Anielle Franco recebeu com felicidade o convite para integrar a equipe de transição de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas ciente da responsabilidade que lhe aguardava após os retrocessos nas políticas públicas promovidos pelo governo não reeleito. A diretora executiva do Instituto Marielle Franco está no grupo técnico responsável pelo tema Mulheres. 

Os grupos de trabalho do novo governo têm o objetivo de realizar um diagnóstico geral sobre os últimos anos, desde o golpe na presidente Dilma Rousseff, em 2016, até o fim do governo Bolsonaro. A intenção é pensar e apresentar propostas para o próximo governo. Na quarta-feira (30) foi entregue um diagnóstico preliminar. A recriação do Ministério das Mulheres é uma das demandas do grupo. 

Um relatório final deve ser apresentado até a primeira quinzena de dezembro, com sugestões de normas em vigor que podem ser revogadas, propostas de ações e políticas para os primeiros 100 dias de Lula à frente da Presidência, além de análises dos programas que foram descontinuados.

Cria do Complexo da Maré, conjunto de comunidades na Zona Norte do Rio de Janeiro, Anielle tornou-se uma voz expoente na luta pelos direitos das mulheres negras e periféricas. Para ela, a nomeação foi uma espécie de reconhecimento pelo trabalho realizado pelo instituto que leva o nome de sua irmã, a ex-vereadora Marielle Franco, cujo assassinato em 2018 segue ainda em investigação. 

“Importante ressaltar que não adentro a equipe de transição sozinha, chego com o legado de Marielle e com a trajetória das mulheres negras. Isso mostra que somos muito maiores que qualquer discurso de ódio, desinformação e violências”, escreveu no twitter.

Na postagem, ela destacou a importância de mulheres e pessoas negras ocupando espaços de decisão. Vale lembrar que a sub-representação de pessoas negras em áreas estratégicas da equipe de transição gerou uma série de críticas conforme o anúncio dos nomes a integrarem as equipes. 

“Também é importante que nós, mulheres e pessoas negras, estejamos em todos os espaços de decisão de forma transversal. Somos qualificadas para estar em todos ministérios e secretarias. Vamos construir o Brasil do futuro, da esperança, para todas, todes e todos”, completou Anielle na rede social.

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Anielle Franco | Crédito: reprodução.

Integram a mesma equipe a economista Roseli Faria; Roberta Eugênio, mestre em direito, pesquisadora do Instituto Alziras e ex-assessora de Marielle Franco; Maria Helena Guarezi, ex-diretora de Itaipu; Eleonora Menicucci, ex-ministra da Secretaria de Política para Mulheres e Aparecida Gonçalves, ex-secretária Nacional da Violência contra a Mulher. Poucos dias após ser anunciada na equipe de transição, Anielle conversou brevemente com o Catarinas. 

Qual o balanço que você faz desse último ano do governo Bolsonaro, estando à frente de um instituto tão engajado politicamente, especialmente nas eleições? 

O balanço que eu faço desse último ano do governo Bolsonaro é um balanço de desmonte. Desde quando ele entrou, em 2018, ele nunca escondeu o projeto político que ele tinha em curso. Não só ele, mas também todo mundo que o acompanhava.  Então, o sentimento que predomina hoje em mim é a esperança.

Por mais que a gente tenha vencido apertado, é um sentimento de que agora temos uma visão de futuro, uma visão de coletividade. Podemos caminhar para dias melhores no Brasil.

Porém, não acho que devemos ignorar esse eleitorado de 58 milhões de pessoas que votaram nele. Agora é tentar chamar para o diálogo aqueles que se dão ao respeito, que conseguem conversar conosco. Meu sentimento é de esperança para o futuro, mas também entendo que a gente tem muito trabalho pela frente, muito mesmo. 

Como recebeu a notícia de que integraria a equipe de transição de governo? Como pretende contribuir?

Eu recebi a notícia pelas próprias pessoas que estão comandando a transição. Então, foi um sentimento de felicidade, de reconhecimento de trabalho, de saber que tem uma simbologia por tudo que a gente tem feito aqui no Instituto Marielle Franco e saber que o nosso trabalho está sendo reconhecido. Eu pretendo contribuir com muitas pautas, com o meu currículo, minha experiência de vida, mas principalmente trazendo o foco para as mulheres negras, mulheres trans, mulheres de favela, mulheres pobres, mulheres da periferia. Recortes que me atravessam diretamente por conta da minha história. 

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Anielle ao lado da estatua construída em homenagem à Marielle Franco no Rio de Janeiro | Crédito: reprodução.

Quanto às pautas raciais, o que você observa de mais urgente? Quais as principais preocupações para esse próximo governo?

É muito difícil falar o que é mais urgente agora. Sei que as mulheres negras estão ali na base da pirâmide, que a gente precisa, cada vez, mais impulsioná-las, dar condições de vida. Como a gente fala dentro do movimento de mulheres negras, cuidar do bem viver dessas mulheres. Enfim, tem muita coisa que eu sonho ainda em ver nesse país, principalmente a partir do nosso trabalho, a partir de tudo que a gente tem feito a partir do Instituto Marielle Franco

E o que você sonha para o Brasil daqui para frente?

Eu tenho sonhado com um Brasil em que a gente não chore tanto as mortes do nosso povo preto. Tenho sonhado com um Brasil que descubra quem mandou matar a Marielle, eu tenho sonhado com o Brasil que tenha mais dos nossos, das nossas no poder, um Brasil que olhe para o povo que está sofrendo, que está com fome, que está desempregado.

Sonho com um país onde não haja mais choros e raiva, mas que tenha de fato políticas públicas de qualidade. Que a gente possa olhar e falar “Caramba. Agora sim acho que está dando certo!”.

Eu espero que nesse processo de transição possamos contribuir para políticas públicas mais eficientes para as mulheres. Que a gente possa olhar para tudo o que há de mais urgente.  

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  • Kelly Ribeiro

    Jornalista e assistente de roteiro, com experiência em cobertura de temas relacionados a cultura, gênero e raça. Pós-gra...

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