O Portal Catarinas fez uma chamada às candidaturas feministas de Santa Catarina, voltadas especificamente às candidatas mulheres cis e trans. A ideia é mapear as postulantes feministas do estado e gerar maior visibilidade para suas propostas. O mapeamento acontece a partir do preenchimento do formulário pelas candidatas. As respostas serão publicadas na íntegra por ordem de envio.

A sétima candidata a responder é Jéssica Michels, 27 anos, postulante a uma vaga na Câmara Federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Mulher cis*, bissexual e branca, Jéssica vive em Joinville, é fotógrafa e estudante de direito.

Catarinas: Conte um pouco sobre sua trajetória de vida/militância e quais motivações a levaram a disputar essas eleições. 
Jéssica: Acredito que comecei ainda adolescente participando das pastorais sociais da igreja católica. Logo depois, comecei a me envolver com o movimento estudantil no ensino médio. Durante a faculdade de Jornalismo, no qual integrei o centro acadêmico e também o DCE, participei  das frentes de luta pelo transporte público e das pautas em defesa da comunidade cultural de Joinville. Nos últimos seis anos, estou mais nas pautas feministas e LGBT (e isso se tornou o mais evidente politicamente) participando de vários coletivos independentes, de conferências públicas e até dos conselhos municipais. Recentemente tenho abordado as pautas ecossocialistas, desde a defesa da agricultura familiar até o gerenciamento de resíduos, pensando as pautas da natureza, em defesa dos recursos naturais. Estou no PSOL desde 2010, mas só me filiei em 2012.  Desde então trabalhei pela construção partidária, tanto municipal como estadual. Minha primeira candidatura foi em 2016, para vereadora em Joinville. Minha principal motivação é ocupar a política com coragem para defender as pautas, e sensibilidade para reconhecer as necessidades de todas as pessoas.

Catarinas: Qual a importância de se eleger mulheres feministas em 2018?
Jéssica: Esse é o principal debate de todas as candidatas de mulheres do PSOL. Reconhecemos que o debate de gênero precisa ser defendido pelas mulheres feministas em todas as esferas, incluindo o legislativo em âmbito federal. Reconheço a necessidade de termos mulheres feministas e socialistas para fazer uma ampla defesa das nossas pautas, dialogando com os movimentos populares, mas também fazer nossas vozes ecoarem para combater as tentativas de retrocessos aos nossos direitos já conquistados.  Quero ser parte de uma bancada ativista e combativa em defesa dos direitos humanos.

Catarinas: Quais as principais questões a superar hoje em relação à desigualdade entre homens e mulheres? E quais suas propostas para isso?
Jéssica: Bom, reconhecendo que o machismo é estrutural na sociedade, acredito que o foco principal é no trabalho da educação inclusiva e não-sexista para derrubarmos as construções dogmatizadas. Seguindo essa percepção inicial, segue algumas defesas e propostas:
– Combate ao Projeto Escola Sem Partido, garantindo um ambiente escolar com respeito à diversidade a fim de reduzir a violência.
– Políticas de eliminação ao assédio em sala de aula.
– Criação de um programa nacional de conscientização sobre as violências contra a mulher nas escolas.
– Igualdade salarial entre homens e mulheres já!
– Ampliar a fiscalização e investir em mais canais de denúncia de assédio moral e sexual no trabalho, além de fortalecer as campanhas de prevenção a essa violência.
– Articulação com movimentos de mulheres, sindicatos e diversos locais de trabalho para promover iniciativas de conscientização de igualdade de gênero e combate ao machismo no mundo do trabalho.

Catarinas: Como pretende atender às diferentes especificidades das mulheres, contemplando em seus projetos as mulheres negras, indígenas, lésbicas e mulheres trans?
Jéssica: Vou listar algumas das propostas que tem atenção específica para os debates de interseccionalidade das pautas dos feminismos:
– Revisão do sistema penal e da atual política de drogas que hoje faz com que o Brasil tenha a quarta maior população carcerária feminina do mundo.
– Políticas de incentivo a criação de postos de trabalho dignos para mulheres trans.
– Defesa de uma política de saúde sexual e reprodutiva emancipadora: educação sexual para prevenir, anticoncepcionais para não engravidar e aborto legal, seguro e gratuito, para não morrer.
– Políticas de atenção à saúde das mulheres não heterossexuais e trans, com enfoque na formação dos profissionais de saúde para o atendimento às demandas específicas deste público.
– Campanhas informativas sobre o uso mais eficiente dos métodos contraceptivos por mulheres.
– Campanhas de prevenção ao HPV com enfoque em mulheres jovens e adolescentes.
– Atenção e promoção de saúde da mulher negra com diminuição dos casos de violência advindos da absurda ideia de que pessoas negras sentem menos dor.

Catarinas: Santa Catarina é o segundo estado do país com maior número de estupro, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o mesmo relatório, em 2017, foram registrados 48 feminicídios. Como pretende atuar para a redução da violência contra as mulheres em SC?
Jéssica: O trabalho de base ainda se faz na educação, mas acredito que um dos pontos de partida para redução do feminicídio  é garantir uma boa estrutura para atendimento especializado para as mulheres vítimas de violência, por meio de uma rede de atendimentos. Listo algumas das propostas que incluem esse eixo:
– Destinação de 1% do PIB para as políticas para mulheres.
– Destinação de recursos para aplicação integral da Lei Maria da Penha, que prevê a criação de Centros de Referência e Casas Abrigo, formação de grupos de apoio para homens autores de violência, ensino da Lei nas escolas, e criação de mais delegacias da mulher, que funcionem 24 horas e tenham efetivo de fato preparado para os diversos casos de violência contra a mulher.
– Apurar os dados públicos relativos à violência contra a mulher a partir das informações do Disque 180 e das delegacias e equipamentos estaduais, para que dessa maneira seja possível desenhar mais políticas públicas eficientes.

Catarinas: Quais resistências vêm enfrentando em sua campanha e quais imagina enfrentar se for eleita para um cargo de poder tradicionalmente ocupado por homens, brancos heterossexuais?
Jéssica: Acredito que nesta campanha, minha maior dificuldade tem sido enfrentar o medo do fascismo. E tem sido cada vez mais assustador. Nas ruas e nas redes, a quantidade de xingamentos que recebo por ser tudo que sou, por defender tudo que acredito; por ser mulher, gorda, jovem, estudante, por ser LGBT, por ser claramente favorável a descriminalização do aborto, por exemplo. Tenho percebido a ignorância das pessoas quando digo que sou do PSOL, quando digo que sou de esquerda. Mas a resiliência é forte e sei que não estou por mim, mas por todas nós, pela vida das mulheres, enfrentando esse processo eleitoral ainda tão excludente. Acredito que esse é o maior desafio caso seja eleita: não ser interrompida por homens que não sabem respeitar uma mulher que ocupa o espaço político.

Catarinas: Enquanto uma candidata feminista como pretende atuar de forma a enfrentar os discursos reacionários que acreditam na existência de uma “ideologia de gênero” e que não admitem que as mulheres tenham autonomia plena sobre seus corpos, incluindo aí a pauta pela descriminalização do aborto?
Jéssica: Bom, por estar no PSOL, sinto-me tranquila em dizer que sou parte da resistência e que o tema aborto não é tratado como tabu no programa interno do partido. Sou combativa na defesa de nossas pautas, somarei a luta da ADPF 442. Além disso, em campanha, eu me esforço para trabalhar de maneira didática esse processo de diálogo com as pessoas, apresentando dados e sendo assertiva na defesa da inclusão do debate de gênero nas escolas, sem apelar para o moralismo, mas apresentando a realidade do nosso país e reforçando que só uma educação emancipatória e libertadora garantirá um país mais justo e igualitário.

Catarinas: Quais pautas são prioritárias na sua plataforma de campanha?
Jéssica: Minha candidatura apresenta propostas e defesas principais nos eixos: mulheres, LGBT, meio ambiente e segurança alimentar, cultura e educação. Como algumas das pautas de mulheres já apresentei nas outras respostas, sinalizo aqui outros eixos.

ECO: Apoio à Reforma Agrária; valorização dos pequenos produtores de alimentos orgânicos como alternativa ao agronegócio; revogação do código florestal e do código de mineração; apoio à aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos.
CULTURA: Ampliação do orçamento da cultura e garantia de um piso mínimo; desburocratização dos editais para acesso à verba pública de cultura.
EDUCAÇÃO: 10% do PIB para a educação pública e gratuita; universalização das creches e da educação infantil; não à Reforma do Ensino Médio; defesa da discussão de gênero e sexualidade nas escolas.                                                                                                                                                      CIÊNCIA E TECNOLOGIA: Reconstituição do Ministério da Ciência e Tecnologia; recompor o orçamento da CAPES, CNPq e outras agências de pesquisa; recomposição dos valores de bolsas de mestrado, doutorado e iniciação científica.
LGBT: Criação de centros de referência que acolham as LGBTs vítimas de violência; criação de programa nacional de combate à LGBTfobia e evasão das escolas, em especial para travestis e transexuais; fim da restrição a LGBTs para a doação de sangue; garantia constitucional do direito à sexualidade e à identidade de gênero enquanto um direito inalienável.

* Cis caracteriza a pessoa cuja identidade de gênero é a mesma designada no nascimento.

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