Familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes, e representantes da Anistia Internacional, apresentaram dossiê sobre o caso em entrevista coletiva online na manhã desta sexta-feira (12).

“Por que até agora a Google não entregou os dados solicitados pelo MPRJ e a Polícia Civil para a investigação? Por que houve tantas trocas no comando da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, responsável pela investigação do caso Marielle?”, essas duas perguntas estão entre as 14 apresentadas no dossiê “Caso Marielle e Anderson: 3 anos de luta por justiça”, elaborado pelo Instituto Marielle Franco.

::Veja a programação colaborativa para o 14 de março::

Às vésperas de completar 3 anos do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro e do motorista Anderson Gomes, o documento publicado no site www.casomarielleeanderson.org foi lançado durante entrevista coletiva, na manhã desta sexta-feira (12), com participação da família de Marielle Franco, da companheira de Anderson Gomes – Agatha Arnaus, e de representantes da Anistia Internacional.

Imagem: Dossiê

A diretora do Instituto, Anielle Franco (irmã de Marielle Franco), afirmou que a família tenta se reunir com o governador do Rio de Janeiro, mas ainda não teve nenhuma reposta. “É com muita dor e forte senso de justiça que falo sobre esses três anos sem repostas […] Percebemos o quanto a investigação do caso passou por dezenas de mudanças e o quanto, mesmo após três anos, a gente não consegue uma resposta sobre o mandante do crime e a motivação real para o crime tão grave, brutal e bárbaro. Três anos é um tempo constrangedor para as autoridades brasileiras que ainda não encontraram a resposta […]”.

E continuou: “Hoje, milhões de pessoas falam o nome da Mari, evocam a sua luta, lembram a sua trajetória, cobram justiça para ela e Anderson. Mas as autoridades brasileiras têm um verdadeiro atestado de incompetência na resolução de crimes contra defensores de direitos humanos, e mulheres, e pessoas negras de todo o Brasil. O Brasil não pode ser visto como exemplo de impunidade para casos de violência política contra as mulheres ”.

Anielle Franco ao lado dos pais e da filha de Marielle Franco, durante entrevista coletiva.

O documento publicado no site www.casomarielleeanderson.org destaca ainda a linha do tempo dos principais acontecimentos do caso, que começa no dia do assassinato em 14 de março de 2018, e termina neste mês, março de 2021, quando a polícia passou a trabalhar com tese de complô entre mandantes e intermediários na morte de Marielle.

De acordo com a linha do tempo, baseada na reportagem da Revista Veja, a polícia mudou a hipótese de motivação: o crime poderia se tratar de uma vingança contra o PSOL, partido de Marielle e de seu amigo pessoal, o deputado federal Marcelo Freixo. Em 2008, o deputado presidiu a CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mais de 200 pessoas foram indiciadas, entre deputados, vereadores, PMs e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense, Álvaro Lins. Marielle era assessora de Freixo na época, mas não atuou diretamente nesta comissão.  

Anielle Franco assinalou que as eleições de 2018 e 2020 impactaram o caso pela mudança de cenários nos âmbito federal e municipal. “Tivemos muitas conquistas com as eleições de mulheres negras, com o aumento de representantes que se inspiraram na luta da Mari. Por outro lado, é inegável que a eleição de Bolsonaro e Wilson Witzel trouxe insegurança para o andamento das investigações e desconfiança sobre as instituições. Os discursos de ódio, os ataques que a gente vem sofrendo, desinformações e as fake news, tudo isso constrói um cenário que dificulta as investigações”.

Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, também analisou que o ambiente político não colabora para a resolução do caso. “A gente espera uma investigação séria, imparcial e baseada em padrões internacionais. Esperamos que a força tarefa e todas as autoridades envolvidas, incluindo o governador e procurador geral de justiça, zelem pela imparcialidade, seriedade e celeridade, porque três anos é tempo demais”, enfatizou.

Imagem: Dossiê

Durante esses três anos, a Anistia Internacional Brasil, movimento que defende os direitos humanos, já mobilizou, por meio de uma petição, mais de 1 milhão de pessoas no Brasil e no mundo. Essas assinaturas serão entregues, junto com representantes do Instituto Marielle Franco, para o governador em exercício Claudio Castro e para o procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Luciano Mattos.

“Estamos demandando nestes três anos que as autoridades sejam transparentes. As autoridades respondem que é um caso complexo, mas o que quer dizer isso? É complexo por que o Brasil não tem o costume de investigar o assassinato de ativistas, é complexo por que o Brasil não sabe como garantir justiça para esses números incontáveis de assassinatos de ativistas e de cidadãs e cidadãos no Brasil?”, questionou Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

“É complexo por que três anos não é tempo suficiente para superar essa complexidade? Hoje vamos levar para o novo governador e para o novo procurador geral esse um milhão de assinatura, que mandam diferentes mensagens. O mundo inteiro está ao nosso lado por justiça, para que o Brasil vire a página desse campeonato terrível de assassinato de ativistas. Uma oportunidade de as autoridades prestarem conta ao Brasil e ao mundo”, acrescenta Werneck.

Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, durante coletiva.

A quem Marielle incomodou?

Reunidas durante a coletiva, a família demarcou o ato político de cobrar respostas das autoridades pelo terceiro ano consecutivo desde o assassinato. “Estamos mais uma vez vindo para cobrar das autoridades mais empenho. Três anos é muito tempo para que não se chegue a saber quem são os mandantes dessa barbárie. […]Nossas dores são profundas, não há como mensurar a dor de uma mãe que passa por uma situação dessa, Marielle foi morta sem nenhuma defesa [..] Falta muito para gente chegar aonde a gente quer, onde a gente precisa que é saber quem são os mandantes do crime”, colocou Marinete da Silva, mãe da vereadora.

Conforme assinala mãe de Marielle Franco, o caso é tratado por autoridades internacionais com mais seriedade do que governos brasileiros. “Marielle, hoje, é um símbolo de resistência no mundo. Vários países estão se juntando a nós neste 14 de março, é um marco que nunca vai ser esquecido, é uma história de uma mulher que vem da periferia e chega no topo para fazer o que a gente queria que ela fizesse, que os eleitores e o mundo esperavam dela. É fundamental que a gente mantenha isso de uma maneira lúcida e coerente para que se chegue a saber quem são, o que Marielle incomodou, o que ela fez para ela ter uma morte tão trágica”.

Mudanças das autoridades durante investigação

Jurema Werneck falou sobre as mudanças de autoridades e responsáveis pela investigação durante esses três anos de espera. “Destaco que em todos esses três anos foram três governadores, dois procuradores gerais de justiça, três delegados e três promotores. Entre os responsáveis pela segurança pública no Rio de Janeiro foram cinco trocas desde a extinta secretaria de Segurança Pública até a atual secretaria de polícia, três anos que a gente pergunta: quem mandou matar Marielle e Anderson e por quê?”.

“É inadmissível que a gente ainda não tenha a solução definitiva deste caso. Que a gente não tenha por parte das autoridades do Rio de Janeiro e do Brasil uma comunicação clara sobre violência e assassinato de pessoas que lutam por justiça, liberdade, direitos”, denunciou Jurema Werneck.

A diretora executiva da Anistia Internacional Brasil também explicitou o processo de silenciamento que as autoridades brasileiras estão imputando ao caso. “Marielle foi a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, assassinada em pleno exercício do mandato, no centro da cidade. É inadmissível não haver respostas competentes. É preciso que as autoridades venham a público dizer quais são as suas dificuldades”, disse.

Ela lembrou que o Brasil é o terceiro país que mais mata defensoras/es de direitos humanos. “Surpreende o silêncio das autoridades. Essa demora é inexplicável para quem não vive no Brasil. O mundo inteiro quer saber uma resposta, acompanha a história e a luta. A mensagem que passa ao mundo é que não é à toa que o Brasil é o 3º país que mais mata pessoas que lutam”, afirmou.

“Enquanto esse crime brutal não for resolvido, ninguém está seguro, porque a mensagem que está sendo passada é de impunidade. Impunidade torna a vida de quem luta por justiça mais ameaçada”, Jurema Werneck.

“A gente fica pensando se vai chegar mesmo a uma resposta sobre os mandantes, eu confesso que a esperança não morre, mas as coisas vão caminhando e a gente vai recebendo notícias, e vai duvidando das instituições e das buscas […] Até pela pandemia também, eu fico com a sensação de que ficou muito parado, estamos sem respostas há muito tempo, três anos é tempo demais […] Espero que a gente tenha essa resposta logo”, assinalou Agatha Arnaus, companheira do motorista Anderson Gomes.  

Instituto Marielle Franco

Imagem: site do Instituto Marielle Franco

Anielle Franco explicou que o Instituto Marielle Franco é uma organização sem fins lucrativos, criada pela família de Marielle, com a missão de inspirar, conectar e potencializar mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas a seguirem movendo as estruturas da sociedade por um mundo mais justo e igualitário. “Embora tenhamos um número satisfatório, a gente ainda não tem um número que nós gostaríamos de ter de mulheres negras ocupando a política, como minha irmã dizia, uma vez que essas mulheres ocupem esses espaços: quem cuida dessas mulheres para que não venham a ser outra Marielle?”.

Imagem: dossiê

14 perguntas sem respostas

Sobre “O Crime” – Armas, munição e carro:
1 Quem mandou matar Marielle?
2 Qual a motivação do mandante do crime?
3 Por que ainda não se avançou na investigação sobre a autoria intelectual do crime?
4 Qual é a ligação do responsável pela clonagem do carro com o crime e o grupo de milicianos ligado a Adriano Nóbrega e o Escritório do Crime?
5 Qual é a conclusão das investigações sobre o extravio das munições e armas da Polícia Federal usadas no crime?
6 Quem desligou, como e a mando de quem as câmeras de segurança do trajeto que Marielle e Anderson percorreram não estavam funcionando?

Sobre “A investigação”:
7 Por que não existe uma atuação coordenada das instâncias em níveis estadual e federal sobre a elucidação do caso de Marielle e Anderson?
8 Por que até agora a Google não entregou os dados solicitados pelo MPRJ e a Polícia Civil para a investigação?
9 Por que houve tantas trocas no comando da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, responsável pela investigação do caso Marielle?
10 Houve tentativa de fraude nas investigações? Por quem?
11 Foi aberto um inquérito pela Polícia Federal para apurar as interferências na investigação do caso. Por que em meio a estas investigações, o superintendente regional da Polícia Federal do Rio de Janeiro foi trocado?
12 O presidente Jair Bolsonaro informou que Ronnie Lessa foi ouvido pela polícia federal sobre o caso do porteiro. Este interrogatório foi entregue ao Ministério Público e à Polícia Civil do Rio de Janeiro?

Sobre “A atuação de órgãos externos”:
13 Por que o governo brasileiro não forneceu todas as informações demandadas pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas?
14 Por que as recomendações da Comissão Externa realizada no âmbito do Congresso Nacional no ano de 2018 ainda não foram implementadas?

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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