Por unanimidade, conselheiras e dos conselheiros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aprovaram o reconhecimento do “Ofício, Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais do Brasil” como Patrimônio Cultural do Brasil. A aprovação ocorreu durante a 104ª Reunião do Conselho Consultivo do órgão, que ocorreu em 9 de maio. O bem será inscrito no Livro de Registro dos Saberes.

“É uma mensagem do conselho de que política patrimonial também diz respeito à saúde, ao cuidado e ao bem-estar. Os saberes do nascer e cuidar da saúde também fazem parte da nossa memória e precisam ser valorizados”, avalia Elaine Müller, antropóloga e integrante da equipe do Museu da Parteira, em conversa com o Catarinas.

Em dossiê produzido por pesquisadores do Iphan e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2021, para instrução do processo de registro, as parteiras tradicionais são descritas como “mestras do ofício do partejar, detentoras de um repertório de saberes e práticas acerca de todas as etapas da gestação (pré-natal, parto e pós-parto)”.

“A sociedade desvaloriza os saberes tradicionais, outras formas de cuidar, de perceber o corpo, parto e a medicina. A decisão do Iphan é uma reparação histórica e um reconhecimento para as parteiras e, talvez, uma forma de acessar políticas públicas”, descreve Júlia Morim, antropóloga e integrante da equipe do Museu da Parteira, ao Catarinas.

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Crédito: Acervo Museu da Parteira.

O Iphan irá escrever o novo patrimônio no Livro de Registro dos Saberes, ao lado de outros bens culturais imateriais já patrimonializados, como o Ofício das Baianas de Acarajé, os Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal e o Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira.  

Para a antropóloga, o reconhecimento dos saberes das parteiras como Patrimônio Cultural pode impulsionar a aceitação de novos saberes que vão além do senso comum do que seria a cultura popular. “Abre para debate outros processos que estão correndo, como das benzedeiras e da Ayahuasca”, exemplifica.

Processo

O pedido de Registro dos Saberes e as Práticas das Parteiras Tradicionais do Brasil foi realizado em 2011 pela Associação de Parteiras Tradicionais de Caruaru, Grupo Curumim, Instituto Nômades e Associação de Parteiras Tradicionais de Jaboatão dos Guararapes.

A solicitação ocorreu após a realização do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) dos Saberes e as Práticas das Parteiras Tradicionais de Pernambuco, coordenado pelo Instituto Nômade, de 2008 a 2011. “O documento foi feito em seis municípios e três etnias indígenas do estado, mapeamos mais de 200 parteiras”, explica Júlia Morim. O inventário destacou a antiguidade do ofício, a oralidade como forma de transmissão, a inserção comunitária e a desvalorização dos saberes tradicionais.

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Crédito: Acervo Museu da Parteira.

“Na época houve uma avaliação inicial que considerou que o registro não era pertinente, pelo receio de misturar saúde com patrimônio. O processo foi arquivado, reaberto em 2015 por uma motivação política e em 2018 a deputada Janete Capiberibe abriu um recurso para que fosse feita uma pesquisa nacional”, recorda Müller.

Assim, além do inventário focado em Pernambuco, o trâmite também passou por etapa de avaliação de pertinência pela Câmara Técnica do Patrimônio Imaterial do Iphan, instrução do processo com realização de pesquisa documental e bibliográfica sobre todo o país, além de pesquisa etnográfica nos estados de Amapá, Amazonas, Maranhão e Goiás, para complementar os dados de Pernambuco.

“A gente entregou o material em 2021 para um conselho consultivo com as condições de fazer uma leitura adequada. É um conselho mais popular, formado por quilombolas, indígenas e representação popular. Na cerimônia, percebemos que as e os membros entendem nos próprios corpos a importância das parteiras tradicionais”, aponta Müller.

Parteiras

Segundo o dossiê produzido pelo Iphan e UFPE, as parteiras atuam com uma ideia de atendimento contínuo, integral e holístico, que não atende apenas às gestantes, puérperas e crianças, como também a outros membros da comunidade. 

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Crédito: Acervo Museu da Parteira.

“Ela se torna uma referência e uma liderança para além da saúde. Elas se descrevem como psicólogas, advogadas, promotoras. São aquelas que resolvem tudo na comunidade”, destaca Júlia Morim que participou da elaboração do dossiê.

A antropóloga aponta que a parteira é uma figura conhecida por todos.

“Existem diferenças regionais, como as ribeirinhas, as que estão trabalhando no sertão e as indígenas. Mas existe esse cerne do que é ser parteira, de se dedicar, de não ter dia, não ter hora para atender, de relações de comadrio, como chamamos no dossiê a questão dela passar a ser parte da família”, descreve.

Para Paula Viana, do Grupo Curumim, o Brasil tem uma dívida histórica com as parteiras. “São elas quem protegem os saberes ancestrais, mas, muitas vezes, trabalham isoladas. Esse reconhecimento vem junto de uma atenção do movimento feminista que acompanha como o Estado brasileiro realmente vai reconhecer e apoiar a parteira tradicional, inclusive financeiramente e incluindo nas equipes de saúde de família”, diz ao Catarinas.

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    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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