Socióloga, consultora de projetos na Organização das Nações Unidas (ONU) e ativista dos movimentos feministas e LGBTI+, Carla Ayres, 34 anos, é candidata a deputada federal por Santa Catarina nas Eleições 2022 pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Mulher branca e cisgênero, atualmente é vereadora de Florianópolis: a primeira a lésbica e feminista a ocupar o cargo. Carla é a sétima candidata a responder ao questionário proposto pelo Catarinas para divulgar as candidaturas de mulheres comprometidas com a agenda política feminista, antirracista e LGBTinclusiva no estado. 

As entrevistas são publicadas diariamente por ordem de chegada.

Acompanhe a entrevista de Carla Ayres.

Conte sobre sua trajetória de vida/militância e quais motivações a levaram a disputar essas eleições.

Sou a vereadora mais jovem de Florianópolis na atual legislatura. Fiz doutorado em Sociologia Política na UFSC e atuei como consultora de projetos na ONU. Tenho um longo histórico de atuação nos movimentos sociais de feministas e LGBTI+, trabalhando pela garantia de direitos e implementação de políticas públicas para essas populações. Em Florianópolis, fui uma das fundadoras e presidenta da Acontece – Arte e Política LGBTI+, entidade que luta por direitos à população LGBTI+. Estou filiada ao Partido dos Trabalhadores desde os meus 16 anos e sou a primeira mulher eleita pelo partido para Câmara Municipal em nossa cidade, também sendo a primeira vereadora lésbica da capital catarinense e a primeira presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e da Promoção da Igualdade de Gênero da Câmara. Este é um ano decisivo para o nosso país, portanto, não poderia deixar de assumir mais esse compromisso. Além disso, Lula nos pediu pra que o Congresso Nacional tenha a cara do povo brasileiro, com mais mulheres, mais jovens, negros (as), indígenas e pessoas LGBTI+. Sou mulher, jovem e lésbica e quero estar ao lado do presidente Lula para reconstruir o nosso país e lutar pela nossa região, tendo em vista que há 20 anos a Grande Florianópolis não elege deputado (a) federal.

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Imagem: reprodução.

Você tem conseguido verba para a campanha? Como são divididos os fundos eleitoral e partidário entre as candidaturas? Você recebeu apoio e recursos do seu partido?

Fazer campanha sem recursos não é nada fácil, ainda mais quando temos outros candidatos (as) que contam com o apoio de setores que investem muito em uma campanha eleitoral, o que faz com que seja difícil chegarmos em mais pessoas. Por isso, para que nossa campanha possa chegar a cada canto de Santa Catarina, seja de forma física ou online, criamos uma “vaquinha’, onde recebemos contribuições que irão servir para produção de materiais, por exemplo. A divisão do fundo leva em conta diversas questões, nosso partido foi pioneiro na construção de candidaturas de mulheres, negras e negros e LGBTI+. A distribuição dos recursos ocorre de acordo com essas categorias e leva em consideração as potencialidades de cada candidatura. Neste sentido, recebemos recursos do Fundo Eleitoral destinados às candidaturas de mulheres e esse valor tem sido usado para viabilizar nosso trabalho ao longo das últimas semanas.

Quais as principais questões a superar hoje em relação à desigualdade de gênero? E quais suas propostas para resolver essa questão no cargo que você quer ocupar?

A desigualdade de gênero não se manifesta apenas na diferença salarial entre homens e mulheres que desempenham as mesmas funções. Ela está presente em vários aspectos do nosso cotidiano, afinal, vivemos imersas no machismo estrutural de uma sociedade patriarcal. Romper com essas estruturas opressoras não é uma tarefa fácil, mas temos lutado diariamente por isso.

A eleição de um número significativo de mulheres pode contribuir imensamente para reduzir essas desigualdades, afinal, uma bancada feminista nos parlamentos irá fortalecer e muito a nossa luta em defesa da igualdade e dos nossos direitos.

Dentre as principais questões a serem superadas, estão as diferentes formas de violência contra a mulher, a dificuldade de acesso às políticas de saúde integral, a negação aos nossos direitos sexuais e reprodutivos, a disparidade salarial entre homens e mulheres, o trabalho doméstico e voltado ao cuidado que não é remunerado, a falta de políticas que estimulem a sua autonomia financeira e a baixa representatividade nos espaços de poder e decisão. Superar esses desafios não é uma tarefa simples, mas é fundamental que esses debates ocorram na Câmara Federal e que políticas públicas já aprovadas no legislativo sejam regulamentadas e colocadas em prática no nosso país. Também será preciso propor novas políticas que atendam as demandas das mulheres, diante das transformações sociais do nosso tempo. Combater todas as formas de violência contra a mulher é o nosso ponto de partida.

Quais os principais temas a serem debatidos, hoje, em Santa Catarina e no Brasil? Quais propostas você apresenta para pautá-los?

A dificuldade no acesso à saúde tem se colocado como um dos temas mais emergenciais atualmente em Santa Catarina. Atualmente, há mais de 104 mil pessoas na fila de espera por uma cirurgia eletiva em nosso estado e se nada for feito, estima-se que essa fila possa chegar a 180 mil até o final do ano. As pessoas não podem esperar anos por uma cirurgia, porque além do sofrimento dos pacientes e de sua família, muitos inclusive morrem à espera desse atendimento, está o fato de que a demora pode agravar o problema.

Além da saúde, precisamos retomar os investimentos federais e Santa Catarina; concluir as obras do contorno viário, da BR-470 e da BR-163; duplicar a BR-282; ampliar a internacionalização dos nossos aeroportos para estimular o turismo em nosso Estado.

Ampliar o direito à moradia com a construção de habitações de interesse popular e da reestruturação do Minha Casa Minha vida e combater a fome e a miséria por meio de programas de distribuição de renda; e a retomada dos investimentos na prevenção de desastres ambientais.

No Brasil, o principal desafio hoje é o combate à fome e a miséria por meio da retomada do Bolsa Família atrelando a destinação de recursos à manutenção das crianças na escola e a garantia da vacinação em dia; a geração de emprego e renda por meio do estímulo ao desenvolvimento e da retomada das obras necessárias à infraestrutura do país e para a transição energética limpa; o combate ao desmatamento, por meio da reestruturação dos órgãos de controle e fiscalização, desmontados nos últimos anos; a retoma dos investimentos na educação, recompondo o orçamento das universidades e ampliando as políticas de permanência estudantil; e o combate à violência contra as mulheres, LGBTI+, população negra, indígenas e quilombolas.

Como você pretende atender as diferentes especificidades das mulheres, contemplando em seus projetos as mulheres negras, indígenas, lésbicas e mulheres trans?

Assim como fizemos em nosso mandato na Câmara Municipal de Florianópolis, na Câmara Federal buscaremos manter um diálogo aberto e constante com os diferentes setores e movimentos sociais do país e de Santa Catarina. Foi assim que criamos na Câmara Municipal o projeto de empregabilidade para pessoas trans, o projeto de combate à gordofobia e o de combate à pobreza menstrual. Esse diálogo precisa e será ampliado ainda mais, pois entendemos que uma deputada não representa apenas seu eleitorado, mas todo o conjunto da população, sobretudo as minorias que sofrem com a baixa representatividade nos espaços de poder e decisão.

Para as mulheres trans e lésbicas, por exemplo, defendemos a ampliação do serviço de processo transexualizador, seus direitos reprodutivos e o acesso à saúde integral. Também defendemos as políticas de combate ao racismo estrutural, de ações afirmativas e de geração de oportunidades às mulheres negras.

Também temos defendido a proteção dos povos indígenas e quilombolas e de suas demarcações territoriais. Vamos lutar pela reestruturação dos órgãos ambientais de fiscalização e proteção, como a Funai e o IBAMA. Essas são apenas algumas das ações e propostas que queremos levar e fortalecer na Câmara Federal, mas não temos dúvidas que muitas outras iniciativas irão surgir da articulação com os movimentos sociais e do diálogo aberto com essas mulheres. De nada adianta estar no Congresso, senão para ecoar as demandas que chegam dessas mulheres.

Na sua opinião, quais questões mais graves afetam as vidas da população LGBTQIA+. Quais suas propostas para enfrentá-las?

A violência é uma das principais dificuldades enfrentadas pela população LGBTI+. O Dossiê de Mortes e Violências de LGBTI+ divulgado neste ano pela ONG Acontece Arte e Política LGBTI+ aponta que entre 2000 e 2021, 5.362 pessoas morreram em função do preconceito e da intolerância. Entre 2020 e 2021, houve um crescimento de 33% no número de mortes violentas de LGBTI+. Combater toda essa violência é uma das nossas propostas prioritárias. Outra problemática, diz respeito ao preconceito e falta de oportunidades para essa população no mercado de trabalho, sobretudo para pessoas trans e travestis. Também precisamos avançar na garantia da saúde integral para a população LGBTI+ e o acesso ao processo transexualizador.

Por fim, também precisamos atentar para o fato de que não existem leis que preveem os direitos da população LGBTI+. Os poucos direitos conquistados por essa população foram conquistados através do Judiciário.

Dentre as principais ações que defendemos estão:

1 – Garantia dos direitos para a população LGBTI+;

2 – Produção e divulgação dos dados de violência contra LGBTI+;

3 – Recursos para ações LGBTI+;

4 – Ampliação do conceito de família;

5 – Saúde integral de LGBTI+;

6 – Ampliação do serviço de processo transexualizador;

7 – Direitos reprodutivos de lésbicas, bissexuais e pessoas trans;

8 – Capacitação e geração de empregos para LGBTI+.

E sobre as desigualdades raciais, quais suas propostas para superá-las?

Assim como a LGBTIfobia, o racismo é um problema estrutural do nosso país e combatê-lo é uma tarefa que precisamos pôr em prática diariamente no nosso país. A educação antirracista precisa fazer parte do nosso currículo escolar, com a valorização de autores(as) negros(as) e com a ampliação do ensino sobre a história da África. Na Câmara Federal, defenderemos as políticas de combate ao racismo estrutural, de ações afirmativas e de geração de oportunidades à população negra. O sistema de cotas mudou a cara das universidades, mas ainda precisamos avançar na garantia do acesso e permanência da juventude negra no ensino superior. Também precisamos assegurar as demarcações territoriais dos quilombos e valorizar sua cultura e conhecimentos ancestrais. Sob este aspecto, o Ministério da Cultura pode desempenhar um papel fundamental na valorização da cultura afro.

Também precisamos defender a reestruturação da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, por meio de um orçamento que assegure a realização de suas atividades no país. Por fim, precisamos rever a Política Nacional Antidrogas, que atualmente tem sido utilizada para criminalizar e encarcerar a juventude preta e periférica do nosso país.

Enquanto uma candidata feminista, como pretende atuar de forma a enfrentar os discursos reacionários que não admitem que as mulheres tenha autonomia plena sobre seus corpos, que acreditam na existência de uma “ideologia de gênero” e comprometem a implementação de políticas públicas, principalmente na área da educação, voltadas à equidade de gênero?

Os anos de militância no movimento feminista me ensinaram muito sobre resistência e sobre como enfrentar o machismo e a misoginia. Também aprendi muito durante o exercício do mandato na Câmara Municipal de Florianópolis. Levo na bagagem essas experiências para fazer valer nossas vozes e nossas pautas na Câmara Federal. Jamais tive medo de expor minhas convicções e é essa coragem, somada a certeza de que não estarei sozinha, que me move. Não hesitarei em pautar as discussões e projetos que entendo serem importantes para assegurar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, bem como, pela ampliação do acesso ao aborto legal. Também irei defender de forma enfática a ampliação do conceito de família e da discussão de gênero em sala de aula. Faremos essas defesas em plenário e em todos os espaços onde for possível pautar esses debates na Câmara Federal. O discurso reacionário não me intimida e nós iremos reassumir o controle da discussão sobre esses temas.

A sua plataforma política prevê o incentivo à participação da sociedade na discussão e elaboração de políticas públicas. De que forma?

Sem dúvidas. Enquanto vereadora, na Câmara Municipal de Florianópolis, na Câmara Federal sempre buscamos manter um diálogo aberto e constante com os diferentes setores da nossa cidade. Dialogamos de forma muito intensa com movimentos sociais, ONGs, associações, sindicatos, lideranças comunitárias e com a população em geral. Acredito, inclusive, que esta foi uma das marcas do mandato que temos realizado. O fluxo de mensagens que recebemos diariamente na Câmara Municipal é extremamente intenso e na medida do possível buscamos dar encaminhamentos e respostas da forma mais ágil possível. Na Câmara Federal isso não será diferente, pois é justamente esse diálogo e contato com a sociedade que justifica estarmos nestes espaços políticos. Alguns dos projetos que apresentamos na Câmara federal foram construídos por meio de muita conversa e diálogo com os movimentos sociais. Foi assim com projetos como os de combate à pobreza menstrual, de incentivo à pesquisa e distribuição de medicamentos à base de cannabis na rede pública de saúde, de combate à gordofobia, de combate às mudanças climáticas, de empregabilidade para a população trans, e o que vedava a exigência da certidão negativa de débitos com entes federativos e a retenção de descontos no pagamento de recursos emergenciais ao setor cultural. Todos estes projetos partiram de uma série de reuniões e conversas com os movimentos sociais da nossa cidade. Agora, queremos fortalecer ainda mais esse diálogo com os movimentos sociais de Santa Catarina e do Brasil.

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