Participamos de uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre direitos reprodutivos e violências contra mulheres e meninas no Brasil, durante o 186° Período de Sessões, em 8 de março, na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, Estados Unidos. Integramos a sociedade civil organizada, ao lado de Beatriz Galli, do IPAS e do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil), Catalina Martinez, diretora regional do Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos), Gabriela Rondon, da Anis – Instituto de Bioética, e Laysi da Silva, da ONG Criola.

Assista à audiência na íntegra:

O Estado brasileiro também esteve presente para responder às denúncias, especialmente sobre gravidez infantil forçada. Neste editorial, publicamos na íntegra o discurso feito pela co-fundadora e diretora executiva do Portal Catarinas, Paula Guimarães, durante a audiência. 

Manifestação durante a audiência

Nossa cobertura jornalística aponta que os efeitos da criminalização do aborto ferem frontalmente os direitos fundamentais e humanos das meninas e mulheres brasileiras. Essas consequências se estendem também à negação do procedimento quando este é direito garantido em lei. Nos últimos dois anos, denunciamos situações graves de violação do direito ao aborto, envolvendo crianças vítimas de estupro. 

Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em junho de 2022, quando juíza e promotora induziram uma menina de 11 anos a desistir do aborto. A denúncia jornalística teve repercussão nacional e impactou diretamente para que fosse realizado o aborto legal da criança.  

No entanto, apesar disso, o nosso exercício profissional vem sendo alvo de procedimento investigativo iniciado pelo poder legislativo estadual no estado de Santa Catarina. Foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, intitulada CPI do aborto, para intimidar e criminalizar, entre outros profissionais, jornalistas que denunciaram o caso. O próprio Governo Federal à época determinou que investigassem equipe médica e veículos jornalísticos que atuaram na garantia do direito. 

Audiência na CIDH. Foto: Reprodução

Observamos que a ação de autoridades, servidoras e servidores públicos, não se restringe a sonegar os direitos sexuais e reprodutivos de crianças, mas também a censurar e constranger jornalistas que cumprem o dever de garantir informação pública sobre violação de direitos humanos. O instrumento do segredo de justiça, por exemplo, vem sendo utilizado de má-fé, não para proteger a privacidade das vítimas, como deveria ser, mas como barreira para impedir que violações de direitos venham a público. 

Há outros casos que mostram essa relação entre censura à imprensa e falta de proteção dos direitos humanos e fundamentais das meninas, como ocorreu no estado do Piauí, em que a justiça proibiu reportagens sobre a situação da menina P., caso já mencionado em documentos a essa comissão. 

Sobre o caso da menina P. trazemos o relato de Rosemary Farias, advogada popular, pesquisadora e integrante da Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio. Ela não pôde comparecer à audiência em função de não ter recebido o visto no tempo necessário.

O caso da menina do Piauí, hoje com 12 anos, retrata a violência sexual, mas também institucional pela imposição de barreiras para negar o acesso ao aborto legal por parte do estado brasileiro. Hoje, essa criança encontra-se num abrigo da iniciativa privada, cuidando de outra criança, resultante do primeiro estupro, quando foi abandonada pelo Estado, que sequer a afastou do estuprador, à revelia das convenções internacionais e legislação brasileira.  

Representantes da CIDH, de organizações e do Governo brasileiro reunidos na audiência. Foto: Reprodução

O primeiro Inquérito foi arquivado e o estuprador não foi punido. A menina foi obrigada a abandonar a escola para cuidar de outra criança. O exame de DNA comprova ser o tio o responsável pela primeira violência. O familiar também é suspeito do segundo estupro e gravidez.

Moradora da zona rural e de família com extrema vulnerabilidade social, a menina pariu pela primeira vez aos 10 anos de idade, e foi abandonada pelo Estado na casa da avó paterna, junto com o estuprador, que somente agora foi preso. 

Constatada a segunda gravidez, a criança não teve respeitado o seu direito de acesso ao aborto legal, mesmo expressando o desejo de interromper a gravidez, e de voltar à escola. Ainda que não seja necessária diante da legislação, uma autorização judicial foi expedida, nem mesmo assim o procedimento foi realizado. Mais uma vez, a criança foi obrigada pelo Estado a levar adiante outra gravidez contra a sua vontade, apesar da grave situação de sua saúde mental, com episódios de crises de raiva e automutilação.

Os agentes do Estado do Piauí são os responsáveis pelo descumprimento da lei e desrespeito aos Direitos Humanos, por ação e omissão, ao usarem de informação falsa para amedrontarem e induzirem a criança a desistir do aborto legal, e a forçarem a continuar a gravidez, apesar dos riscos à sua saúde física e mental.

Destacamos a atuação da Defensoria Pública que solicitou à juíza a nomeação de uma defensora para ser curadora do feto. E do Ministério Público Estadual que, no dia da realização do aborto legal, convenceu a menina a desistir do procedimento.

Reiteramos que todos os órgãos estatais competentes foram devidamente oficiados para tomada de providências para o cumprimento da legislação e proteção dos direitos da menina, sem que obtivéssemos resposta satisfatória diante dos graves fatos denunciados. Foram eles: o Juizado da Infância e Juventude, a Defensoria Pública, o Ministério Público Federal, a Corregedoria Geral da Defensoria Pública do estado do Piauí, a Secretaria de Estado da Saúde, o Conselho Nacional de Justiça, entre outros.

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