O Portal Catarinas fez uma chamada às candidaturas feministas de Santa Catarina, voltadas especificamente às candidatas mulheres cis e trans. A ideia é mapear as postulantes feministas do estado e gerar maior visibilidade para suas propostas. O mapeamento acontece a partir do preenchimento do formulário pelas candidatas. As respostas serão publicadas na íntegra por ordem de envio.

A quinta candidata a responder o formulário é Ideli Salvatti, 66 anos, postulante a uma vaga no Senado Federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Mulher cis*, heterossexual e branca, Ideli vive em Florianópolis e é licenciada em física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Catarinas: Conte um pouco sobre sua trajetória de vida/militância e quais motivações a levaram a disputar essas eleições:
Ideli: Nasci em São Paulo. E no final da década de 1970, fui morar em Joinville onde atuei nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Pastoral Operária, Associações de Moradores e no Centro de Defesa dos Direitos Humanos, entidade da qual fui fundadora e presidente.  Licenciada em física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1980 ajudei a fundar o Partido dos Trabalhadores em Joinville e em Santa Catarina, fazendo parte do Diretório e da Executiva. Fui professora do quadro do Magistério Estadual de 1983 até 1994. Em 1993 também iniciei minha militância no Movimento Sindical na Associação dos Professores de Joinville (APJ). Em 1987 fui eleita presidente da Associação dos Licenciados em Santa Catarina (ALISC). Casei-me com Eurides Mescolotto e tive dois filhos: Felipe Salvatti Mescolotto e Mariana Salvatti Mescolotto. Casei-me novamente em 2009 com Jeferson Figueiredo. Presidi o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SINTE/SC) por dois mandatos, em 1989 e em 1992, quando já vivia em Florianópolis. Ajudei a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT/SC), sendo tesoureira na gestão 1988-1991. Também integrei o Diretório e a Executiva do PT de Santa Catarina por diversas gestões do partido. Em 1994, fui eleita pela primeira vez para o mandato de deputada estadual (1995-1998) e reeleita em 1998 (1999-2002) para o meu segundo mandato. Participei do Governo Dilma Rousseff, onde assumi como ministra da Pesca e Aquicultura, ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais e ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos.  Senadora – Em 2002, fui a primeira mulher a ser eleita senadora do estado de Santa Catarina. Atuou como líder da Bancada do PT no Senado, em 2006, e em 2009, líder do governo no Congresso. Sou candidata ao Senado porque Santa Catarina precisa ter os mesmos investimentos que tínhamos quando Lula e Dilma estiveram na Presidência e eu no Senado Federal. Nossa parceria rendeu muitos avanços em todos os 295 municípios catarinenses. Também sou candidata porque estou – como milhões de brasileiros – indignada com a ilegítima e arbitrária prisão de Lula. Somos as pernas, as idéias e os sonhos de Lula, que andam pelas ruas para que o Brasil volte a ser feliz de novo.

Catarinas: Qual a importância de se eleger mulheres feministas em 2018?
Ideli: É fundamental que elejamos feministas para ocupar espaços públicos nas eleições deste ano. As mulheres correspondem a mais da metade da população e do eleitorado do País. As pautas retrógradas das elites brasileiras impuseram uma série de derrotas sociais, políticas, culturais, econômicas e de gênero no Brasil, a partir do golpe de 2016. Precisamos escolher candidatas comprometidas com a pauta feminina, a partir de um programa popular e democrático. E mais: as escolhas devem partir da premissa de que as mulheres defendam os interesses, as agendas das trabalhadoras e trabalhadores. Por exemplo, não adianta votar em mulher, só porque é mulher, se esta eleita vai votar contra os direitos dos trabalhadores, dos mais pobres. Precisamos de mulheres comprometidas contra a reforma da Previdência; que atuem para combater e rever totalmente a ‘deforma’ trabalhista e a terceirização. Enfim, eleger mulheres com lado na política, que estejam vigilantes e atentas às políticas públicas voltadas à maioria da população, em especial às mulheres trabalhadoras, estudantes, LGBT, donas de casa, negras, aposentadas, indígenas e quilombolas. Isso é ter lado.

Catarinas: Quais as principais questões a superar hoje em relação à desigualdade entre homens e mulheres? E quais suas propostas para isso?
Em primeiro lugar, é importante registrar que durante os governos do presidente Lula e da presidenta Dilma, muitas foram as políticas construídas com o objetivo maior de transformar a sociedade brasileira e termos um País inclusivo, promotor da igualdade e não discriminatório. Após o golpe contra Dilma, praticamente todas as ações pactuadas entre ministérios e ou entre governos (federal, estaduais e municipais) sofreram cortes orçamentários consideráveis e que hoje inviabilizam a chegada dos programas até as mulheres. Por consequência, as desigualdades se agravam, seja no mundo do trabalho com a ‘deforma’ trabalhista e a retirada de direitos que geraram um exército de trabalhadoras desprotegidas socialmente, assim como nas medidas de austeridade que inviabilizaram o acesso a programas de formação e qualificação profissional, programas de assistência, habitação e de acesso à saúde e alimentação saudável. Eleita senadora, serei apoiadora incondicional à retomada da Secretaria de Mulheres com status de ministério e com Orçamento próprio, incentivadora de organismos de políticas públicas nos estados e municípios e defensora de conselhos de direitos das mulheres deliberativos em estados e municípios. Para consolidarmos uma Política Nacional de Enfrentamento a todas as formas de violências contra as mulheres, precisamos de um Sistema que construa e implemente a política com a participação do controle social e garantindo orçamento para tal. Para que isso aconteça precisamos revogar a Emenda Constitucional 95 e retomar o Pacto Constitucional rompido com o golpe.

Catarinas: Como pretende atender às diferentes especificidades das mulheres, contemplando em seus projetos as mulheres negras, indígenas, lésbicas e mulheres trans?
Ideli: Comecei minha vida política participando das pastorais, movimento de estudantes, movimentos sociais e sindical. Assim me construí e assim construí os mandatos de deputada estadual e senadora. Nosso mandato manterá diálogo permanente com os movimentos e em especial com os movimentos de mulheres e feministas. Quero ser a voz de todas no Senado, apresentar e defender as pautas construídas a partir das representações dos movimentos. Santa

Catarinas: Catarina é o segundo estado do País com maior número de estupro, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o mesmo relatório, em 2017, foram registrados 48 feminicídios. Como pretende atuar para a redução da violência contra as mulheres em SC?
Ideli: Os dados apontados anualmente pelo Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública tem mostrado em números aquilo que vivenciamos diariamente através dos meios de comunicação ou do nosso cotidiano de reuniões pelo estado. Precisamos avaliar também que são dados subnotificados e os registros de feminicídios passam por investigações e julgamentos antes de entrarem nas estatísticas. A ausência de um sistema único de registros que inclua os dados da segurança, da saúde e do Ministério Público, também dificultam a construção de políticas de prevenção eficazes. A lei 11.340 de2016 – Lei Maria da Penha, traz em seu texto várias ações que se implementadas corretamente, poderiam transformar a vida das mulheres e a própria sociedade. Precisamos debater a violência nas escolas, principalmente a violência de gênero, construir campanhas educativas e divulgar através dos meios de comunicação, ter equipamentos como delegacias especializadas (de fato), centros de referência, casas-abrigo. Porém, é necessário ter políticas efetivas que proporcionem às mulheres os cuidados necessários para que elas se sintam protegidas e se libertem do espaço que a oprime e do opressor. A mulher vítima de violência doméstica – e que deseja romper com um ciclo de violência -, quando procura uma delegacia está gritando “socorro, me protejam, não suporto mais”. Para ela chegar até a Delegacia, rompeu com os múltiplos medos que envolvem um denunciar. Nesse momento ela espera ser cuidada, amparada e ter sua situação resolvida por quem tem o dever de protegê-la. Morar em um lugar seguro, ter a creche para filhos e filhas e um trabalho que lhe possibilite autonomia financeira, também é essencial. Como senadora vou atuar na Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher. E minha primeira ação será cobrar do Estado de Santa Catarina a efetiva implementação da Lei Maria da Penha e as recomendações que a CPMI da Violência contra a Mulher enviou ao estado em 2013 e que não foram atendidas. Também irei buscar a regulamentação do Observatório da Violência contra a Mulher, além de ser atuante junto ao Conselho Nacional e Estadual dos Direitos da Mulher.

Catarinas: Quais resistências vêm enfrentando em sua campanha e quais imagina enfrentar se for eleita para um cargo de poder tradicionalmente ocupado por homens, brancos heterossexuais?
Ideli: Por mais que tenhamos avançado – e nossa participação, mesmo que ainda pequena, seja uma realidade nos legislativos (nas três esferas) – há situações onde precisamos respirar fundo e não perder o tão propalado “decoro parlamentar” ou estar sempre atentas para não reproduzirmos a política machista, opressora, pois “contamina”. Todas as minhas atuações em espaços de poder e decisão, seja no movimento estudantil, sindical, como deputada, senadora, ministra, foram pautadas na coerência política e no compromisso com um projeto maior, libertador. Então, desde muito jovem enfrento o fato de ser uma mulher que não se cala diante de injustiças e defende um mundo onde as pessoas tenham o direito de ter direitos. Eu os “canso” e eles aprenderam que não me “Kahlo” e jamais me calarão, os que por ventura ainda não me conhecem, ou ainda não conhecem a força das Catarinas que lutam, passarão a conhecer.

Catarinas: Enquanto uma candidata feminista como pretende atuar de forma a enfrentar os discursos reacionários que acreditam na existência de uma “ideologia de gênero” e que não admitem que as mulheres tenham autonomia plena sobre seus corpos, incluindo aí a pauta pela descriminalização do aborto?
Ideli: Como sempre atuei. Ninguém nos dá o poder, nós conquistamos e conquistamos com ações e muita luta. Serei a voz de todas as que lutam contra uma sociedade opressora, discriminatória, patriarcal, machista, homofóbica, lesbofóbica, racista, misógina, preconceituosa, e contra qualquer ação que incentive ou fomente tal discussão, a exemplo da escola sem partido. Quero ser a voz das milhares de mulheres que morrem por causa de abortamento inseguro no Brasil e das milhares de mulheres vítimas de violência obstétrica ou que morreram em função da ausência de cuidados na gravidez e pós-parto. Aqueles que são contrários a essas pautas precisam entender, definitivamente, que os nossos corpos nos pertencem e que o aborto é também uma questão de saúde pública.

Catarinas: Quais pautas são prioritárias na sua plataforma de campanha?
Ideli: Em poucas linhas, para além do que já relatei anteriormente, será prioridade – revogar a Emenda Constitucional 95 (Teto dos Gastos, que congelou investimentos em saúde, educação e assistência social etc); revogar a Reforma Trabalhista e barrar a Reforma da Previdência. Lutaremos para revogar todas as medidas praticadas contra a soberania nacional (incluindo a venda do pré-sal), a convocação de uma nova Constituinte, a defesa intransigente da democracia e dos direitos humanos e sociais, além de a reforma do Pacto Federativo e da reforma tributária progressiva.

*Cis caracteriza a pessoa cuja identidade de gênero é a mesma designada no nascimento.

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