Parecer da Alesc aponta sites jornalísticos como principais alvos da CPI do Aborto
Documento foi questionado por organizações defensoras dos direitos das mulheres em representação enviada ao Ministério Público Federal
Documento foi questionado por organizações defensoras dos direitos das mulheres em representação enviada ao Ministério Público Federal
Em 26 de julho, a abertura da CPI do Aborto foi aprovada e anunciada em plenário pelo deputado Mauricio Eskudlark (PL), vice-presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc). De acordo com a assessoria da casa, os partidos devem indicar seus representantes até a sessão do dia 4 de agosto, mas a investigação será instalada somente depois das eleições previstas para outubro.
O anúncio veio após o aceno positivo da procuradoria jurídica da Alesc. Um parecer assinado pela procuradora-geral Karula Genoveva Batista Trentin Lara assegura que o requerimento assinado por 21 parlamentares – o deputado Felipe Estevão (União) voltou atrás e retirou sua assinatura, pois estaria de licença no período de realização da CPI –, cumpre todas as normas legais e regimentais da casa.
O documento aponta os sites jornalísticos que denunciaram o caso da menina de 10 anos que teve seu direito de acesso ao aborto legal violado por agentes do sistema de justiça catarinense como principais alvos da investigação: “Em que pese tenham se sucedido no âmbito do Poder Judiciário, no âmago de um processo judicial, a forma de condução e divulgação (vazamento) da audiência, com sua repercussão feroz na sociedade, traz a lume a viabilidade de investigação requerida.”
A procuradora ainda chama a atenção do parlamento para a preservação do sigilo da criança, resgatando a decisão do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no Mandado de Segurança nº 27.483, onde ele escreve que as CPIs têm poderes de investigação próprios de autoridades judiciais, mas não têm poder sobre as decisões judiciais – inclusive as que decretam sigilo em processos. Por conta disso, ela reconhece que a CPI nasce limitada em sua busca por “respostas”.
Representação
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Cinco organizações ligadas aos direitos das mulheres enviaram, em 28 de julho, uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) contra a CPI do Aborto. O documento exige que o órgão tome providências “em face das violações e ameaças de violações aos direitos de mulheres, meninas, profissionais que atuam em serviços públicos de saúde e defensoras de direitos humanos” provocadas pelo requerimento de abertura da investigação, pelo parecer favorável da procuradoria jurídica da casa e pelos pronunciamentos do presidente Moacir Sopelsa (MDB).
As requerentes ressaltam o que os rumos da CPI denotam: os parlamentares se mostraram favoráveis aos obstáculos enfrentados pela menina para que tivesse acesso ao aborto legal e contrários a toda e qualquer mobilização que tenha contribuído para a efetivação do direito, como a atuação de jornalistas no caso.
Para elas, os objetivos de fundo moralista e sem fundamento legal estão evidenciados no texto do requerimento de abertura da CPI, conforme o Catarinas vem denunciando. “As declarações dos deputados são centradas em afirmações moralizantes e sensacionalistas em torno do feto e do procedimento de aborto”, sinalizam, reiterando a promoção de perseguição política não apenas contra jornalistas, profissionais de saúde e advogadas que atuam no exercício da liberdade de consciência, de expressão e de exercício profissional, como também os riscos implicados a todas as pessoas que eventualmente precisem do aborto legal no país.
As entidades temem que os parlamentares consigam criar insegurança jurídica em torno de um direito assegurado pela legislação brasileira há 80 anos, afastando cada vez mais as pessoas dos serviços de saúde e reduzindo a oferta do aborto legal, mediante a “imposição de obstáculos ilegais ou a ausência de profissionais dispostos a realizarem o procedimento ante o medo do estigma e da perseguição”.
Beatriz Galli, advogada do Cladem que assina a representação, tem como expectativa a acolhida do MPF, no sentido de tomar as medidas judiciais cabíveis para impedir que a CPI do Aborto seja instalada. Segundo ela, o órgão deve se atentar ao “cumprimento das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos assumidas pelo Brasil, entre as quais a proteção do direito a saúde, igualdade perante a lei, privacidade, a liberdade de consciência e a vida livre de violência, além da garantia do acesso ao aborto legal, previsto em lei.”
A assessoria do MPF disse que o documento foi recebido e segue sob análise.
Além de Galli, assinam a representação as advogadas Amanda Luize Nunes Santos, Gabriela Rondon Rossi Louzada, Letícia Ueda Vella, Mariana Prandini Fraga Assis, Marina Alves Coutinho e Mariana Silvino Paris, representantes da Clínica de Direitos Humanos e Direitos Sexuais e Reprodutivos da Universidade de Brasília (Cravinas), do Instituto de Bioética (Anis), do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, do Coletivo Margarida Alves e do Cladem Brasil.