícia que usou medicação’”, contou a mulher à reportagem.

O Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo, que apresentou o recurso, classificou o uso do ECA na decisão como um “equívoco conceitual e jurídico”, ao comparar um embrião a uma criança ou adolescente.

Conferência Nacional de Saúde aprova proposta de legalização do aborto

Durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), a proposta de legalização do aborto foi aprovada pela terceira vez. Como em casos anteriores, a aprovação foi alvo de ataques coordenados pela extrema direita, que atua espalhando fake news na internet e desinformando sobre o papel da plenária.

Um levantamento d’O Globo mostra que oito Projetos de Decreto Legislativo foram protocolados buscando suspender os efeitos do texto, ainda que ele sirva de aconselhamento e não tenha efeitos práticos.

Ao ser questionada por parlamentares conservadores sobre a resolução, a ministra da saúde, Nísia Trindade, respondeu que “especificamente em relação ao aborto, seremos estritos ao cumprimento da lei. Ela determina os casos em que a efetivação do aborto é legal: situações de violência contra a mulher, como o estupro, situações envolvem risco de vida para a mãe e fetos anencéfalos”.

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Movimentos feministas que participaram da 17ª Conferência Nacional de Saúde | Crédito: reprodução.

Campanha pressiona Alesp contra PL que obriga vítima a denunciar crime para acessar aborto legal

Organizações feministas lançaram a campanha “Ser Vítima não é crime”, em 31 de agosto, em resposta a um projeto de lei (PL) que está em pauta na Comissão da Mulher da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e quer obrigar vítimas de violência sexual a comunicar o caso à polícia para ter acesso ao aborto legal. O PL 582/2020 foi apresentado pela então deputada Janaína Paschoal (PRTB). A justificativa se embasa em uma portaria do Ministério da Saúde, publicada pelo governo Bolsonaro, e revogada pela pasta em janeiro deste ano.

STJ tranca ação contra mulher por autoaborto

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Reynaldo Soares da Fonseca, trancou uma ação penal contra uma mulher por autoaborto, denunciada pelo médico que a atendeu após complicações no procedimento. Fonseca também determinou que o caso seja encaminhado ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo para serem tomadas as “medidas pertinentes” contra o profissional.

O caso julgado é de 2011. O médico acionou a Guarda Municipal Metropolitana, que instaurou o inquérito policial contra a mulher. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apresentou uma denúncia sobre o caso e ofereceu a suspensão condicional do processo mediante multa ou prestação de serviço comunitário. A mulher aceitou o acordo, porém, a Defensoria Pública de São Paulo, por meio do Núcleo Especializado da Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, questionou o processo ao alegar que as provas eram ilícitas pela violação do sigilo médico.

Na decisão, o ministro Fonseca afirma que não é possível manter ação penal baseada apenas em informações obtidas através de profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento.

TJPR autoriza a interrupção de gravidez em caso de feto com Síndrome de Edwards

A Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM), garantiu uma decisão favorável em segunda instância no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) para que uma mulher pudesse realizar a interrupção da gestação de um feto que apresentava trissomia do cromossomo 18, conhecida como Síndrome de Edwards, condição que impossibilita a vida extrauterina.

A mulher recebeu a confirmação da síndrome genética por três profissionais. Ela precisou recorrer ao judiciário como o único caso permitido por lei em caso da impossibilidade de vida extrauterina é de feto anencéfalo. Após o primeiro pedido da DPE-PR, o Ministério Público posicionou-se a favor da autorização judicial para a interrupção da gestação, mas a Vara do Tribunal do Júri onde a solicitação foi feita indeferiu o pedido sob o argumento de que, apesar dos laudos médicos, era possível encontrar casos, “ainda que raros”, de crianças que sobreviveram à síndrome, o que, segundo a decisão, provaria que a condição do feto não seria totalmente incompatível com a vida. A Defensoria, então, optou por recorrer da decisão da juíza.

No recurso apresentado ao TJPR, a Defensoria alegou que, embora possam existir crianças vivas portadoras da Síndrome, neste caso em específico, havia a confirmação da inviabilidade de vida extrauterina, e que, perante a Justiça, a situação deve ser analisada de acordo com a singularidade. Também destacou o grave sofrimento psicológico ao qual a mulher estava submetida. 

“A decisão que autoriza a interrupção da gestação nestes casos reconhece o direito fundamental da mulher à liberdade sobre seu próprio corpo e os seus direitos sexuais e reprodutivos como parte do direito à dignidade humana”, destaca a defensora pública coordenadora do NUDEM, Mariana Nunes.

O recurso foi apresentado ao Tribunal de Justiça do Paraná em 23 de junho. Quatro dias depois, a Primeira Câmara Criminal do TJPR deferiu a liminar e expediu, em caráter emergencial, alvará que autorizava a realização da interrupção médica da gestação.

44% das brasileiras e brasileiros são a favor do direito ao aborto

Uma pesquisa do DataFolha indica que 25% das brasileiras e dos brasileiros concordam que a mulher tem direito de decidir sobre o aborto e 20% concordam parcialmente. Ou seja, 44% da população (a soma não chega a 45% por conta dos arredondamentos) são a favor do direito ao aborto. A porcentagem não diferencia entre mulheres e homens. Mas, o número é maior entre os mais jovens, entre 16 e 14 anos, com 61% a favor, mais escolarizados, com 59%, e eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno de 2022, com 54%. O apoio cai entre aqueles que votaram em Jair Bolsonaro (PL), com 35%, entre evangélicos, com 30%, e mais pobres, com 39%.

A pesquisa entrevistou 2010 pessoas em 112 cidades entre os dias 12 e 14 de junho. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou menos.

Somente 3% das crianças que têm direito ao aborto legal em Roraima acessam o procedimento

Duzentas e cinquenta e uma crianças de 10 a 13 anos deram à luz em Roraima entre 2018 e 2021, enquanto oito interromperam a gestação de acordo com a lei. Ou seja, uma a cada 31 crianças. A lei brasileira afirma que qualquer relação sexual com menor de 13 anos configura estupro de vulnerável. O estado tem a maior taxa de fecundidade entre meninas de 10 a 14 anos no Brasil, mas conta com uma única equipe autorizada a prestar o serviço de aborto legal.

A reportagem da Gênero e Número também revela que, além de um único serviço, a ginecologista e obstetra do hospital confirmou que já orientou meninas a não realizarem o procedimento e a assistente social relatou usar como referência uma portaria do governo de Jair Bolsonaro que previa a necessidade de notificar a autoridade policial em caso de aborto por estupro, que foi destituída pela nova gestão do Ministério da Saúde.

Venezuelanas que vivem em Roraima desconhecem direito ao aborto

Nos últimos cinco anos, venezuelanas realizaram 10 abortos legais em Roraima, estado brasileiro que mais recebe metade dos imigrantes da Venezuela. Fontes ouvidas pela reportagem da Gênero e Número denunciam que as meninas e mulheres venezuelanas que residem em Roraima desconhecem o direito ao aborto legal. Um funcionário da Operação Acolhida afirmou que o procedimento não é divulgado, mas é acionada caso a pessoa manifeste a vontade.

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Festival Pela Vida das Mulheres, 2018, Brasília (DF) | Crédito: Mídia Ninja.

Instituições de Santa Catarina lançam cartilha de atendimento humanizado ao aborto legal

Um grupo de trabalho interinstitucional de atenção integral à saúde das pessoas em situação de violência sexual lançou a Cartilha de Atenção Humanizada à Interrupção Legal da Gravidez em Santa Catarina. Voltada para profissionais da saúde, a publicação tem o objetivo de colaborar com a ampliação e o aprimoramento do serviço de interrupção legal da gravidez (ILG) na rede de saúde catarinense. Entre outras questões, o texto aponta que não há limite gestacional para a realização do procedimento, necessidade de apresentar documentação que comprove a violência sexual sofrida ou autorização judicial.

A Cartilha apresenta em primeira mão o fluxograma estadual de assistência para interrupção da gestação nos casos previstos em lei, que descreve os processos que devem ser seguidos ao atender uma pessoa que tenha direito ao procedimento. O fluxo é parte da Linha de Cuidado para Atenção Integral à Saúde das Pessoas em Situação de Violência Sexual, aprovada em dezembro de 2022.

ONG é denunciada por tentar coagir mulher a desistir e aborto autorizado pela justiça

A Defensoria Pública de São Paulo denunciou a ONG Filhos da Luz por tentar coagir uma mulher de 45 anos a desistir de realizar um aborto por má-formação do feto e risco à vida da mulher. A organização obteve dados pessoais da vítima e entrou em contato pelo aplicativo de mensagens WhatsApp tentando persuadir a mulher a não abortar. A Defensoria solicita que a ONG encerre as atividades por conduta ilegal.

A gravidez em questão foi originada por fertilização in vitro, como a mulher e o marido tinham o sonho de serem pais. Cerca de R$10 mil foram investidos no tratamento para a gravidez. 

Portal Catarinas é denunciado por incitação ao aborto e investigação é arquivada

A juíza da 5ª Vara Criminal da Comarca da Capital acolheu manifestação do Ministério Público de Santa Catarina e arquivou procedimento criminal instaurado contra o Portal Catarinas, em 26 de julho, para apurar incitação ao crime — neste caso, aborto — prevista no artigo 286 do Código Penal. A investigação foi iniciada a partir de uma notícia de fato, em 25 de abril, feita no sistema de atendimento ao Cidadão do Ministério Público Federal do Distrito Federal. O Portal foi denunciado por divulgar o Edital Futuro do Cuidado, que destinou R$20 mil para iniciativas de comunicação sobre aborto.

OAB desiste de investigar advogada da menina de 11 anos de Santa Catarina

O pedido de instauração de procedimento disciplinar no Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina contra a advogada Daniela Felix foi arquivado por liminar em 26 de junho, seis dias após termos noticiado o acolhimento do pedido. O pedido pedia a investigação da conduta de Felix no caso da menina de 11 anos impedida de abortar após estupro.

Mais de 270 mil mulheres vivem em situação de pobreza menstrual no DF

A pobreza menstrual faz parte do cotidiano de mais de 270 mulheres no Distrito Federal, de acordo com a Secretária de Saúde. O número equivale a cerca de 17% das mulheres que moram na capital do Brasil. Fazem parte desse grupo pessoas em situação de rua, presidiárias, beneficiárias do Programa Bolsa Família, entre outras. Há uma lei no DF que prevê a distribuição de absorventes e coletores menstruais em casos de vulnerabilidade. O Tribunal de Contas do DF cobrou o governo sobre o possível descumprimento da legislação. Foram previstos cerca de R$7 milhões para aquisição de insumos e absorventes higiênicos, mas não houve execução orçamentária para esse fim.

Protocolo zera mortalidade materna por tromboembolismo venoso em hospital da USP

Como parte de um estudo, o setor de Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) adotou um protocolo que zerou as mortes maternas por tromboembolismo venoso (TEV). O problema atinge mulheres gestantes e no pós-parto e acontece quando há uma trombose, ou seja, um entupimento nas veias, normalmente na perna esquerda, e, além da sequela ao membro atingido, o trombo migra para o pulmão e causa a embolia pulmonar. O protocolo adotado baseia-se na triagem das grávidas em níveis de risco para trombose.

O risco de ocorrência do TEV aumenta dez vezes em mulheres durante a gestação e 30 vezes em mulheres no pós-parto, segundo a médica Venina Isabel Leme de Barros, obstetra do HCFMUSP. 

Pesquisa mapeia vida sexual das brasileiras

A pesquisa “Prazeres Universa + Tech4sex“, identificou que as mulheres da geração Z, que têm entre 18 e 24 anos, tendem a começar a vida sexual um pouco mais cedo do que as gerações anteriores. Enquanto 38% das brasileiras têm a primeira relação sexual entre os 15 e os 17 anos, este percentual sobe para 51% entre a geração Z. Essa faixa-etária também é que mais considera importante falar sobre sexo e as que menos têm interesse em usar aplicativos de relacionamento.

América Latina

Após negativa, Peru permite que menina de 11 anos estuprada aborte

Uma menina de 11 anos, estuprada e violentada desde os 6 pelo padrasto, teve a interrupção da gravidez permitida pela justiça peruana, após ter o pedido negado inicialmente. O caso de Mila – como é conhecida para proteger a identidade – chegou à Organização das Nações Unidas (ONU) logo após a negação e diversas agências da organização pediram que o Peru reconsiderasse a decisão. A repercussão internacional da história da menina permitiu que ela acessasse o direito.

“Como leio esta notícia? Que uma menina é torturada por um homem e que o Estado é conivente com a violência. Criminalizar o aborto é proibir cuidados básicos de saúde para uma vida possível como sobrevivente”, escreveu a antropóloga Debora Diniz sobre a história de Mila.

Anteriormente, ao falar sobre o caso, Alberto Otárola, Presidente do Conselho de Ministros do Peru, disse que o aborto só pode ser realizado em caso de risco à vida para a gestante no país, mas toda gravidez infantil é de risco. “A maternidade forçada resultante do estupro de meninas e adolescentes não é voluntária, não é segura e ameaça a saúde integral”, destacam as agências da ONU. Elas lembraram que recentemente o Peru foi condenado pelo Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas sobre o caso Camila, uma menina de 13 anos, estuprada pelo pai e que não teve os direitos ao aborto informados pelo Estado Peruano.

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Crédito: reprodução.

Partido conservador quer anular lei do aborto no Chile

O presidente do Partido Republicano do Chile anunciou que se forem maioria no Congresso, apresentarão um projeto contra a lei que garante o aborto por três motivos: estupro, feto sem chance de vida extrauterina e risco de vida para a mãe. A declaração ocorreu após a publicação de uma pesquisa do Centro de Relações Públicas, que aponta o Partido Republicano como o que mais gera identificação e simpatia entre os chilenos. Mas, a mesma pesquisa coloca que 49% da população chilena é a favor do aborto em situações especificas e que 30% acredita que o aborto deveria ser uma opção para as mulheres em qualquer caso.

Candidato na frente da corrida eleitoral na Argentina é contrário ao aborto e educação sexual

O candidato à Presidência da Argentina Javier Milei, representante do partido La Libertad Avanza, que venceu as eleições primárias, é contrário ao aborto, à educação sobre questões de gênero nas escolas públicas e disse que irá fechar o Ministério da Mulher. A eleição geral ocorre em 22 de outubro.

Socorristas na Argentina são alvo de perseguição mesmo após legalização do aborto

Após a legalização do aborto na Argentina em dezembro de 2020, o trabalho das Socorristas em Rede – um dos coletivos que trabalham para fornecer abortos seguros na América Latina – se dividiu em duas frentes: fiscalização da legislação e divulgação da mudança na lei. Mas, não pararam de realizar acompanhamentos. De acordo com o movimento, foram atendidas mais de 13 mil pessoas em 2022 e apenas 10% realizaram o aborto no sistema de saúde, a maioria estava procurando o aborto autogestado. Isso colocou as Socorristas na mira da justiça.

“É uma forma menos burocrática, e, além disso, conosco elas não têm de dar motivos para a realização do aborto e sabem que não vão encontrar nenhum tipo de julgamento”, justifica Ruth Zurbriggen, uma das fundadoras das Socorristas en Rede.

Em dezembro de 2022, duas integrantes da organização foram presas acusadas de exercício ilegal da medicina e atualmente respondem em liberdade. Reportagem da Folha de São Paulo fala mais sobre o cenário.

Corte IDH irá julgar Peru em caso de esterilização forçada que resultou em morte

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) enviou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), o caso de Celia Edith Ramos Durand, que morreu por causa de uma esterilização à qual foi submetida sem o seu consentimento, como parte do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva e Planejamento Familiar (PNSRPF) no Peru.

O caso ocorreu em 1997, quando Celia foi a um posto de saúde para atendimento odontológico. A equipe do local sugeriu que ela deveria receber uma “contracepção cirúrgica voluntária”. Celia não aceitou, mas a equipe continuou a pressão nos dias seguintes, dizendo que ela poderia morrer se engravidasse novamente e não teria mais acesso aos programas de saúde caso não aceitasse a esterilização. Ela foi submetida a cirurgia em 3 de julho daquele ano e faleceu 21 dias depois por complicações associadas ao procedimento.

“A pressão indevida do pessoal de saúde violou o carácter prévio, livre e voluntário do consentimento de Celia e violou a sua autonomia reprodutiva, ou seja, a capacidade de decidir autonomamente se quer ou não ter filhos, quantos e quando”, destacou o Centro de Direitos Reprodutivos em uma rede social.

O relatório de mérito da CIDH concluiu que o estado peruano não cumpriu com as obrigações quanto à regulação e à fiscalização do programa de esterilizações, à obtenção do consentimento informado e às condições adequadas para realizar o procedimento médico. Também enfatizou que o objetivo da cirurgia era a perda permanente da capacidade reprodutiva de Celia, o que violou o direito de ela decidir livremente sobre o corpo.

Segundo o Centro de Direitos Reprodutivos, a justiça peruana investiga 1264 casos de esterilização forçada. Em dezembro de 2022, o Ministério Público pediu a investigação de mais 2264 casos. “Este programa buscava anular a autonomia e a capacidade reprodutiva das mulheres em condições vulneráveis, indígenas e camponesas”, explicou a organização.

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Protesto feminista no Peru | Crédito: Eva Máñez.

ONU afirma que mulheres afrodescendentes sofrem “padrão de abuso racial” na gravidez e parto na América

Um estudo do Fundo de População da ONU (UNFPA) denuncia que as altas taxas de mortalidade materna entre afrodescendentes são consequência da negligência sistemática e abusos enfrentados por essa população no atendimento hospitalar. Além disso, o UNFPA destaca que apenas 11 dos 35 países da América coletam dados com critério racial, ou seja, há um apagamento da questão no continente.

Mundo

OMS lança novo manual clínico para cuidados em caso de aborto

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um novo manual que ajuda profissionais de saúde a oferecer serviços de aborto de qualidade para as pessoas que gestam. A publicação fornece aconselhamento clínico detalhado para apoiar a implementação da orientação consolidada da OMS sobre cuidados com o abortamento, publicada em 2022.

O Manual detalha de forma prática como os profissionais de saúde podem aplicar os princípios de direitos humanos em seu trabalho para prestar assistência ao aborto. Em consonância com as recomendações atualizadas da OMS, o manual também fornece orientação ampliada sobre como os profissionais de saúde podem apoiar abordagens de autogestão e telemedicina quando disponíveis. A organização também reforça a importância da mifepristona e misoprostol, que estão, inclusive, na lista de Medicamentos Essenciais da OMS.

“O aborto medicamentoso desempenha um papel essencial na expansão do acesso ao aborto seguro em todo o mundo, especialmente para mulheres e meninas em situações mais vulneráveis ​​que podem não ter acesso a unidades de saúde ou precisam manter seu aborto privado evitando internações hospitalares, por isso é importante que os serviços de saúde os médicos podem facilitá-lo como uma opção para o atendimento ao aborto”, destaca Bela Ganatra, chefe da Unidade Integral de Atenção ao Aborto da OMS.

Hungria obriga mulheres a escutarem o batimento do feto antes do aborto legal

O governo ultraconservador da Hungria aprovou um decreto que obriga mulheres que querem abortar a escutar o batimento do coração do feto. A obrigação passa a valer a partir de 15 de setembro e fala que o médico deve garantir a “identificação clara dos sinais vitais do feto”. Desde 1992 o aborto é legal até a 12ª semana de gestação em todos os casos e até a 24ª em situações especificas. A oposição ao governo alerta que esse pode ser o primeiro decreto que leve à criminalização total do procedimento na Hungria, como ocorreu em outros locais.

Em 2020, a Hungria assinou o Consenso de Genebra, uma aliança internacional ultraconservadora contra o aborto – o Brasil era um dos países líderes sobre o governo de Jair Bolsonaro, mas deixou o grupo em janeiro deste ano sob a nova gestão. A presidenta da Hungria, Katalin Novák já deu indícios que pretende endurecer a lei do aborto no país. O governo já chegou a financiar uma campanha antiaborto com fundos da União Europeia, mas foi repreendido pela organização.

Reforma no Código Penal do Japão coloca o consentimento como central em crimes sexuais

O parlamento do Japão aprovou uma reforma do Código Penal sobre crimes sexuais que torna o consentimento um elemento-chave em casos de crimes sexuais. A revisão altera o crime de “relação sexual forçada” para “relação sexual não consentida” e inclui novas hipóteses que indicam uma violação: uso de violência, intimidação, ameaças, ingestão de álcool ou drogas, não haver tempo suficiente para recusa e submissão por abuso de poder econômico ou social.

A revisão também aumenta a idade legal de consentimento sexual de 13 para 16 anos. Somente não será considerado violência ter relações sexuais com adolescentes entre 13 e 15 anos se a outra pessoa tiver a mesma idade ou for cinco anos mais velha. Além disso, a reforma abrange o prazo prescricional para esses crimes. No caso de estupro, o prazo aumentou de 10 para 15 anos. 

Dois novos crimes foram adicionados ao Código Penal. Um deles diz respeito ao controle psicológico de menores através de doutrinação nas redes sociais para fins sexuais. O outro é tirar fotos por baixo de saias ou vestidos, capturar imagens da genitália sem consentimento expresso, fornecer ou compartilhar essas imagens.

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Marcha Mundial das Mulheres 2021 em Tóquio | Crédito: Mainichi/Natsuki Nishi.

Mecanismos de prevenção da violência sexual digital são insuficientes

A Organização das Nações Unidas (ONU) e União Europeia (UE) alertam que os atuais mecanismos para prevenir e enfrentar a violência sexual digital são “inadequados” e, especialmente a sua aplicação em contextos de conflito é “insuficiente ou inexistente”. O fato de que as violências sexuais podem ser facilitadas pelo digital também foi destaque.

As organizações pedem que as plataformas digitais “cumpram o direito internacional” e “promovam um ambiente protetor”, tanto online como offline, que previna a violência sexual e permita a denúncia segura e uma resposta adequada.

Justiça dos Estados Unidos quer limitar o uso da mifepristona

Após a venda nas farmácias da mifepristona ser liberada em janeiro deste ano, a Justiça Federal dos Estados Unidos quer limitar o uso do medicamento abortivo, recomendado pela OMS. A mifepristona só poderia ser usada nas primeiras sete semanas de gestação, ao invés de dez, não poderia ser distribuída pelo correio e a paciente precisaria de uma receita médica. A decisão só entrará em vigor quando a Suprema Corte decidir se vai ou não analisar esse caso, que seria o mais significativo analisado pelo tribunal desde a queda do Roe vs Wade.

Estados Unidos aprova pela primeira vez a venda sem receita médica de pílula anticoncepcional

A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, aprovou, pela primeira vez, a venda de pílula anticoncepcional sem receita médica. O medicamento, que usa apenas o hormônio progesterona, poderá ser adquirido em farmácias e mercados, porém o laboratório responsável ainda não divulgou quando estará disponível e valores da pílula. 

Confira também

Boletim Futuro do Cuidado nº 11

Saindo do subtítulo de “Tempos de Eleições” para “Tempos de Retomada Democrática”, o boletim Futuro do Cuidado volta com análises sobre o primeiro semestre e previsões para o segundo. A edição destaca os dados da Pesquisa Nacional do Aborto 2021, avanços e retrocessos do direito ao aborto em 2023 desde a Câmara dos Vereadores até o Governo Federal. Uma seção inédita apresenta subsídios para rebater as fake news sobre aborto. Acesse aqui.

IV Encontro Nacional de Pesquisa e Ativismo sobre Aborto

Entre os dias 28 e 29 de setembro, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ocorre o IV Encontro Nacional de Pesquisa e Ativismo sobre Aborto. O objetivo é fortalecer as movimentações do Dia Latino-americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto e reunir estudantes, trabalhadoras, pesquisadoras, militantes e ativistas para discutir temáticas relacionadas ao abortamento sob uma perspectiva plural. É possível inscrever trabalhos e acompanhar a programação como ouvinte. Mais informações estão disponíveis no site do evento.

Podcast Caso das 10 Mil

Em seis episódios semanais, as jornalistas da Folha de São Paulo, Angela Boldrini e Carolina Moraes, investigam os desdobramentos pessoais, políticos e sociais do que ficou conhecido como o “Caso das 10 Mil”. Em 2007, uma reportagem denunciou a Clínica Planejamento Familiar, onde, durante duas décadas, foram feitos abortos clandestinos em Campo Grande (MS). A investigação expôs os dados de 10 mil mulheres e se tornou o maior processo criminal de aborto na história do Brasil. Escute pelas plataformas digitais.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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