Marcada para iniciar às 10h, a concentração do ato #EleNão – Mulheres Contra Bolsonaro em Florianópolis foi se multiplicando ao longo dos minutos. Mulheres de todas as idades, negras, indígenas, brancas, lésbicas, bissexuais, chegavam à praça XV sozinhas, em grandes grupos, acompanhadas por familiares, amigas, companheiras de luta e se posicionavam nas escadarias da Catedral Metropolitana de Florianópolis.
Um carro de som com uma grande faixa na qual se lia as palavras #EleNão – expressão que representa a mobilização de mulheres surgida no Facebook e levada para as ruas neste domingo – era ocupado por mulheres de movimentos sociais que revezavam o microfone, defendendo a democracia e em oposição ao fascismo, ao machismo, ao racismo, à LGBTfobia.
Os tambores do grupos Cores de Aidê e Africatarinas integraram as atividades culturais do ato e marcaram o ritmo da concentração, que durou cerca de quatro horas. As vozes das cantoras Dandara Manoela e Nêga nos lembraram o quanto somos fortes, sensação que carregamos ao longo de todo o dia.
Perto das 15h, a marcha teve início. Quem se posicionou logo no começo, na largada da caminhada, não enxergava o seu fim. Éramos milhares. Foi assim que neste sábado (29) as mulheres protagonizaram uma das maiores mobilizações que já se viu no País.
Em Florianópolis foram cerca de 40 mil manifestantes em dez quilômetros de marcha.
“Não poderemos falar de história de movimentos coletivos, sem citar este acontecimento. Estamos fazendo história”, analisou Joana Maria Pedro, presidente da Associação Nacional de História (Anpuh).
A resistência ao candidato do PSL à presidência, que atualmente lidera as pesquisas de intenção de voto, é emblemática na capital de um dos estados mais conservadores do país e que tem cerca de 40% do eleitorado a favor de Bolsonaro.
Além disso, Santa Catarina, único estado que leva o nome de uma mulher no Brasil, apresenta a segunda colocação em número de estupro, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Esse contexto demonstra a necessidade de ação política para transformar o cenário violento e machista existente. Foi exatamente isso que as mulheres protagonizaram.
Gritando frases como “Nem fraquejada e nem do lar, a mulherada tá na rua pra lutar”, em crítica à fala do presidenciável de que sua filha, única entre filhos homens, foi gerada em um momento de fraqueza dele, ideia que nitidamente subjuga e rebaixa a existência das mulheres. As “fraquejadas“, como bem disseram durante a marcha deste domingo, representam mais de 50% do eleitorado no País, e podem derrubar o candidato e fazê-lo perder a eleição.
“Eu enquanto mulher preta, militante e educadora, tenho que fazer meu papel que é estar na base, discutindo com as mulheres que tipo de política esse sujeito traz para a população negra. Ele invisibiliza a nossa pauta e desmantela tudo o que temos de direito. Eu e as mulheres negras do movimento ao qual pertenço dizemos não, ele não, ele nunca”, afirmou Luciana Freitas, integrante do Movimento Negro Unificado (MNU-SC).
A defesa dos direitos da população LGBT também foi umas das tônicas da manifestação. “Nós psicólogos não aceitamos retrocessos. Somos totalmente a favor dos direitos humanos. E por isso ele não. Ele é retrocesso, ele não tem proposta. Ele é contra a população LGBT. Ele nunca, ele jamais”, afirmou a psicóloga Zélia Lima.
As mulheres foram enfáticas ao dizerem que Bolsonaro e sua visão de mundo não as representam. “Ele não porque ele não representa a minha cor, o meu gênero, a minha família, nem meus amigos, nem minha família, nada do que eu acredito. Pelo contrário, ele representa retrocesso, medo e dor”, disse Simone Regina Costa da Silva, que participou do ato usando uma camiseta com os dizeres “Sou mulher e só voto em quem me respeita”.
#EleNão em todo o Estado de Santa Catarina
Várias cidades do estado também se mobilizaram em protesto contra o candidato.
“Balneário Camboriú foi palco da história. Nunca o movimento feminista conseguiu unir tantas mulheres e apoiadores. Foi lindo, emocionou do começo fim. Foram duas horas e ninguém queria ir pra casa. Lembramos de cada irmã morta por feminicídio e como nosso estado é omisso, criminoso. Que este ato seja símbolo da nossa força, de nossa construção enquanto mulheres e lutadoras”, relatou a professora da rede pública, Alessandra Silva do Movimento Mulheres do Litoral.
“Bolsonaro representa o esforço para continuar um modelo de masculinidade tosco, violento e opressor, que não admite a democracia, nem a diversidade. Sabemos que numa sociedade verdadeiramente igualitária e democrática, o poder seria exercido por todas e todos”, afirmaram integrantes do Coletivo Feminista Maria e as Quitérias, que saíram às ruas de Rio do Sul.
Em Lages, o clima foi de tensão desde a chegada das manifestantes, pois os apoiadores do candidato a presidente da República se reuniram no trajeto onde seguiria a marcha. As organizadoras acabaram, depois de muito debate, decidindo seguir conforme o combinado inicialmente. No meio da marcha, na Rua Nereu Ramos, a Polícia Militar impediu a passagem. O grupo continuou cantando músicas feministas e contra o fascismo no meio da via. Algumas pessoa com adesivos e camisetas do Bolsonaro passaram pelo local, chegou a ter um bate-boca, mas não houve violência.
“Eu não quero viver com medo de manifestar meus ideais, vim para lutar contra esse medo”, contou a arquiteta e professora universitária, Lilian Louise Fabre, que participou do ato em Lages.
#EleNão pelo Brasil e Pelo Mundo – A mais significativa mobilização da história
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“Ele não porque representa um atraso para o meu país, porque prega o ódio, porque ele é contra tudo que eu prego e acredito – justificou sua presença, a jovem estudante Yohanna Fernanda dos Santos Cavol. Com apenas 15 anos, a manifestante de Carazinho, interior do Rio Grande do Sul, já demonstra maturidade de gente grande. “É motivo de orgulho sair para as ruas gritar #EleNão, porque desde que começamos a ocupar nosso espaço abrimos portas e através desses movimentos conseguimos mostrar nossas vozes e nossa força”, complementou.
“Quem não pode com as mulheres, não atiça o formigueiro”. Em Uberlândia, Minas Gerais, nem a chuva forte conseguiu dispersar as milhares de pessoas que ocuparam as ruas da cidade para protestar contra o candidato à presidência. Mulheres, homens e crianças de várias idades concentraram-se na praça central da cidade e de lá seguiram em caminhada pelas principais ruas do centro. A organização do ato, que reuniu representantes de diversos movimentos sociais e ONGs em defesa dos direitos das mulheres, estima entre 7 a 10 mil participantes.
Segundo estimativas, a mobilização nacional reuniu cerca de um milhão de manifestantes em centenas de cidades dos 26 estados da Federação. Os maiores números foram registrados na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em que mais de 200 mil pessoas protestaram, e no Largo da Batata, em São Paulo, onde se concentraram mais 150 mil. “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro (MUC)”, que articulou mais de três milhões de mulheres nas redes em menos de um mês, chegou às ruas com uma potência nunca vista antes na história do Brasil.
Em um postagem no twitter, a jornalista Eliane Brum criticou a cobertura dada pela mídia ao que classificou de “a maior manifestação das eleições de 2018, a maior manifestação de mulheres da história do Brasil”. Segundo avaliou, a resistência histórica, protagonizada pelas mulheres, “foi quase ignorada pelas TVs e não é manchete de nenhum dos grandes jornais. Há foto na capa, mas não manchete. O papel da imprensa na crise do BR ultrapassou mais um limite: o da vergonha”.
Conforme analisou Joana Maria Pedro, autora do livro Nova História das Mulheres no Brasil, não há registro de uma manifestação de mulheres com esse porte na história do país. “Tinha mulheres de todos os partidos e de todas as identidades”, afirmou.
O movimento se espalhou pelo mundo, conquistando adesão de brasileiras que vivem no exterior. Pelo menos 15 cidades em dez países (Alemanha, Argentina, Austrália, Canadá, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Portugal e Estados Unidos) aderiram à causa #EleNão e ocuparam as ruas com cartazes, debates e apresentações musicais contra o fascismo.
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*Esse material é resultado de uma cobertura colaborativa que contou com a participação de Isadora Faria (São Paulo/SP), Alessandra Silva e Simone (Balneário Camboriú/SC), Yo (Blumenau, SC) Irís Leandro (Salvador, BA), Renata Machado Cardoso, Inês Arigoni, Suzana Pires (Porto Alegre/RS), Suzana e Sandra Pires (Três passos/RS), Isabella Westphalen e Isadora Stentzler (Carazinho/RS), Beatriz Ortiz (Uberlândia/MG), Ângela Grossi (Bauru/SP), Núbia Garcia, Suzane Faita e Priscila Bonatto (Lages/SC), Merli Leal (São Borja/RS), Caroline Fagundes, Cassiane Vilvert, Carú Dionísio, Chris Mayer, Jeane Adre, Jéssica Gustafson e Paula Guimarães (Florianópolis/SC).
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Atualizada às 22h07 de 30 de setembro.