Quando reservamos o Plenarinho da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) para fazer o evento de lançamento da cartilha “Como se defender das censuras ao debate de gênero, sexualidade e raça nas escolas”, ainda não sabíamos que a CPI do Aborto seria instalada na mesma semana, nem que – mais uma vez – tentariam nos amedrontar e silenciar. Conseguir manter o evento na programação da Alesc, dentro do contexto de perseguição que estamos enfrentando na casa, não foi nada fácil, mas topamos o desafio porque fazer oposição ao reacionarismo antidireitos é mais o nosso estilo do que assentir à censura.

::Leia a cartilha::

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Imagem: Ana Laura.

Ao longo dos últimos seis anos fazendo jornalismo independente, feminista e antirracista em um dos estados mais conservadores do país, acumulamos alguns aprendizados, entre eles, o de escolher incomodar em vez de permitir que nos retirem de nossos espaços de direito. Temos em nossos corpos a memória da repressão e viemos para mudar o curso da história, fazendo ecoar as vozes de meninas, mulheres e dissidentes que não engrossam o coro dessa narrativa única que tentam nos enfiar goela abaixo. Somos dissonantes. Somos muitas.

Ontem, fizemos história na Alesc, onde há uma investigação parlamentar instalada para inquirir o nosso jornalismo. Em um país cuja Constituição prevê a liberdade de imprensa, uma CPI que visa cercear o direito à informação é um sintoma dos ataques sistemáticos à ordem democrática. 

É este mesmo movimento antidireitos que busca silenciar professores e professoras em sala de aula, censurando debates sobre gênero e sexualidade nas escolas – silenciamento que constrói injustiças sociais como aquela enfrentada pela menina que é alvo dessa CPI, pois foi vítima de estupro aos 10 anos e agora tem seu direito de acesso ao aborto legal questionado. Ela não é a única: recentemente, mostramos no Catarinas que em uma década, Santa Catarina viu 4463 crianças e adolescentes de até 14 anos darem à luz, mas realizou apenas 29 abortos legais em pacientes da mesma faixa etária. 

É por entender que as nossas crianças, adolescentes e jovens carecem de acesso à informação e merecem ter seus direitos garantidos, que lançamos um documento que visa instrumentalizar a defesa dos professores e professoras contra a onda de ataques, para que possam saber que a lei e as instituições estão do seu lado. A cartilha é um checklist de leis e decisões no âmbito até mesmo do Supremo Tribunal Federal, sobre ensino para a formação do pensamento crítico, para a não discriminação das pessoas. 

Aqui, é preciso negritar: ensinar para o exercício da cidadania, não somente como direito de professoras e professores, mas fundamentalmente como dever.

Todas e todos que defendemos a sala de aula como espaço de fomento e legitimação dos direitos constitucionais nos opomos à pedagogia da mordaça, da violência, da mediocridade. Nossa pedagogia é a do exercício do diálogo, é a pedagogia da pergunta, como ensinou Paulo Freire, sobre as questões sociais que atingem diretamente as nossas vidas, a vida da população, questões que ameaçam existências. 

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Imagem: Gabriel Volinger.

Agradecemos publicamente à deputada Luciane Carminatti, do PT, que nos ajudou a tornar esse evento possível; à Synergía – Iniciativas para os Direitos Humanos, nossa parceira na construção da cartilha; à jornalista Fernanda Pessoa, que liderou o projeto; às pessoas que lotaram o Plenarinho com sua beleza diversa e às que compuseram a mesa: Vanda Pinedo, do Movimento Negro Unificado (MNU), Ingrid Satré Mawé, professora, mobilizadora social e integrante do 8M; Carla Ayres, vereadora de Florianópolis pelo PT; Elaine Sallas, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina – Sinte Regional Florianópolis; Luiz Carlos Vieira, do Sinte estadual; Miriam Grossi, professora do Instituto dos Estudos de Gênero (IEG) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Marlene de Fáveri, historiadora e professora aposentada da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), e Robson Fernandes, professor de história da rede de ensino estadual.

Apesar dos fascistas que hoje ocupam os parlamentos do país afora, atacando a democracia por dentro, amanhã há de ser um outro dia. Há muitos exemplos de professoras e professores, parlamentares e jornalistas que estão fazendo a sua parte na manutenção da democracia e na promoção da transformação social como reza o nosso texto maior: a Constituição Federal. Miremos nesses exemplos para seguirmos nossa batalha diária, pois os cães ladram, mas a caravana passa. 

::Acesse a transmissão::

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