Por Jessica Gustafson e Paula Guimarães.

Santa Catarina ocupa posições de liderança em índices de violência contra as mulheres.

É o primeiro em violência doméstica com uma taxa de 225 casos para cada 100 mil habitantes, e o segundo em violência doméstica quando as vítimas são somente mulheres, com taxa de 368,1, atrás apenas do vizinho Rio Grande do Sul que tem 398 – enquanto a média nacional é de 183,9.

O único estado com nome de mulher do país – e santa – é também o primeiro em tentativa de estupro com índice de 10,8, e o segundo em estupro com 57, perdendo apenas para Mato Grosso do Sul que registrou em 2017 o número de 66 casos para cada 100 mil habitantes – duas vezes mais que a média nacional que é de 29,4. Os dados são da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicada em agosto e retificada em setembro deste ano. 

“As autoridades dizem que somos o segundo em estupro, mas pode ser que passemos a ser o primeiro, porque as mulheres estão denunciando mais. Mas a pergunta é: o que o estado está fazendo para prevenir e erradicar essa violência, o estupro de mulheres e meninas? Não podemos esquecer que dentro desses dados estão as meninas. Essa violência contra as crianças é intrafamiliar”, afirma Sheila Sabag, integrante do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM) e presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulheres em Santa Catarina (CEDIM).

Uma das principais reivindicações do movimento de mulheres no estado é a criação de uma secretaria estadual específica e do plano estadual de políticas para as mulheres, pautado desde a última Conferência Estadual de Políticas para Mulheres.

“As pautas das conferências e reivindicatórias das mulheres de SC não têm retorno do Estado. Falta o Estado enxergar as políticas sociais como deveria. Não governa para as pessoas porque não ouve as pessoas. Um Estado com um ótimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) têm índice altíssimo de violência contra as mulheres”, coloca a presidenta do CEDIM.

Antes vinculada à Casa Civil, recentemente a Coordenadoria Estadual da Mulher passou a integrar a Secretaria de Assistência Social que não prevê recursos específicos para a pasta. “Enquanto não houver uma secretaria de estado da mulher não teremos execução de política para mulheres em Santa Catarina. Tanto a coordenação quanto a secretaria de assistência social não executam política para as mulheres, porque não têm recursos para isso. O conselho não têm recursos nem mesmo para trazer conselheiras de fora da capital para as reuniões e seminários”.

Mais de uma década depois da Lei Maria Penha, Santa Catarina ainda é o único Estado da região Sul que não implantou atendimento policial especializado para mulheres por meio das delegacias exclusivas como prevê a legislação. O CEDIM demanda esforços para a assinatura pelo governo do Pacto Maria da Penha, que consiste na articulação da rede estadual de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres.

Elaborado a partir de audiências públicas com a participação da bancada feminina da Assembleia Legislativa e conselheiras estaduais, o pacto foi proposto como forma de diminuir os danos resultantes da falta de atualização dos pactos nacionais.

“Não podemos ficar a mercê do governo federal, perdemos absolutamente tudo que tínhamos adquirido desde a criação da secretaria PM, em 2003. O Estado coloca a violência contra a mulher como caso de segurança pública. Mas não é somente, tem outras ações e secretarias que precisam atuar em rede para fazer prevenção e enfrentamento”, defende a presidenta do conselho.


Família patriarcal, a base do conservadorismo

Conforme a historiadora e professora da UDESC, Marlene de Fáveri, o estado de Santa Catarina tem uma história fundada pela força das oligarquias desde a colônia, passando pelo império e adentrando na República até os dias de hoje.

“Os sulistas de maior referência são de direita ou extrema direita. Temos uma história pautada pelo conservadorismo muito forte e que beira o fascismo porque somos um estado com uma imigração branca e que por dois séculos vem excluindo e tratando com preconceito as populações não brancas. Elites políticas têm se revezado no poder, sem nenhuma preocupação com as pautas sociais. A preocupação é com a manutenção de si no poder, fazendo uso privado do bem público”, explica a historiadora.

Considerado o estado mais conservador do país porque seus cabos eleitorais indicam a maior força do conservadorismo ao longo do tempo, não por acaso é o terceiro com maior adesão ao candidato Jair Bolsonaro – como apontam as pesquisas de intenção de voto.

“SC tem uma continuidade política incrível, normalmente bipartidária. Dependendo da época esse bipartidarismo costuma carregar 90% dos votos”, analisa Reinaldo Lohn, também professor do departamento de história da UDESC.

Aqui o candidato à presidência da República pelo PSL, Jair Bolsonaro, tem 40% de intenção de voto.

“A mensagem do Bolsonaro está caindo num terreno fértil, que vem sendo preparado há muito tempo, e que beneficia as elites de SC. O Bolsonaro é caudatário desses benefícios todos que essas elites têm, ele exprime isso. Ele materializa uma série de trajetórias sociais e políticas do estado, as mais estruturais porque ele se apresenta como candidato da família, da honestidade, tem também o aspecto religioso que é significativo”, explica Lohn. 

Leia o Editorial Catarinas sobre o movimento #EleNão

Em um estado de proprietários “no sentido simbólico e não material”, constituído a partir da distribuição de lotes de terras pelos colonizadores às famílias no século 19,  a população tem como horizonte social a propriedade. Nesse contexto, a família patriarcal tem um peso social significativo e funciona como mecanismo de controle social e eleitoral – o que explica os altos índices de violência contra mulheres e meninas.

Há um predomínio patriarcal seja do pai ou do marido. Em muitos municípios o poder é materializado em três figuras: o padre, pai e patrão. A figura do pai que é proprietário, gestor, e ao mesmo tempo patrão da família porque acaba gerindo o destino dos filhos e como se dá a distribuição das tarefas e funções domésticas. Em vários rincões redes familiares dominam comunidades inteiras e formam verdadeiras linhagens político-eleitorais. A base social está nas pequenas comunidades do interior, onde se pratica ostensivamente a violência doméstica”, esclarece o professor.

Ainda que haja pobreza e desigualdade social, a boa colocação do IDH do estado acaba por reforçar a eficiência desses mecanismos de controle social e político. Apesar disso, ao longo dos anos 2000 a direita perdeu força à medida que a esquerda passou a se destacar com alguns quadros como Lucy Choinacki (PT) que se elegeu senadora, e José Fritsch (PT) que fez uma campanha competitiva ao governo do estado, assim como foram eleitos prefeitos de centro esquerda e esquerda em Lages, Florianópolis, Blumenau e Chapecó.

A possibilidade de uma terceira opção política teve como resposta a união de todos os espectros da direita em um único bloco de poder em torno do ex-governador Luiz Henrique da Silveira do MDB. “O bloco sufocou o crescimento das esquerdas no estado, aliado ao extremo monopólio da mídia e a um processo de desconstrução do PT que é nacional, mas que aqui isso se avoluma. Com o desgaste em torno da aliança do blocão, dois nomes voltam a dividir o conservadorismo, relativamente desconhecidos, o que torna a eleição mais emocionante”, disse Lohn referindo-se às eleições deste ano.

Essa concentração de poder encontra no monopólio da mídia seu principal aliado para que os patriarcas se mantenham hegemônicos, asfixiando valores democráticos. “É ostensivo e vergonhoso o monopólio da mídia no estado. A gente achou que essa concentração seria reduzida no século 21, mas se agravou. Isso faz com que tenhamos uma voz uníssona. Situação em que fazer oposição é inócuo e até arriscado em algumas cidades, onde ocorrem intimidações próprias de situações políticas autoritárias que acabam predominando sobre relações democráticas. SC parece ser terreno propício para esse tipo de coisa”.

Para o historiador há uma convivência complementar entre as redes sociais e o monopólio da mídia na produção e disseminação das chamadas fake news que contribuíram para a liderança do candidato do PSL.

“Vivemos pela primeira vez uma eleição do século 21 com o peso enorme das redes sociais e da dominação de um país ainda por um monopólio de mídia. Então as redes sociais produzem as pequenas fake news e os monopólios de mídia produzem as grandes fake news”.

A visão de mundo que guiará o país

Dentro de quatro dias, eleitoras e eleitores encaminharão sua decisão sobre o futuro do País por, pelo menos, quatro anos. Para os que se dizem cansados sobre o debate constante em que a política se tornou o cerne da questão, fica o alerta: a política interfere diretamente em todos os aspectos de nossas vidas.

Em poucos dias, decidiremos nas urnas  sobre os rumos de questões trabalhistas, previdenciárias, recursos públicos para áreas fundamentais, como educação, saúde e moradia. Decidiremos sobre o fomento em tecnologia e pesquisa e o tratamento de nossos recursos naturais. Além disso, escolheremos a visão de mundo que guiará as decisões do País em outros aspectos que apresentam impacto direto sobre o direito de existência de muitos, como o combate ao racismo e a demarcação das terras indígenas, sobre a possibilidade de pessoas vivenciarem seu afeto sem medo, sobre a garantia da dignidade humana.

Serão seis votos no total: presidente, governador, dois senadores, deputado federal e deputado estadual. 

O cenário em que as eleições de 2018 acontecem são extremamente complexos e ainda refletem os efeitos do golpe de 2016, que retirou a presidenta Dilma Rousseff do poder, primeira mulher a assumir o cargo. Após o golpe, o Plano Nacional de Políticas Para as Mulheres deixou de ter validade por ausência de atualização e o orçamento federal voltado à essa agenda foi reduzido em 60%.

Conforme Sheila Sabag, integrante do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM), o resultado da 4ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em maio de 2016, sequer foi publicado pelo governo. No próximo ano serão realizadas as conferências municipais e estaduais de políticas para as mulheres as quais terão como desafio reestruturar as políticas públicas que foram sonegadas nos últimos anos e garantir os direitos previstos em lei.

“Nos últimos dois anos perdemos mais de doze anos de políticas para as mulheres. Essas políticas só vão voltar com a nossa responsabilidade através do voto. Dependendo de quem a gente vote não vamos ter garantia de política pública. Se não tiver a pauta da questão de gênero bem definida não avançaremos. Não é só atuar para diminuir a violência, é preciso também propor ações de autonomia social e econômica dessas mulheres, e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos”,  afirma Sabag.

Exemplo do retrocesso para as mulheres marcado pelo período pós-golpe é a não continuidade da implantação e implementação da Casa da Mulher Brasileira, prevista para ser construída em todos os estados da federação e Distrito Federal. Um dos eixos do programa “Mulher, Viver sem Violência”, a casa foi proposta em 2015 como uma inovação no atendimento humanizado às mulheres. No espaço seriam oferecidos todos os serviços especializados para os mais diversos tipos de violência.

A primeira casa inaugurada em Mato Grosso do Sul é a única em funcionamento atualmente. Em outros estados como Paraná, São Paulo, e no Distrito Federal, o espaço foi construído, mas não oferece atendimento conforme prevê o programa. Em Santa Catarina, um terreno chegou a ser disponibilizado pelo estado para a construção, porém o projeto não teve continuidade porque não houve liberação dos recursos federais, conforme previsto.

Igualdade de gênero na política

Nesta conjuntura, a igualdade de gênero se tornou tema central nas eleições, expressão que ficou nítida no último sábado, 29 de setembro, quando cerca de um milhão de mulheres tomaram as ruas do País contra o primeiro colocado nas pesquisas para a presidência, Jair Bolsonaro (PSL), que utilizou o discurso de ódio como ativo político, proferindo inúmeros discursos de cunho machista, racista, homofóbico e xenofóbico.

As mulheres são a maioria do eleitorado (52,5%) e foram às ruas dizer #EleNão, porque o candidato representa o retrocesso frente a conquistas duramente alcançadas ao longo de séculos e promete barrar os avanços futuros. Se por um lado, o fascismo ganha um rosto e muitos adeptos, por outro, as candidaturas femininas nunca foram tão expressivas.

A lei de cotas garantiu que os partidos tivessem no mínimo 30% de mulheres disputando as vagas proporcionais, assim como os recursos dos fundos partidários e eleitoral fossem destinados para o mesmo percentual. Neste ano também temos o maior número de mulheres candidatas à vice-presidentas (cinco candidatas) e vice-governadoras da história (três). No pleito federal, duas delas são declaradamente feministas, Manuela D’Avila (PCdoB) e Sônia Guajajara (PSOL)

“A dificuldade se inicia a partir da educação sexista desde a infância, que busca restringir as mulheres aos espaços domésticos e a trabalhos relacionados ao cuidado da família, enquanto os homens são incentivados aos espaços públicos. Essa educação sexista faz com que as mulheres tenham mais dificuldade de se posicionarem nos debates ou, quando se posicionam, muitas vezes são silenciadas, ignoradas ou menosprezadas, inclusive nos espaços de militância de esquerda, embora no PCB e no PSOL o combate às opressões seja realizado interna e externamente”, disse Caroline Bellaguarda, candidata a vice-governadora pelo PCB em coligação com o PSOL. 

A sociedade, boa parcela dela, tem indicado que a redução da desigualdade de gênero é essencial para a democracia. A existência de um fosso entre o que a população brasileira quer sobre a igualdade de gênero e a atuação do poder público para promovê-la é um dos resultados da pesquisa de opinião pública sobre mulheres na política, realizado pela ONU Mulheres Brasil, em parceria com o Ibope e o Instituto Patrícia Galvão, e divulgada em setembro.

Entre as pessoas entrevistadas, 70% delas concordam que só existe democracia de fato com a presença de mulheres nos espaços de poder e decisão. “O Brasil está mudando, e as mulheres são decisivas. A política brasileira precisa acompanhar os anseios da população e eliminar as barreiras entre homens e mulheres nos partidos políticos, na decisão do voto e na gestão das políticas públicas”, diz Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil.

A pesquisa, desenvolvida a partir de 2.002 entrevistas em 141 municípios do País, entre 16 e 20 de agosto de 2018, demonstrou que 81% de brasileiros e brasileiras querem políticas federais de promoção à igualdade. Como destaca o estudo, oito em cada 10 pessoas entendem que a presença de mulheres na política e em outros espaços de poder e decisão aprimora a política em si e os próprios espaços. Os índices apresentam diferenças por regiões, sendo o maior na Região Nordeste, com 84% das respostas em concordância com a afirmação. No Sul, foram 81%, no Norte, 80%, e Sudeste, com 79% dos entrevistados.  

Em contraponto ao cenário eleitoral de 2018, que apresenta nacionalmente apenas 31,6 de candidatas mulheres, 77% das pessoas entrevistadas avaliam que deveria ser obrigatório que os parlamentos em todos os níveis tivessem composição paritária, com a correspondência equitativa entre homens e mulheres.

Os altos índices de engajamento e interesse dos brasileiros e brasileiras sobre a igualdade de gênero apresentados pelo estudo levam a uma reflexão sobre as contradições sociais existentes atualmente e, principalmente, sobre o esforço reacionário de uma parcela da população para tentar barrar exatamente esses avanços evidentes sobre as questões de gênero.

Um dos resultados mais surpreendentes da pesquisa refere-se à promoção e ao ensino dos direitos humanos e das mulheres, que foi considerada necessária para 76% das pessoas. Entre quem vive na Região Nordeste, o índice sobe para 79%. Sobre esta temática, a pesquisa também aplicou o recorte religioso, que apresentou pouca diferença entre os índices:  entre as pessoas católicas, 76% entendem que a discussão em sala de aula dos assuntos é de extrema importância, entre os evangélicos o percentual foi de 77%, e pessoas com outras religiões figuraram com 78%.

As contradições de políticos catarinenses sobre gênero

Não apenas surpreendente, mas contraditório é o fato de que candidatos como o postulante ao governo do Estado de Santa Catarina, Comandante Moisés (PSL), tenham entre suas propostas a implementação no currículo escolar de temas que tragam reflexões para condições de igualdade entre mulheres e homens, no sentido de obter a prevenção e diminuição da violência de origem cultural. E, em contrapartida, afirme que, em sintonia com Jair Bolsonaro, vai “trabalhar para que o tema ideologia de gênero não faça parte dos planos municipais de educação”.

A suposta “ideologia de gênero”, termo cunhado de forma a criminalizar os professores e os debates sobre a redução da desigualdade de gênero e aterrorizar a população, camufla o que realmente trata a discussão de gênero em sala de aula: um debate qualificado sobre as assimetrias históricas entre homens e mulheres e sobre a valorização da diversidade sexual na prevenção das diversas formas de violência.

O candidato Gelson Merísio (PSD), que afirma ter grande preocupação com a área da segurança no estado e aposta no reforço policial como solução da violência, também deixa transparecer em suas propostas pouca atenção à prevenção da violência. Nos casos de violência contra mulher, a solução para ele é “punir o agressor imediatamente” e “educar as crianças para que não se tornem adultos agressores e conscientizar as mulheres para que denunciem qualquer tipo de abuso”, mas “mas sem ideologias partidárias”.

As ideologias que ele chama de partidárias indicam ser as discussões sobre as relações de poder que estruturam a sociedade e inferiorizam um grande parcela da população, entre elas as mulheres. O candidato que promete colocar mulheres em 50% dos principais cargos de seu governo se eleito apresenta assim a mesma contradição, de acreditar que pode existir transformação social sem engajamento e pensamento crítico.

A cena eleitoral em SC

Ao longo da cobertura das eleições, o Portal Catarinas enviou questionários para os candidatos ao governo do Estado perguntando sobre as suas propostas que envolvem a temática da redução da desigualdade de gênero. Os dois primeiros colocados na pesquisa ao governo do estado são do MDB (Mauro Mariani) e PSD (Gelson Merísio) partidos que, coligados, ficaram no poder nos últimos oito anos. Recebemos as respostas de três candidatos: Leonel Camasão (PSOL), Gelson Merísio (PSD) e Comandante Moisés (PSL), mas por uma questão de decisão editorial não publicamos na capa do Portal as respostas dos candidatos do PSD e PSL.

Acesse as entrevistas:
Comandante Moisés (PSL) defende reflexão sobre igualdade entre mulheres e homens na escola
Merisio (PSD) propõe que 50% das funções de chefia do governo sejam exercidas por mulheres

O apoio declarado ao candidato Jair Bolsonaro, que abertamente se opõe às pautas feministas e aos Direitos Humanos (é dever dos jornalistas, segundo o Código de Ética da profissão, defender esses direitos e se opor ao autoritarismo e à opressão), dos dois candidatos ao governo do Estado foi a motivação para este posicionamento do Catarinas.  A candidata Ingrid Assis (PSTU) foi entrevistada pessoalmente por ser a única mulher na disputa ao governo do Estado

Em Santa Catarina, 31,5% das candidaturas para esta eleição são de mulheres. No estado em que 18% da população é formada por mulheres e homens negros – de acordo com o último censo do IBGE – , 87,85% das candidatas são brancas, 6,07% pardas, 4,05% pretas, 1,62% indígenas e 0,40% amarelas. Mais da metade das candidatas têm Ensino Superior completo (51,01%) e 27,13% Ensino Médio completo. Enquanto nacionalmente as estatísticas trazem outra realidade: 51,01% brancas, 34,35% pardas, 13,43% pretas, 0,53% indígenas e 0,67 amarelas.

O único estado com nome de mulher nunca foi governado por uma, tampouco registrou ao longo de sua história uma candidatura feminina competitiva ao governo. Atualmente, apenas três mulheres ocupam cadeiras legislativas.

Ressaltando a importância da representatividade de mulheres na política em um estado que elege tradicionalmente homens brancos e heterossexuais, posicionados à direita, o Portal Catarinas lançou uma campanha para a visibilização das propostas de candidatas feministas.

Nos nove questionários respondidos, foi possível observar como as postulantes aos cargos de deputada federal, deputada estadual e ao senado pretendem articular as temáticas de gênero em sua atuação política, assim como pudemos conhecer um pouco das suas histórias de vida e de luta.

Sobre o perfil delas, tivemos uma mulher indígena, duas mulheres trans, duas mulheres lésbicas e uma bissexual que responderam o questionário. Todas elas se declararam brancas, o que acreditamos demonstrar que as mulheres negras encontram dificuldades ainda maiores na ocupação em cargos de poder.

Mesmo sendo um estado tradicionalmente conservador, tem como marca o protagonismo de eleger a primeira deputada federal estadual negra, em 1934, ano da garantia constitucional do voto feminino. Primeira mulher a ocupar uma cadeira legislativa no estado, a professora e cronista Antonieta de Barros foi integrante da Frente Brasileira para o Progresso Feminino, onde atuou com a ativista Bertha Lutz no movimento sufragista. Desde então, nenhuma mulher negra conseguiu chegar novamente ao legislativo catarinense.

“Antonieta era uma professora ilustre, conceituada e com prestígio em Florianópolis e em outras regiões do estado.  Vejo o perfil dela em mulheres muito próximas ao que ela foi. No entanto, há pouco investimento político nelas. Antonieta recebeu espaço significativo para o qual ela se empenhou. Ela subiu e falou em quase todos os comícios, tinha uma oratória fantástica. Há pouca visibilidade das mulheres negras na política catarinense. O estado ainda reproduz muito do modus operandi das relações raciais do período em que Antonieta de Barros vivia, no qual os negros bem sucedidos eram tidos como exceção e não regra”, analisou Jeruse Romão, professora e militante do Movimento Negro.

O que pensam as candidatas feministas

As candidatas foram questionadas sobre o combate à violência de gênero no Estado, as suas propostas para a redução dos índices, o enfrentamento que fazem como candidatas feministas e sobre a importância de eleger mulheres feministas nestas eleições. “Além da representatividade, que coloco como a importância de elegermos mais mulheres, o comprometimento destas com a pauta feminista é indispensável no combate, resistência e oposição ao conservadorismo”, considerou Sayonara de Araújo Pessoa, candidata a deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Para Carla Ayres, candidata à deputada estadual também pelo PT, o feminismo é um movimento, uma teoria, uma filosofia, que tem no centro a primazia do combate a todas as formas de opressão, considerando em primeiro lugar que vivemos em uma sociedade que perpetua relações de poder entre homens e mulheres. “Sendo assim, pra mim, a defesa dos Direitos Humanos como um todo é um princípio feminista” afirmou Carla.

O cenário vivido no Brasil nos últimos anos, com o avanço da misoginia, do racismo, da homofobia, do neoliberalismo e que teve como momentos cruciais o golpe contra a presidenta Dilma e o assassinato da vereadora Marielle Franco, dependerá da eleição de mulheres feministas que possam mudar esse cenário, segundo Ligia Moreiras, postulante a uma vaga na Assembleia Legislativa pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). “Não vamos conseguir impedir o avanço dessa destruição, cujas vítimas preferenciais têm cor, gênero e endereço certos, se não colocarmos mulheres feministas no poder legislativo”, disse ela.

Primeira senadora de Santa Catarina, em 2002, Ideli Salvatti concorre novamente ao cargo pelo PT e destaca a importância de eleger mulheres que tenham lado na política. “Que estejam vigilantes e atentas às políticas públicas voltadas à maioria da população, em especial às mulheres trabalhadoras, estudantes, LGBT, donas de casa, negras, aposentadas, indígenas e quilombolas. Isso é ter lado”, enfatizou.

Mulher indígena da etnia Guarani que habita milenarmente o Estado, Kerexu acredita que estamos vivendo um momento de escassez de soluções e futuros e, consequentemente, vivendo em situação de concorrência onde o lado mais fraco sempre perde. “Sou Mulher Indígena, filha de Mulher Indígena e Neta de Mulher Indígena e sofremos desde o ano 1500. Sei exatamente onde nos dói e reconheço a mesma dor nas Mulheres Negras que foram escravizadas, mas resistiram com sua religiosidade, tradição e precisam que mais Mulheres se unam nesta causa que é de todas nós”, considerou a postulante a uma vaga na Câmara Federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

As experiências e trajetórias de vida também são propulsoras da vontade de transformar a realidade em que estão inseridas. Luíza Bittencourt, que busca uma vaga na Câmara Federal pelo PSOL, relata que como uma mulher trans teve uma trajetória de vida muito difícil. “Passei por todas as dificuldades que a maioria de nós enfrenta. Preconceito, exclusão social, familiar, violência nas ruas, falta de oportunidades, e descaso da sociedade. Por ter vivido tudo isso, há muito tempo havia decidido que iria buscar fazer minha parte para tentar mudar nossa realidade”, afirmou.

Já a representatividade e a presença de mulheres trans na política, a crescente onda do fascismo e a reivindicação dos direitos das mulheres foram as motivações que levaram Mariana Franco, postulante a uma vaga na Assembleia Legislativa pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a ingressar na política. “Sou mulher trans, sei no cotidiano as dificuldades que passo numa sociedade machista, patriarcal, misógina”, contou.

As resistências enfrentadas no sentido de criar fissuras em um sistema tradicionalmente ocupado por homens faz parte da empreitada das mulheres que disputam as eleições. Janete Teixeira, que concorre a uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), diz que a resistência é a dificuldade de colocar-se como opção diante de um cenário repleto por figuras que, “para além do sistema político falido, se aproveitam da vulnerabilidade das pessoas para oferecer promessas que jamais serão cumpridas”.

Vencer o medo do fascismo e o silêncio que foi imposto talvez seja uma das grandes barreiras que essas mulheres, ao lançarem suas candidaturas, já estão ultrapassando. Como conta Jéssica Michels, que disputa uma vaga na Câmara Federal, a cada dia o contexto de violência tem sido mais assustador. “Nas ruas e nas redes, a quantidade de xingamentos que recebo por ser tudo que sou, por defender tudo que acredito; por ser mulher, gorda, jovem, estudante, por ser LGBT, por ser claramente favorável a descriminalização do aborto, por exemplo”.

Acompanhe o mapeamento das candidaturas feministas de Santa Catarina

 


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