A proximidade entre o Carnaval e o Dia Internacional das Mulheres, celebrado em 8 março, levou grupos e movimentos feministas de todo o Brasil a aproveitarem a mobilização em torno da folia para realizar manifestações em defesa dos direitos das mulheres. A reportagem do Portal Catarinas fez um giro pelas pautas e programações que marcarão o 8M nas cinco regiões do país, evento que deverá reunir milhares de pessoas.

Começando pelo Sul do Brasil, o estado de Santa Catarina mobiliza o público para formar o coro “Sonia livre!” e fazê-lo ecoar pelas ruas de Florianópolis. O grito acompanha outras palavras de ordem como “basta de racismo na justiça!” e “escravidão nunca mais!”. A mobilização pede justiça para Sonia Maria de Jesus, mulher negra, de 51 anos, com deficiência auditiva, resgatada em 2023 da casa do desembargador Jorge Luiz de Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), por condições análogas à escravidão. 

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Ato ‘Sonia Livre’ no Carnaval de Florianópolis em 2025 | Crédito: Tomás Honaiser.

As mobilizações vão acontecer em duas datas. No sábado (8), das 10h às 12h, o Largo da Alfândega será palco de uma agitação feminista, reunindo blocos de carnaval, oficinas e panfletagem. A iniciativa busca engajar e preparar as mulheres para a marcha oficial, marcada para segunda-feira (10). Neste dia, a concentração acontecerá às 16h, na Praça Tancredo Neves, em frente ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A caminhada pelas ruas de Florianópolis terá início às 18h.

Em uma decisão inédita e contestada por movimentos sociais, três meses depois, Sonia foi “desresgatada” e devolvida ao ambiente de exploração. Aos 9 anos, Sonia foi levada para a casa do magistrado para uma estadia temporária, enquanto sua mãe, dona Deolina, reorganizava a vida após sofrer violência doméstica. Mas, quando conseguiu se reerguer e foi buscar a filha, não a encontrou mais. Durante décadas, procurou por Sonia incansavelmente, mas morreu em 2016 sem a reencontrar.

Sem acesso à educação, sem aprender a língua brasileira de sinais (Libra) e sem documentos, Sonia permaneceu na casa do desembargador por mais de 40 anos, trabalhando sem salário e sem qualquer direito básico. Quando resgatada, sua saúde bucal estava deteriorada e ela sofria com um tumor no útero. 

“Se [uma pessoa] trabalha sem salário, sem férias, sem carteira assinada, sem acesso à educação, à saúde, ao lazer; se só cozinha, lava, passa e limpa na casa do desembargador, isso não é ser ‘parte da família’, é escravidão”, diz um dos panfletos de divulgação do ato. 

“Nada que foi feito até agora convenceu o judiciário de que Sonia tem direito à liberdade. Isso é assustador”, diz Vanda Pinedo, representante do Movimento Negro Unificado (MNU) de Santa Catarina e uma das idealizadoras da campanha ‘Sonia Livre’, que já acumula 33,8 mil seguidores no Instagram. 

A mobilização também busca divulgar uma petição pública, chamada ‘Liberdade para Sonia Maria de Jesus’, exigindo sua libertação imediata. Os movimentos também pressionam pela aprovação do Projeto de Lei 3351/2024, de autoria da então deputada Carla Ayres (PT-SC), conhecido como Lei Sonia Maria de Jesus. A proposta estabelece diretrizes e ações para o atendimento de trabalhadoras resgatadas de situações análogas à escravidão em ambiente doméstico e de vítimas de tráfico de pessoas. 

“Os nossos antepassados lutaram muito pelo fim da escravidão, e nós, militantes da causa antirracista, não podemos ficar silenciados diante de uma brutalidade dessas em pleno século 21”, arremata Vanda. O MNU estrutura as mobilizações ao lado da Frente Feminista 8M Brasil.

Justiça por Vanessa Ricarte

Na região Centro – Oeste, o Coletivo Sempre Vivas, com outros movimentos de mulheres, realiza, neste sábado, 8, em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, o “Enterrando o Patriarcado”. O conhecido bloco “Enterrado os ossos”, este ano, assume a luta contra o feminicídio. A escolha do tema é reflexo da revolta pela morte da servidora do Ministério Público do Trabalho, a jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, assassinada em 12 de fevereiro.

Horas após denunciar o então namorado Caio Nascimento e conseguir uma medida protetiva, Vanessa foi morta, em casa, com três facadas. Ela chegou sem escolta policial e ao tentar sair de casa com a ajuda de um amigo, foi vítima de feminicídio. 

Áudios de Vanessa, aos quais a imprensa teve acesso, mostram sua indignação com o atendimento recebido na Casa da Mulher Brasileira e na Delegacia de Mulheres do Mato Grosso do Sul, de Campo Grande. 

“Esse crime ficou evidenciado para todo o Brasil. Ele revela falhas no atendimento, especialmente na Casa da Mulher Brasileira”, explica a coordenadora do Coletivo Sempre Vivas, Fernanda Teixeira, uma das ativistas à frente da manifestação.

De acordo com Fernanda Teixeira, o caso de Vanessa não é isolado. “O Mato Grosso é campeão de feminicídio e de mortes violentas”, justifica. Conforme o Monitor de Feminicídios do Brasil, o estado possui a maior taxa de feminicídio do país: 12,6 mortes por 100 mil mulheres. Ao longo de 2024, foram registrados 56 feminicídios e 125 tentativas. 

A concentração para o bloco Sempre Vivas Enterrando o Patriarcado acontece neste sábado, 8, às 15h, na Esplanada Ferroviária. Além dos grupos de mulheres, outros blocos de carnaval devem se unir ao evento. Ao longo de todo o mês de março, o Coletivo deve realizar reuniões, audiências públicas com integrantes de órgãos do poder judiciário e de segurança pública para tratar de ajustes nas medidas de combate ao feminicídio.

“É pela vida das mulheres!” 

O feminicídio também dá o tom do 8 de Março em São Paulo, região Sudeste do Brasil, levando às ruas o grito “É pela vida das mulheres!”. O estado registrou o maior número deste tipo de crime pela Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP). Só em 2024, foram 253 casos, um aumento de 14% em relação ao ano anterior. 

A mobilização feminista também levanta bandeiras em defesa da democracia, contra a fome, pela legalização do aborto, por salários dignos e contra a precarização do trabalho com a escala 6×1. Além disso, a marcha denuncia a violência policial, o racismo e o avanço da extrema direita.

A crise social e política também entra na pauta. Segundo Luiza Fegadolli, da coordenação nacional do Movimento de Mulheres Olga Benário, o ato de São Paulo “aprova uma plataforma que exige a prisão imediata de Bolsonaro e dos golpistas, repudia as privatizações e terceirizações promovidas pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) e pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), e denuncia os crimes de violência policial e o descaso com as enchentes nas periferias, como Pantanal e Brasilândia”. 

A concentração acontecerá às 14h de sábado (8), no vão livre do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), na Avenida Paulista, 1578. 

Nordeste: a fome é mulher, negra e de periferia

A marcha do 8 de março, organizada pelo Fórum de Mulheres de Pernambuco, em parceria com outros coletivos, grupos e movimentos de mulheres de Pernambuco, tradicionalmente realizada em Recife, este ano, ocorrerá em Olinda, na Região Metropolitana. A ideia é envolver o público, ainda ávido pela folia, na grande manifestação. O tema central deste ano é “Pela vida de todas as mulheres, por direitos, enfrentando a extrema direita e o capital”. 

A integrante da coordenação do Fórum de Mulheres, Jô Menezes, explica que a expressão “pela vida de todas as mulheres”, engloba desde a segurança alimentar até o enfrentamento ao feminicídio e ao transfeminicídio, além da luta de direito ao aborto.

“No Brasil, o aborto é permitido por lei em três situações, uma delas em casos de estupro, que afeta meninas e mulheres. No entanto, não tem sido fácil acessar. Ano passado, por exemplo, se tentou retirar esse direito com uma PEC”, explica. 

O arrastão do frevo pelos direitos das mulheres, que ocupa a cidade histórica de Olinda neste fim de semana, pede também tarifa zero no transporte público, fim da escala 6×1, moradia digna, combate à fome, entre outras pautas. As pautas estão no manifesto que orienta o evento.

Em Pernambuco, a fome é uma das principais preocupações do movimento. Segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF 2017/2018), do IBGE, 55% das famílias chefiadas por mulheres negras sofrem com a insegurança alimentar. Essas famílias representam sete em cada dez lares comandados por mulheres no estado. Embora a renda não seja a principal causa, ela tem um peso na fome que ronda os lares chefiados por negras, que possuem renda média per capita 25% menor do que homens brancos na mesma condição.

Meneses enfatiza a contradição que, muitas vezes, cerca as mulheres quando o assunto é segurança alimentar.

“A gente tá na agricultura familiar, as mulheres estão construindo alimentação saudável e, no entanto, às vezes, falta [comida] para as mulheres! Falar sobre soberania alimentar é importante para as mulheres”, defende. 

O município do Cabo de Santo Agostinho, a 35 km do Recife, é a sétima cidade em Pernambuco com o maior número de registros de casos de violência doméstica, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS). O local recebe, no próximo dia 11, mais uma edição da Caminhada do 8 de Março, promovida pelo Centro das Mulheres do Cabo (CMC). Este ano, o tema abordado é “Direitos, Igualdade, Empoderamento para todas as Mulheres e Meninas”. 

São esperadas centenas de pessoas na marcha que vai ganhar as ruas empunhando cartazes, faixas e palavras de ordem pelo fim da violência contra a mulher e a igualdade de direitos. Além de pedir por justiça, a mobilização cobra acesso a direitos básicos para as mulheres, detalha a coordenadora geral do CMC, Izabel Santos.

“Refletimos as condições de saúde, educação, emprego, segurança, renda e trabalho, em todos os âmbitos de uma vida mais digna para todas nós. Acreditamos que um mundo melhor se faz com igualdade de gênero e de direitos”, afirmou a feminista.

A concentração da Caminhada acontecerá em frente à Praça do Jacaré, a partir das 15h, no centro da cidade. O evento contará com a estreia da Batucada Feminista do CMC, um grupo formado por 15 jovens integrantes do projeto Novas Pérolas e guiado pela mestra Lua. 

O Norte e a Amazônia Feminista

Em Belém do Pará, o 8 de Março será celebrado por um evento político-cultural. Entre palavras de ordem e performances artísticas, as mulheres organizadas pela Frente Feminista Pará ganham as ruas do Centro, refazendo o tradicional trajeto do Círio de Nazaré. A manifestação traz o tema “Pela vida das mulheres, por justiça socioambiental, contra o fascismo, contra o racismo, Amazônia feminista.”

Em marcha, as mulheres lembrarão das vítimas palestinas – especialmente mulheres e crianças – afetadas pelos recentes conflitos com Israel e denunciarão a redução de verbas para programas básicos.

“Apesar de estarmos sob um governo que se identifica de esquerda, é um governo de frente ampla, que tem aliança com outros setores que atacam os direitos das mulheres. Observamos um retrocesso como a diminuição de verbas para programas de combate ao feminicídio”, critica Wellingta Macedo, uma das organizadoras do ato e integrante dos Movimentos Mulheres em Luta (MML) no Pará e Quilombo Raça e Classe. 

No contexto local, a marcha também destaca a qualidade da educação indígena, pauta que recentemente levou diversas etnias a ocuparem a Secretaria de Estado de Educação (Seduc), no Pará, em protesto contra a Lei 10.820/2024. A medida reduzia gratificações fixas concedidas aos professores que atendem aldeias indígenas, o que, segundo lideranças, inviabilizaria a ministração de aulas, que contam com tal recurso para deslocamento e outras despesas. 

Wellingta explica que “essa mobilização contou com mulheres e homens indígenas, que fizeram uma ocupação histórica e vitoriosa. A gente vai fazer o 8M deste ano sob o marco dessa vitória: a revogação da lei que atingiria o direito da educação indígena”, conclui.

A concentração para o Ato 8M no Pará acontece no Boulevard da Gastronomia, segue pelo Mercado Ver o Peso, passa pelo comércio e centro histórico de Belém e encerra na Avenida Presidente Vargas, em frente à Praça da República.

Agenda: 

Florianópolis (SC)

Agitação feminista com blocos, oficinas e panfletagem.

8 de Março | 10h – 13h

Largo da Alfândega

Marcha 8M 2025

10 de Março | Concentração às 16h | Saída às 18h

Praça Tancredo Neves (em frente ao Tribunal SC/ALESC)

Campo Grande (MS)

Bloco Sempre Vivas – Enterrando o Patriarcado

8 de Março | 15h

Esplanada Ferroviária, Av. Calógeras, 3143, Centro – Campo Grande

São Paulo (SP)

Marcha 8M

08 de Março | 14h

Avenida Paulista, no vão livre do MASP

Olinda (PE)

Marcha 8M  

08 de março | 15h

Mercado Eufrásio Barbosa 

Varadouro – Olinda (PE)

Cabo de Santo Agostinho (PE)

Caminhada do 8 de Março – Dia Internacional da Mulher 

11 de março | 15h

Praça do Jacaré – Cabo de Santo Agostinho (PE)

Belém do Pará (PA)

Ato 8M Pará

08 de março | 8h

Boulevard da Gastronomia

Esquina da Av. Presidente Vargas

Centro – Belém (PA)

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  • Adriana Amâncio

    Jornalista, com mestrado profissional em marketing digital. Possui 15 anos de experiência em assessoria de imprensa e re...

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    Repórter, produtora e podcaster dedicada a pautas sobre direitos das mulheres, violência de gênero, segurança pública e...

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