Rosângela Barbosa, 31 anos, conhecida em Guarani pelo nome de Ara Poty Mirim, faz parte de um grupo de mulheres organizadas no tekoá yyn moronti whera, em Biguaçu (SC).  Sua vivência foi compartilhada neste mês durante uma ação do Projeto de Extensão “Quilombrusque”, realizada no Instituto Federal Catarinense (IFC) de Brusque (SC). “Quilombrusque” é um laboratório de Educação para as relações étnico-raciais que busca fomentar discussões relacionadas à Educação antirracista, particularmente na Rede Estadual de Ensino, para a implementação da Lei 10.639, que obriga as redes pública e privadas de ensino a ensinarem o ensino de História e cultura africana, afro-brasileira e indígena.

Acompanhada de dois dos três filhos, Ara Poty Mirim Rosângela Barbosa conta que eles precisam conhecer a sociedade fora da terra Guarani para saber como lidar com as situações e fazerem suas escolhas. “Lá na aldeia é um ensinamento diferente e também os meus filhos tem que ter uma experiência aqui fora porque nem sempre eu vou segurar eles na aldeia. Eles também vão ter que experimentar um pouquinho o lado de fora. Então eu trago eles para ver como é a escola principalmente fora”, contou. 

Mesmo acostumada a transitar fora dos limites da aldeia, ainda sente dificuldades em lidar com o barulho e dispersão característicos da cidade. “Nós não conseguimos conversar direto com esse barulho, com esse monte de conversas, pra gente parece um zumbido, e a gente não consegue prestar atenção. Na aldeia é mais como meditação. É bem calmo. A gente presta atenção em cada coisa, em cada animal, em cada palavra, na criança falando. E aqui todo mundo fala junto e a gente não consegue entender até se adaptar aqui no mundo dos brancos. Eu já tenho um pouquinho de experiência, mas mesmo assim não me acostumo porque quando a gente vive em uma aldeia é diferente”, explica.

A proposta do encontro é valorizar o lugar de fala da mulher indígena. Desde pequena ela, Rosângela mora em comunidades Guarani. Ela conversou sobre a cultura, culinária, religião, rituais, plantas e a vida dentro do grupo Mbyá-Guarani. Ara Poty Mirim Rosângela Barbosa e os filhos que a acompanhavam Karaí Rokadju Poty Dirlan Gonçalves e Karaí Mirim Poty Wesly Gonçalves Barbosa além de conversarem com os presentes montaram uma feira para apresentar o artesanato Guarani feito na comunidade aos estudantes e professores. Ela participou de outros dois encontros do IFC Camboriú.

Foto: Vandreza Amante

Em conversa com o Catarinas, ela fez uma análise da experiência nos espaços fora da aldeia e disse que “os brancos” deveriam buscar entender mais a vivência Guarani a partir do contato com as aldeias. Esse contato poderia contribuir para se ter mais respeito, identificando a diversidade cultural dos grupos como identidade de cada pessoa, de um modo de viver diferente. “Buscar pesquisar assim não na internet, mas visitar, saber como se vive lá. Isso com as pessoas certas também para perguntar para saber como que vivem. Para ficarem um pouco lá, um dia inteiro ou umas semanas também. Com isso eles conseguiriam ver a diferença e ver como que é o Guarani”, disse. 

A representante dos povos originários conta que estudou em escolas não-indígenas passando por preconceitos e bullying. “Estudei um pouco fora. Foi só um pouquinho também, mas já foi assim uma experiência boa, e naquele tempo que minha mãe me colocou fora tinha mais preconceito de ser índia, de ser filho de índio. Isso tinha muito. Eu não reclamava, eu tentava não mexer, mas tinha hora que não dava para segurar. Tinha que encarar. Eu era uma pessoa que vivia lá na secretaria porque eu levava a culpa pelas outras pessoas. Era assim. Mesmo assim eu consegui me adaptar um pouco porque tinham pessoas que eram boas como as merendeiras, as professoras. Elas entendiam. Era mais por parte dos alunos mesmo porque tinham muito preconceito, bullying essas coisas”.

Parou os estudos também por conta da discriminação. A partir da política pública de Educação Escolar Indígena foram implementadas escolas nas aldeias e incentivada a formação de professores indígenas. “Depois de uns anos começou a ter escola na aldeia e me adaptei para terminar os meus estudos na aldeia mesmo”, ressalta. Atualmente o  curso Pedagogia Intercultural Indígena – Guarani é ministrado pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) em parceria com a Secretaria Estadual de Educação (SED). Por enquanto ela não pretende cursar a universidade, mas entende que os professores indígenas podem contribuir com a comunidade.

Para Rosângela, a experiência de estar em contato com os estudantes é uma “troca de sabedorias”. “Eles perguntam o que querem saber porque nem tudo tem no livro ou as pessoas de fora falam como é a vida Guarani. E é diferente você perguntar para o indígena e para um não-indígena. Não está dentro de um livro como é a vida Guarani ou como viviam os guaranis. Somos índios sim. Índios todos falam, mas não sabem a cultura de cada um. Têm etnias diferentes, nem todas as etnias são iguais. É isso que os juruá branco não sabem entender. Para os brancos é tudo igual”, enfatiza.

Ela observa a curiosidade dos estudantes e busca aprender a expressar o que pensa. “Eu vi nas crianças fazendo perguntas. As perguntas deles são simples, mas na cultura Guarani não é tão simples assim. Eles fazem uma pergunta e eu já respondo com várias respostas. Para os guaranis em uma pergunta você já conta a história toda. É isso que eu vejo. Para mim foi uma boa troca de experiências. Também vou me soltando mais, perdendo a vergonha e aprendendo a me expressar mais”.

Sobre a participação de indígenas na política institucional, a liderança Guarani ponderou acerca da necessidade de empatia aos povos originários e do fortalecimento das tradições. “No meu olhar por um lado é bom porque as pessoas estão esquecendo um pouquinho da diferença com o indígena para ter um indígena lá em cima, e por outro lado eu acho ruim para a Cultura Guarani. A Cultura Guarani na verdade teria que mostrar a cultura dele na aldeia, no espaço dele como dança, rezas, brincadeiras. Isso já está ficando para a História já”. Ela ressaltou que para elas homens e mulheres trabalham juntos para fortalecer as tradições culturais do grupo.

 

 

 

 

 

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Vandreza Amante

    Jornalista feminista, antirracista e descolonial atua com foco nos olhares das mulheres indígenas. A cada dia se descobr...

Últimas