Mulheres em todas as suas diversidades, junto a pessoas transmasculinas, não binárias e aliades, marcharam contra os discursos de ódio e violências, machistas, racistas, capitalistas, LGBTFóbicas e capacitistas, na Marcha Contra o Fim do Mundo, em 31 de julho, nas ruas centrais de Florianópolis (SC). Como parte da programação da 13ª edição do Fazendo Gênero, a marcha pautou a luta contra o fascismo, o colonialismo e em defesa da justiça climática, posicionando-se contra a exploração da vida e do meio ambiente. A manifestação reuniu ativistas, militantes e representantes dos estudos de gênero e feministas.
A concentração ocorreu a partir das 16h no Largo da Alfândega, com panfletagem, microfone aberto para movimentos sociais, performance e apresentações culturais. O bloco Africatarina compôs a programação de aquecimento, preparatória para a saída que ocorreu às 18h30, iniciando o trajeto pelas principais ruas do centro da cidade até retornar ao Largo.
Três locais de parada demarcaram os eixos centrais do evento. A Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) representou o eixo antifascista, com a participação do bloco Arrasta Ilha. Já o Largo da Catedral Metropolitana de Florianópolis – Nossa Senhora Do Desterro e Santa Catarina De Alexandria, pautou o eixo anticolonialista, com presença do Baque Mulher, e o Banco do Brasil da Rua Tenente Silveira, o eixo de justiça climática. A marcha foi encerrada com o batuque e as performances do bloco Cores de Aidê.
Por que as pessoas marcharam?
As motivações das participantes da marcha refletem a interseção de diversas lutas sociais. “Pelo fim da transfobia, do machismo e do patriarcado”, afirma a major Lumen Müller Lohn, primeira oficial trans da Polícia Militar de Santa Catarina.
“Eu estou na rua por dignidade, pelos direitos das mulheres e pela democracia”, afirma Carla Ayres, deputada federal (PT) por Santa Catarina e primeira vereadora lésbica de Florianópolis.
A luta indígena pela demarcação de terras foi destacada como essencial para o equilíbrio ambiental. Participantes enfatizaram que a violência contra as mulheres e a crise climática são questões urgentes que demandam ação.
Ingrid Sateré Mawé, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), ressaltou que, como povos indígenas que preservam 80% da biodiversidade do planeta, a demarcação das terras é fundamental para a justiça e equilíbrio ambiental. “A marcha foi um grito de resistência e um apelo para que a justiça e a sustentabilidade sejam prioridades. Por um futuro onde todas as vidas sejam respeitadas e a natureza preservada”.
Laura Parintintin, mulher indígena e pré-candidata a co-vereadora de Florianópolis pela Mandata Bem Viver (Psol), participou da marcha para protestar contra a Proposta de Emenda Constitucional 48/2023 e o Marco Temporal, que buscam restringir os territórios indígenas aos ocupados até a promulgação da Constituição. “Estou com minhas parentes que vieram de outros estados para lutar nesta marcha contra o genocídio dos povos indígenas”.
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A vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, a primeira mulher negra a ocupar o cargo, levou às ruas a campanha pela libertação de Sonia Maria de Jesus, uma mulher negra e surda que foi resgatada de trabalho análogo à escravidão na casa do desembargador Jorge Luiz de Borba e de sua esposa Ana Cristina Gayotto de Borba. “Eu marcho contra o racismo, eu marcho por Sonia Livre”, declara a vice-reitora. A placa “Sonia Livre”, em apoio à campanha, está exposta no auditório principal onde ocorrem as conferências do Fazendo Gênero.
A luta antirracista também se conectou à defesa da educação pública. “Estou na rua por todas as mulheres, e pela luta das mulheres negras e das professoras da educação básica”, enfatiza Maria Borges Antunes, professora da educação básica.
Cauane Maia, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conta que marcha por dias melhores e mais igualitários. “Marcho pela luta antirracista, pela igualdade de gênero, porque dias mulheres virão”.
O lenço verde, símbolo da luta pelo direito ao aborto na América Latina, se destacou durante todo o percurso do protesto. “Por justiça e liberdade reprodutiva para todas as pessoas”, exclama a advogada Mariana Prandini, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Jussara Gaspar, representante da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto e integrante da CIA Dramática do Rio Grande do Sul, assinalou que o aborto é um direito fundamental ao afirmar que “o meu corpo é meu direito”. Em sua performance, ela se apresentou como uma loba que aborta quando sente que é necessário, enfatizando a autonomia sobre seu próprio corpo.
Clara Wardi, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), acredita que a luta das mulheres está intrinsecamente ligada às questões dos territórios, das comunidades, do meio ambiente e às demandas por reconhecimento das diversidades de gênero e sexualidades. “Estamos aqui em luta também pedindo a legalização do aborto e é nessa direção que caminhamos”.
Lino Gabriel Nascimento dos Santos, da Marcha Trans de Florianópolis, conta que participa do Fazendo Gênero não apenas por ser parte importante de sua vida, mas também por ser um espaço de construção tanto para ele quanto para as pessoas transmasculinas. Ele apontou a importância de que esse evento seja realmente interseccional e que a luta seja inclusiva, abrangendo todas as pautas relevantes. “Que a gente lute de forma inclusiva por todas essas pautas”, convoca o representante da Marcha Trans de Florianópolis.
Bruna Benevides, presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), afirma que marcha contra as injustiças, todas as formas de violência e discriminação, e contra tentativas de silenciamento e apagamento.
“Marchei contra as tentativas de silenciamento e apagamento, contra o racismo, contra a misoginia e transfobia, e em defesa dos interesses coletivos que unem as mulheres para avançar uma agenda feminista interseccional por direitos, cidadania, dignidade e respeito”.
Sara Wagner York, do Coalizão T, movimento que amplifica a voz das pessoas trans, levou a luta do grupo na busca por mais direitos. “A gente quer mais, a gente quer ter direitos. Estou aqui marchando com essas mulheres porque pertenço a esse grupo que espalha tanto amor pelo mundo”.
Mirê Sanché, da Frente Trans de Florianópolis, pauta o direito de todas as mulheres — cis, trans, indígenas, negras, brancas e de todas as classes sociais. “Marcho pela vida de todas as mulheres, seja no campo, na cidade, nas florestas ou na luta”.
Fazendo Gênero 13
Maior seminário internacional de gênero no Brasil, a 13ª edição do Fazendo Gênero acontece de 29 de julho a 2 de agosto na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mais de 6 mil pessoas se inscreveram na edição que marca os 30 anos do evento.
Com o tema “Fazendo Gênero 13 contra o fim do mundo: anticolonialismo, antifascismo e justiça climática”, o evento ocorre em formato híbrido com quatro conferências, 45 mesas-redondas, 184 simpósios temáticos, 2 mil e 800 comunicações orais, 200 posters, além de uma tenda temática, feira de economia solidária, minicursos, oficinas e a Marcha Mundo de Mulheres.