São tantas pessoas que já fizeram um aborto em sigilo no Brasil que, muito provavelmente, você conhece alguém próximo. É possível que, sim, você ame alguém que já abortou. É um evento comum na vida reprodutiva de mulheres cis e demais pessoas com possibilidade de gestar. Seria um procedimento médico simples, seguro e com pouca dor, sobretudo, se não fosse crime. E, com certeza, todos e todas nós queremos que as pessoas queridas sejam bem tratadas.

No Brasil, infelizmente, uma mulher que precisa de atendimento em saúde para uma situação de abortamento – seja provocada ou espontânea – é recebida nos hospitais, em geral, com preconceito, e tratada com um procedimento defasado (a curetagem), pois os métodos abortivos não evoluem no nosso país diante do contexto penal. São mais de 150 mil mulheres por ano que sofrem riscos com cirurgias invasivas. Mais de 500 pacientes morreram nessas intervenções em uma década. E grande parte dos casos de criminalização por autoaborto ocorre no pronto-socorro, o que leva as pessoas mais vulnerabilizadas, negras e pobres, a não buscarem atendimento médico

A descriminalização do aborto, porém, não é o único objetivo da luta, como bem sabemos nós e nossas irmãs latinas que já vivenciam isso. Ainda é preciso garantir o acesso ao aborto legal e seguro nas unidades de saúde pública. No Brasil, nos casos já previstos em lei, esse atendimento ainda está longe de ser amplo e efetivo. 

A Revista AzMina, o Portal Catarinas e a Gênero e Número se juntaram neste mês de setembro para uma produção colaborativa que expõe as consequências da criminalização do aborto para todas as famílias brasileiras e aponta para a necessidade do acolhimento a quem decide abortar, traçando uma linha entre cuidado e aborto.

A série “Aborto é Cuidado” será publicada nesta semana e na próxima, nas plataformas das três organizações, até 28 de setembro, Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. A data tem origem na Lei do Ventre Livre, promulgada em 1871, que tornou livres os filhos nascidos de mulheres negras escravizadas. 

Traremos reportagens sobre os impactos na saúde, com dados que apontam mortes e internações por aborto; e sobre os grupos feministas que salvam mulheres que não chegam aos hospitais, informam e reduzem danos, para evitar negligência médica, mortes, humilhações e processos penais. 

Momento decisivo

Somos veículos jornalísticos independentes que apoiam a descriminalização do aborto no nosso país e iniciativas feministas que há anos cobrem questões de gênero, denunciando, reunindo informações e dados, contando histórias, e olhando para os direitos sexuais e reprodutivos das brasileiras. 

Este ano é decisivo para avançar nessa pauta. Nossas organizações protocolaram dois pedidos de amicus curiae na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, no Supremo Tribunal Federal (STF), a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. 

O amicus curiae (amigos da corte) indica pessoa, entidade ou órgão com interesse na questão e conhecimentos sobre o tema, para colaborar e fornecer subsídios ao julgador. Advogadas do Coletivo Feminista Saúde e Sexualidade nos ajudaram na elaboração desses documentos em que argumentamos a necessidade de ter dados acessíveis e transparentes sobre aborto no Brasil. Além de demonstrar que o jornalismo que se compromete a falar sobre aborto legal vem sendo criminalizado também.

Uruguai, México, Argentina e Colômbia já permitem que pessoas que podem gestar tenham atendimento de saúde quando decidem abortar. A Suprema Corte mexicana  descriminalizou o aborto em todo o país no início deste mês de setembro. Os ministros deliberaram que o “sistema jurídico que penaliza o aborto no Código Penal Federal é inconstitucional” e argumentaram que “a criminalização viola direitos humanos das mulheres e das pessoas com capacidade de gestação”. 

O aborto não envolve sangue e salas escuras em porões, como fica evidente quando temos acesso a informações, evidências científicas e práticas seguras. A maioria das mulheres que abortam, que têm informação, condição financeira, ou que encontram redes de acompanhantes, fazem isso na clandestinidade com certa tranquilidade. O maior sofrimento está justamente na pobreza, no julgamento social e na solidão de enfrentar esse desafio da vida reprodutiva sem apoio familiar ou com medo de perseguições penais. 

Temos um sistema de saúde nacional estruturado, com especialistas, políticas públicas, organizações e movimentos de feministas prontos para acolher e oferecer o melhor atendimento. O Brasil está mais do que preparado para falar sobre a descriminalização e a legalização do aborto.

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