Mulheres e crianças desabrigadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul vão poder contar com abrigos exclusivos. Atualmente, dois desses abrigos já estão em funcionamento nos bairros Vila Nova e Independência, em Porto Alegre, enquanto outros dois serão estruturados nos municípios de Alvorada e Canoas. Além disso, há a expectativa de que mais abrigos sejam abertos em breve, ampliando a rede de assistência. A ação faz parte de uma parceria entre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos e governos estadual e federal.

Paralelamente, órgãos estaduais e federais, assim como o Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres e organizações feministas, trabalham em um protocolo emergencial de atendimento a meninas e mulheres afetadas. Em reunião com o Ministério das Mulheres, organizações denunciaram casos de abuso sexual ocorridos nos abrigos, que atualmente acolhem mais de 67 mil pessoas, de acordo com dados da Defesa Civil

De acordo com Samsara Nyaya Nunes, subsecretária adjunta na Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, nos espaços exclusivos haverá atendimento da equipe multidisciplinar do Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRM).

“Teremos médicas, assistentes sociais, enfermeiras, seguranças, psicólogas e advogadas que vão estar disponíveis para fazer atendimento dentro dos espaços. Nos abrigos há salinha para criança, berçário e brinquedoteca. Bem tranquilo e calmo, com menos pessoas. É um piloto que estamos fazendo em Porto Alegre e os próximos seguirão nesses modelos”, relata a entrevistada.

Nunes explica que as mulheres receberão convites para se mudarem dos abrigos mistos para os exclusivos, porém, ressalta que nenhuma delas será obrigada a fazê-lo. A estimativa de estruturação de novos espaços é entre 48 e 72 horas.

Abrigo em Canoas, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, foi divulgado na tarde desta quinta-feira (9) nas redes sociais pela médica e influencer Marcela Mc Gowan. O projeto tem apoio do Instituto Survivor e do Me Too Brasil. “Para conseguirmos garantir mais privacidade e segurança para essas mulheres e crianças”, justificou em um vídeo publicado

“Agora vamos fazer uma busca ativa nos outros abrigos e oferecer que as mulheres venham para cá, podemos receber até cem mulheres e crianças”, explicou a também médica e influencer, Thelma Assis, sobre o projeto também nas redes sociais.

São mais de 165 mil pessoas desabrigadas por conta da emergência climática que atinge 425 municípios do Rio Grande do Sul. Nem todas estão em abrigos, algumas foram para casas de parentes ou deixaram as cidades.

Denúncia ao Ministério das Mulheres

Na última terça-feira (7), cerca de 40 pessoas de movimentos sociais participaram de uma reunião com a Ministra Cida Gonçalves. Nela, voluntárias que atuam na linha de frente de atendimento às desabrigadas denunciaram o abuso contra crianças e mulheres nos abrigos. Segundo as organizações, a situação piora durante a noite, pela falta de luz. 

“Tem denúncias de abusos inclusive durante salvamentos, assim como assaltos e várias coisas absurdas que estão acontecendo, não bastasse a catástrofe climática”, relata ao Catarinas, Fabiane Dutra, presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e União Brasileira de Mulheres (UBM-RS).

Ao Brasil de Fato, Télia Negrão, jornalista e integrante do Levante Feminista contra o Feminicídio, relatou denúncias de mulheres que, quando resgatadas, foram deixadas em beiras de estradas, assaltadas e estupradas. Na noite de quarta (8), quatro homens foram presos suspeitos de abusar de menores de 18 anos em abrigos da região metropolitana de Porto Alegre.

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Abrigo em São Leopoldo (RS) | Crédito: Thales Renato / Midia NINJA.

Conforme Fabiana Dutra, a ministra Cida Gonçalves foi quem procurou o conselho para compreender se havia uma articulação conjunta e quais as demandas específicas das mulheres. Após o encontro, a ministra comprometeu-se a visitar as áreas mais afetadas e a realizar uma reunião pública para ouvir as necessidades das vítimas. Além disso, assumiu compromisso de estabelecer um protocolo emergencial contra violências de gênero e de criar uma rede de apoio, com especialistas para ajudar na reconstrução das vidas afetadas.

“As mulheres são mais atingidas nas tragédias ambientais e estamos trabalhando para que todos os direitos estejam garantidos”, publicou o Ministério em uma rede social após o encontro.

Protocolo de emergência 

Na quarta-feira (8), um Comitê de Crise foi criado pelo governo estadual, instituições e movimentos sociais para coordenar e acompanhar o atendimento específico às mulheres, incluindo a criação de um protocolo, como já havia sido discutido no encontro com a ministra. Nesta quinta (9), a proposta do protocolo foi encaminhada ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e à ministra das Mulheres.

“O protocolo aborda três eixos: salvamento com segurança, acolhimento na perspectiva de gênero e na defesa de direitos”, explica Télia Negrão, fundadora do Coletivo Feminismo Plural, que está à frente da coordenação da elaboração do documento.

Conforme a jornalista, o protocolo é baseado em documentos existentes, mas tem especificidades sobre como proceder na atenção às mulheres neste momento de emergência climática para evitar maiores violações de direitos, semelhante às iniciativas adotadas durante a pandemia de Covid-19. “Nós acreditamos que nenhuma mulher deve sofrer desproporcionalmente nas situações de crise, sejam quais forem”, defende.

Integrantes das organizações Coletivo Feminino Plural, Themis, Querela Jornalistas Feministas e da campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio participaram da elaboração do documento. O protocolo enfatiza que nas crises ambientais e sanitárias e em guerras, que em geral produzem uma crise humanitária, as mulheres sofrem desproporcionalmente em razão da cultura patriarcal que as penaliza.

Mulheres estão na linha de frente

Dezenas de organizações e movimentos sociais atuam em apoio às vítimas da crise climática. “A gente não para, está trabalhando 20 horas por dia, porque a situação é terrível, para dar conta da demanda”, descreve Eriane Pacheco, do Coletivo Preta Velha, que trabalha com recebimento e entrega de doações. Muitas das organizações são lideradas por mulheres.

Quando as coordenadoras da Emancipa Mulher visitaram os abrigos no início desta semana perceberam uma demanda específica sobre absorventes. “Estava faltando absorventes, então iniciamos uma campanha para arrecadar dinheiro, fizemos a compra e distribuímos nos abrigos”, relata Carla Zanella, uma das coordenadoras do projeto.

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Crédito: reprodução.

A atuação do Emancipa Mulher também ocorre por meio da produção de refeições e doação de outros itens, conforme a demanda. “Por exemplo, na Ocupação Periferia no centro de Porto Alegre, no início levamos doações de água e bolacha para as crianças, mas na segunda eles infelizmente tiveram que desocupar pelo avanço da água. Fomos lá com toalhas e cobertores para ajudar na desocupação”, compartilha.

Também há quem seja voluntária sem estar ligada diretamente a uma organização. Cris Machado, Consultora de Lactação, conta que começou a se organizar já nas primeiras previsões de enchentes. “Comecei uma pequena ação entre amigos para comprar coisas imediatas para alguns abrigos que eu estava ajudando, como colchões. Acabei me direcionando para as áreas da saúde e tenho atuado como volante, vou nos postos de saúde montados nas regiões de resgate para ajudar profissionais da saúde a conseguir os insumos que necessitam”, conta.

Nas enchentes de setembro do ano passado, Machado também atuou como voluntária e usou a experiência de 2023 para ajudar nas ações deste ano. “Dez dias depois da tragédia de 2023, eu fui para Muçum, município a 303 km da capital do estado, e levei uma quantidade incrível de doação de roupa íntima limpa, que foi um pedido da força nacional, afinal as pessoas não doam roupas íntimas ou se doam, doam roupa íntima suja”, recorda.

Além do trabalho realizado nos abrigos, as organizações também prestam assistência aos desabrigados que estão em casas de parentes e a toda a população atingida indiretamente pela tragédia, como trabalhadores informais que estão sem renda. Cintia Barenho, da Periferia Feminista e Marcha Mundial das Mulheres, atua no Morro da Cruz, ponto mais alto de Porto Alegre, que não foi atingido pela enchente e recebe refugiados climáticos.

“São famílias em vulnerabilidade social que estão recebendo os seus parentes. Têm casas com mais de 10 pessoas sendo abrigadas, ou seja, há uma ampliação da pobreza vivida por essas famílias”, aponta Barenho.

Organizações do Morro da Cruz trabalham na arrecadação de alimentos para distribuição e produção de refeições na cozinha solidária. “Também recebemos doação de água, que é um direito humano e está em escassez no município. Montamos essa rede de solidariedade para chegar nessas famílias, porque muitas só saíram com a roupa do corpo e chegaram no Morro”, fala a integrante da Periferia Feminista.

Apoie organizações do Rio Grande do Sul

Emancipa Mulher

Pix | e-mail: [email protected] 

Periferia Feminista

Pix | e-mail: [email protected]

Coletivo Preta Velha

Pix | CNPJ: 47083953000124

Frente solidária a luta das mulheres indígenas

Pix | CPF: 001.787.150-69

Ajuda Trans

Pix | e-mail: [email protected]

Movimento Negro Unificado Santa Maria

Pix | Telefone: 55 991381717

Ajuda para famílias com autismo

Pix | Telefone: 48 99912-9109

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