Por Paola Loureiro Carvalho*

Quando as mães precisam definir quem come e quem passa fome em suas casas, é sinal de que coisas muito erradas estão em curso neste país…

Uma das cenas mais tocantes que não sai da minha cabeça, entre as tantas de fome que os jornais já mostraram, é a de uma mãe que, conversando com um jornalista para falar sobre sua situação e sobre a falta de alimentos, diz que o pouco leite que tinha na geladeira, única comida da casa naquele dia, foi dado ao filho mais novo. Para o outro, um pouco maior, ela daria “um chá com a cidreira plantada no quintal”.

O olhar daquela mãe e o seu relato continuam ecoando na minha mente e me dão a certeza de que o único caminho digno para tirar as pessoas dessa situação de abandono, de fome e de miséria é a criação de uma renda básica universal. E não são poucos brasileiros nessa situação.

Estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), divulgado nos últimos dias, revela que praticamente metade da população brasileira, algo em torno de 117 milhões, vive algum tipo de insegurança alimentar. E a fome já é uma dura realidade para 19 milhões de pessoas, número que é quase o dobro dos que viviam essa situação em 2018. 

Mais uma vez, o que chama a atenção, além dos números superlativos, são as histórias por trás de cada um deles. Não são estatísticas, eu insisto, são pessoas que tinham sonhos e expectativas, muitas delas têm filhos. É sobre essas crianças que gostaria de fazer algumas reflexões neste texto. 

Combater a fome é uma necessidade urgente, sem dúvida, mas por trás desse pedido, existe a realidade de crianças que estão crescendo sem alimento suficiente e de qualidade para garantir um desenvolvimento minimamente saudável. 

Diversos estudos já comprovaram que a fome e a desnutrição têm impacto direto nelas, sendo a principal causa de morte. Além disso, têm efeitos cognitivos, sociais e emocionais profundos, que afetam a memória e a atenção delas. Nos dois primeiros anos de idade, esses danos são irreversíveis!

A desnutrição também afeta o sistema imunológico dessas crianças, pois deixa seus organismos mais vulneráveis a uma série de doenças. Além disso, comprometem o seu futuro, pois, ao crescerem, terão mais chance de desenvolver doenças cardíacas, obesidade e diabetes. 

A falta de comida em quantidade e de qualidade compromete o crescimento, o aprendizado e a capacidade de concentração. Crianças nessas condições mais facilmente abandonam as escolas porque não conseguem fixar o que aprendem e tornam-se adultos que vão sobreviver em subempregos e bicos.

Sem falar que ficam mais vulneráveis a todo tipo de exploração física e sexual, tornando-se presas fáceis de exploradores. O que não conseguimos mensurar são os sonhos interrompidos e a infância perdida. Quais os efeitos na personalidade delas de viver a fome de forma tão intensa e precoce? 

Portanto, a pergunta que fica é: a que tipo de futuro estamos condenando essas crianças que, junto com seus pais, passam fome agora? O que podemos fazer para interromper esse fluxo nefasto de sofrimento e de dor?

Passou da hora deste país enxergar suas mazelas e de realmente querer enfrentá-las com maturidade. O auxílio emergencial não é a solução, mas é um alento. Não nos patamares aprovados pelo governo, com três faixas de valores irrisórios de R$150,00, R$250,00 e R$375,00, que vão beneficiar, no máximo, 45 milhões de pessoas, a partir deste mês de abril. Um auxílio minimamente digno precisa ser no mesmo patamar oferecido no ano passado (R$ 600 e R$ 1.200 para mães-solo).

Vivemos uma crise humanitária sem precedentes neste país. A fome tem atingido nossa população, deixando marcas nos adultos, mas comprometendo o desenvolvimento de crianças e isso é de uma maldade que só fica maior quando sabemos, de acordo com levantamento feito pelo  Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), intitulado “Um país sufocado — balanço do Orçamento geral da União”, que o governo deixou de gastar R$ 80,7 bilhões do orçamento destinado a conter os efeitos da pandemia em 2020 e que sobraram mais de R$ 28 bilhões da verba destinada ao auxílio emergencial! 

Diante desses números sobram dúvidas. É a imperícia do governo, incapacidade administrativa ou apenas um profundo descanso de quem apenas enxerga números, mas não vê a realidade dos que engrossam as filas de quem não tem auxílio, renda ou perspectiva? 

Enquanto o governo brinca de governar, de administrar e de comprar vacinas, todos os dias, neste país, muitas mães precisam escolher entre o filho que vai comer e o que ficará sem comida…

*Paola Loureiro Carvalho é assistente social e diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica – uma das organizações integrantes da campanha,

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