“Planejamento familiar é direito fundamental”, afirma diretora de Centro Regional da América Latina e Caribe
Maria Paula Martinez lidera iniciativa da FP2030 para promover e expandir acesso a serviços de planejamento familiar
Maria Paula Martinez é a primeira Diretora Geral do Centro Regional da América Latina e Caribe (ALC) da Family Planning 2030 (FP2030), espaço que visa promover e expandir o acesso a serviços de planejamento familiar na região. O centro da ALC é co-liderado pelas organizações Save the Children e Profamilia Colombia. Martinez assumiu em outubro e vai supervisionar e implementar iniciativas estratégicas, construir novas parcerias e estabelecer o FP2030 como um parceiro fundamental no setor regional de saúde e direitos reprodutivos.
“O planejamento familiar é um componente essencial da saúde e do desenvolvimento global, e estou ansiosa para trabalhar em colaboração com os nossos parceiros, partes interessadas e toda a equipe de FP2030 para causar um impacto duradouro – começando na nossa região, mas sentido globalmente. Juntos, vamos garantir que o planejamento familiar seja reconhecido como um direito humano fundamental e uma parte essencial do desenvolvimento sustentável em todo o mundo”, disse ao assumir.
A diretora é colombiana, advogada, tem mais de 25 anos de experiência e trabalhou em funções-chave em organizações humanitárias e de cooperação, mais recentemente como Diretora Executiva da Save the Children Colombia. Enquanto liderança, ela atuou na promoção de direitos sexuais e reprodutivos, especialmente na defesa dos direitos das meninas, adolescentes, jovens, mulheres e pessoas deslocadas pela pobreza, violência e desastres naturais.
Nos dias 14 e 15 de novembro, também esteve na sede da Comissão Econômica para a América Latina e no Caribe (Cepal), em Santiago, Chile, para as reuniões que marcaram os dez anos do Consenso de Montevidéu. O acordo intergovernamental versa sobre a promoção dos direitos das pessoas dentro de uma estrutura de desenvolvimento sustentável e traz pontos sobre planejamento familiar.
Ao Catarinas, Martinez fala sobre os avanços da região na última década, os desafios que persistem em relação ao tema e as expectativas com o novo cargo. Confira a entrevista.
O que é planejamento familiar?
Planejamento familiar é a capacidade de decidir livremente se e quando ter filhos, ter acesso à informação e aos serviços necessários para tomar essas decisões e, por sua vez, ser capaz de fazer todas as escolhas que as pessoas desejam para suas vidas, como concluir os estudos, escolher um cônjuge ou seguir uma carreira. Trata-se de construir o futuro que você imagina para si.
Você defende que o planejamento familiar é um “componente essencial da saúde e do desenvolvimento global” e que deveria ser “reconhecido como direito humano fundamental”. Por quê?
Mulheres não conseguem concluir os estudos se não puderem controlar suas gestações. Elas não conseguem se manter no mercado de trabalho. Talvez não consigam cuidar dos filhos que já possuem se não puderem espaçar suas gestações. Por isso, o planejamento familiar é um componente essencial da saúde global e do desenvolvimento. Quando as pessoas podem escolher o momento e ter a possibilidade de espaçar suas gestações, conseguem permanecer na escola, têm gestações e bebês mais saudáveis, podem buscar empregos com melhor remuneração e, às vezes, tirar suas famílias da pobreza. O planejamento familiar com base em direitos é um componente crítico do desenvolvimento econômico, da igualdade de gênero e da qualidade de vida.
O Consenso de Montevidéu completa dez anos em 2023 e é um acordo bem relevante entre os países da América Latina que inclui vários pontos sobre planejamento familiar. Quais os avanços da região em relação ao tema nesses últimos anos?
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Há dez anos, os países da América Latina e do Caribe adotaram o Consenso de Montevidéu sobre População e Desenvolvimento, marcando um passo importante para a região liderar mudanças transformadoras em relação à promoção, proteção e realização dos direitos sexuais e reprodutivos. Uma década depois, o cenário da saúde sexual e reprodutiva na região tem sido marcado por conquistas notáveis: a legalização do aborto em vários países, a adoção de uma educação sexual mais abrangente em muitas comunidades e, em alguns casos, houve ampliação de orçamentos para o planejamento familiar e programas relacionados. No entanto, ainda há desafios, mas contamos com algo a nosso favor: uma rede ainda mais forte de defensoras e apoiadoras que lutaram e conquistaram esses avanços. Precisamos manter esta mobilização.
E quais desafios ainda precisam ser superados?
Embora vários países da região tenham avançado no aumento do uso de contraceptivos modernos, disparidades significativas ainda persistem. O Haiti, por exemplo, é o país com a menor taxa de uso de métodos contraceptivos modernos (25,9%) entre todas as mulheres, seguido pela Bolívia (36%). Estes são dados de 2022. Precisamos fazer mais para garantir que cada mulher e menina, não importando onde esteja, tenha acesso às ferramentas mais eficazes para atender às suas necessidades de saúde reprodutiva.
Confira a pesquisa aqui.
Quais os principais objetivos da organização na região?
Em primeiro lugar, a FP2030 coloca os tomadores de decisão no controle da situação. Não definimos nossa própria agenda, seguindo, em vez disso, as prioridades dos governos e das organizações que firmaram compromissos conosco. Atualmente, identificamos diversas áreas prioritárias em diferentes países da região: lidar com gestações não planejadas entre os jovens, abordar as desigualdades no acesso a contraceptivos e cuidados reprodutivos em geral, e assegurar a inclusão de povos indígenas, comunidades migrantes, mulheres solteiras e outros grupos frequentemente excluídos de programas de planejamento familiar.
Pessoalmente, também espero focar na eliminação da violência relacionada à liberdade reprodutiva, especialmente no que diz respeito ao fim de casamentos precoces e/ou forçados na região, um problema persistente que pode estar relacionado a gestações não planejadas entre jovens, claramente uma prioridade para as organizações que fecharam compromissos com FP2030.
A FP2030 é uma parceria que reúne sociedade civil, setor privado e também governos. A construção de políticas públicas está entre as estratégias da parceria?
A organização não defende políticas específicas em nenhum país. Nossa parceria acolhe parceiros e compromissos de toda a comunidade de saúde sexual e reprodutiva, entre outros, acreditando que garantir que as pessoas tenham acesso ao planejamento familiar baseado em direitos é um valor compartilhado fundamental para alcançar diversos objetivos de desenvolvimento.
Você é uma liderança reconhecida na promoção da liberdade sexual e reprodutiva. Quais as suas expectativas em relação a essa nova etapa da sua trajetória?
Estou muito empolgada em fazer parte da equipe e liderar o hub da América Latina e do Caribe. Sou advogada por formação e dediquei grande parte da minha carreira ao trabalho com organizações humanitárias e de cooperação internacional. É um privilégio estar à frente de uma organização que age para mudar o mundo para melhor. A América Latina e o Caribe constituem uma das regiões mais desiguais do planeta, por isso buscar o acesso a direitos para meninas e mulheres têm o potencial de causar um impacto duradouro, essencial para o desenvolvimento sustentável.
Acompanhe as iniciativas da organização para expandir o acesso aos serviços de planeamento familiar em www.fp2030.org.
Tradução das palavras estrangeiras citadas no texto:
Family Planning: Planejamento Familiar
Save the Children: Salve as crianças