O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) recebeu defensoras dos direitos sexuais e reprodutivos durante uma audiência para discutir a criminalização da luta pela garantia do acesso ao aborto legal e pela legalização da prática no Brasil. O encontro ocorreu na última quinta-feira (14) e contou com a presença de representantes de diferentes estados que integram a Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto. Também foi lançada oficialmente a campanha “Lutar não é crime” pela Frente.

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A audiência aconteceu em 14 de setembro | Crédito: Diogo Adjuto.

“É simplesmente intolerável que em um país como o Brasil, pessoas que se dizem defensoras do direito à vida sejam favoráveis à morte de mulheres e se coloquem, inclusive, contrários à lei nos casos que o aborto é legal”, destacou André Carneiro Leão, presidente do CNDH, ao abrir a audiência. Participaram representantes que atuaram diretamente em casos com grande repercussão social, como os das meninas do Espírito Santo, Santa Catarina e Piauí, e sofrem tentativas de intimidação até hoje.

Elisa Aníbal, da Frente Nacional, iniciou a fala com o lançamento oficial da campanha que repudia a perseguições às defensoras, movimentos sociais e organizações que atuam na pauta dos direitos sexuais e reprodutivos. “Lutar pelo direito ao aborto não é crime no Brasil. Nossa luta jamais pode ser considerada ilegal”, enfatizou. “É o fundamentalismo que tem reinado nesses espaços. É ele que provoca perseguições, criminalizações e a impossibilidade de acesso aos direitos humanos”, acrescentou Aníbal.

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Participaram representantes de diferentes estados que integram a Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto | Crédito: Diogo Adjuto.

Também integrante do Grupo Curumim Gestação e Parto, ela chamou a atenção para o fato de que órgãos do Estado, como as casas legislativas e o Senado, têm sido usados para perseguir as defensoras do direito ao aborto. Um dos casos ocorreu na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), que promoveu uma CPI para investigar jornalistas, advogadas e equipe médica que atuaram para que uma menina de 11 anos, vítima de abuso, conseguisse acessar o direito ao aborto.

Além da CPI do aborto, as advogadas da menina, Daniela Felix e Ariela Melo Rodrigues, foram alvos de um inquérito policial como suspeitas dos crimes de violação de sigilo. O Ministério Público de Santa Catarina arquivou o inquérito por falta de provas. Felix também foi alvo de pedido de instauração de procedimento disciplinar no Tribunal de Ética da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina – arquivado pelo mesmo motivo.

Representando a Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, a co-fundadora e diretora executiva do Portal Catarinas, a jornalista Paula Guimarães, falou sobre sua experiência em coberturas sobre o tema, especialmente sobre casos de violação do acesso ao aborto legal, destacando o contexto de perseguição sofrido pelas defensoras do direito aborto, inclusive por ela na sua atuação profissional. Guimarães, ao lado das jornalistas Bruna de Lara e Tatiana Dias, do Intercept, foi responsável pela reportagem sobre a menina de Santa Catarina, que foi finalista do Prêmio Gabo

O Catarinas foi denunciado pela divulgação do Edital Futuro do Cuidado, que destinou R$20 mil para iniciativas de comunicação sobre aborto, mas o projeto foi arquivado. “O processo só foi arquivado porque contamos com defesa qualificada feita por advogadas comprometidas com os direitos humanos e o direito ao acesso à informação, que denunciaram este caso como exemplo de uso da máquina pública para perseguição de defensoras de direitos humanos”, relatou Guimarães. 

Já a integrante do Grupo Curumim, Elisa Aníbal, denunciou que a organização, com 33 anos de história, tem sido alvo de tentativas de intimidação e censura por parte de parlamentares fundamentalistas para que não integre espaços de participação social.

“Nesse momento, meu nome está envolvido em dois requerimentos nas casas legislativas, ambos constituídos por dois fundamentalistas reacionários brasileiros, Chris Tonietto (PL) e Eduardo Girão (Partido Novo), que questionam o Ministério das Mulheres por possibilitar a minha participação num processo de Conferência Internacional, a CSW, que é o principal encontro sobre saúde da mulher da ONU, onde eu representaria também o Estado brasileiro”, expôs.

Lara Buitron, da Frente Pernambucana Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto, relembrou a atuação no caso da menina do Espírito Santo. Estuprada pelo tio, a criança de 10 anos precisou viajar até Recife (PE) para acessar o aborto legal, quando um grupo de fundamentalistas se mobilizou em frente ao hospital para tentar impedi-la.

“Até hoje, as mulheres que colocaram seus corpos para defender a menina são perseguidas em espaços institucionais e na vida”, denunciou.

“Apesar da grande repercussão social, os parlamentares que atacaram a menina continuam em cargos políticos, com a caneta legislativa na mão”, comparou. Uma dessas autoridades públicas que atuou diretamente para tentar impedir o procedimento é Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), e atual senadora pelo Republicanos.

A importância de debater o aborto por ser um evento cotidiano – uma a cada sete mulheres já abortou pelo menos uma vez até os 40 anos – também foi trazido pelas participantes. Emilly Marques, assistente social e integrante da Frente pela Legalização do Espírito Santo, destacou que a criminalização do aborto não impede que o procedimento ocorra. “É evidente que o efeito da proibição é empurrar as mulheres para a clandestinidade e insegurança. Por isso, o Serviço Social brasileiro é favorável à legalização do aborto” evidenciou Marques, que integra o Conselho Federal de Serviço Social.

“Consideramos que a decisão de ser mãe deve ser um ato consciente de liberdade e não uma imposição política e social”, destacou.

“Não podemos ser criminalizadas na nossa luta e este conselho tem o dever de se posicionar e cumprir seu papel na nossa defesa, na fiscalização dos estados e do cumprimento da oferta dos serviços de aborto legal”, cobrou Talita Rodrigues, do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia. “Nenhuma mulher, nenhuma pessoa, deve ser presa, humilhada ou maltratada por ter feito aborto no Brasil”, finalizou Aníbal.

O caso será avaliado pela Comissão Permanente dos Direitos das Mulheres, da População LGBTQIAP+, Enfrentamento ao Racismo e Igualdade Racial do CNDH, que deve se reunir ainda nesta semana para tratar das denúncias apresentadas na sessão. Pedimos um posicionamento ao Conselho sobre quais ações serão realizadas a partir da audiência, mas não obtivemos resposta até o fechamento da reportagem.

A deputada Tonietto e o deputado Girão foram informados que os nomes seriam citados na reportagem por meio de e-mails e tiveram a oportunidade de apresentar o contraditório. A parlamentar do PL respondeu que “toda a justificativa do pedido pode ser obtida por meio da ficha de tramitação da proposição, que pode ser acessada na página oficial da Câmara dos Deputados”. O parlamentar do Partido Novo não retornou até o fechamento da reportagem.

Conselho Nacional de Direitos Humanos

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) é um órgão colegiado que busca a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil através de ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos, previstos na Constituição Federal e em tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil.

Atualizada às 19h01 de 18 de setembro.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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