Desde 2019, o processo pelo direito indígena à Casa de Passagem em Florianópolis tramita na 6ª Vara Federal para o cumprimento provisório da sentença por parte do município.

Em razão das investidas da atual gestão da Prefeitura Municipal de Florianópolis para atrasar a construção do Ponto de Cultura e Casa de Passagem Indígena Goj Ty Sá, no Saco dos Limões (antigo Tisac), o juiz Marcelo Krás Borges, 6ª Vara Federal da capital, mediou na tarde de ontem (16) uma audiência de conciliação para darem encaminhamento ao processo judicial, que exigia o comparecimento do prefeito Gean Loureiro (União Brasil, partido de fusão entre DEM e o PSL).

“É interessante para o município resolver de forma definitiva a questão da Casa de Passagem Indígena”, declarou o vice-prefeito Topázio Silveira Neto (Republicanos). No entanto, a prefeitura apresentou um levantamento indicando sete novas áreas que poderiam ser ocupadas pela população. A proposta foi contestada pelos indígenas presentes, que se pronunciaram em defesa do local atual — um terminal de ônibus desativado, no bairro Saco dos Limões — considerado ideal pelo acesso e proximidade com o centro da capital.

Analúcia Hartmann, Procuradora da República que acompanha o processo, argumentou que as sete novas áreas indicadas pela prefeitura não estão de acordo com as reivindicações dos indígenas, principalmente por dificultarem a mobilidade deles.

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Imagem: Audiência de Conciliação em 16 de fevereiro | Crédito: Reprodução Zoom.

Como encaminhamento da audiência, foi agendada, no próximo mês, uma inspeção judicial no terminal de ônibus desativado para avaliar as condições do local e analisar as melhorias provisórias. As famílias indígenas ainda permanecem em situação precária, acampadas em barracos de lona enquanto trabalham para alimentar suas famílias. Uma nova audiência de conciliação está prevista para ocorrer em 16 de março, às 14h.

Depois de muitos anos ocupando vãos de viadutos na capital do estado para vender seus artesanatos, os indígenas atribuíram uma função social ao terminal de ônibus desativado no Saco dos Limões e o utilizam como local provisório de moradia até que a prefeitura efetive a construção da Casa de Passagem Indígena, por decisão judicial, no terreno ao lado, já cedido pela União.

Além do vice-prefeito e da procuradora federal, participaram ainda Rafael Poletto, da procuradoria do município; Leandro Guedes, advogado da União; Sérgio Garcia procurador representante da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Natália Dias, Coordenadora de Proteção Social da FUNAI; Caroline Hilgert, advogada do Conselho Indigenista Missionário (CIMI); Letícia Fernandes, indigenista da Regional Guarapuava; Neoli Kafy Rygue Olibio, da Terra Indígenas Rio das Cobras (PR), além de representantes indígenas e apoiadores do Ponto de Cultura e Casa de Passagem Indígena Goj Ty Sá. 

Acompanhe a tramitação do processo. Clique aqui.

A Procuradora da República afirmou ao Catarinas que o espaço reivindicado pelos indígenas na capital é uma necessidade básica que precisa ser atendida pelo Estado. “As perspectivas são de obter um acordo com o Município para a construção da casa definitiva, ou pelo menos estabelecer encaminhamentos concretos para tanto. A necessidade é cada vez maior, pois a venda de artesanato, em Florianópolis, é uma forma muito importante de obtenção de recursos para a manutenção dessas famílias indígenas. E a situação atual é de muita insegurança física.”

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Imagem: Indígenas e apoiadores do Ponto de Cultura e Casa de Passagem Indígena Goj Ty Sá se mobilizaram na tarde de ontem (16) com faixas e cartazes em frente à Justiça Federal na capital | Crédito: Ingrid Sateré Mawé.

Hartmann critica o distanciamento da prefeitura em relação à essa demanda social.

“O processo judicial vem sendo atrapalhado pelos constantes recursos do Município, que assim protela o cumprimento de suas obrigações. Mais uma vez falta sensibilidade ao executivo local para dar um desfecho justo a esse pleito. E para pacificar a disputa que vem gerando”. 

Segundo informou a covereadora Cintia Mendonça, da Coletiva Bem Viver (Psol), que integra a comissão de apoio, foram discutidos em assembleia, realizada no último sábado, os possíveis encaminhamentos do acordo entre indígenas, o Município e a União, mobilizando esses atores sociais a estarem presentes na audiência de conciliação.

Do outro lado, o governo municipal mobiliza aliados para desestruturar a luta dos indígenas, praticando manobras jurídicas e políticas. “É uma forma indigna da prefeitura descumprir todo o acordo, dando um passo para trás com manobras jurídicas nos últimos anos para não efetivar essa demanda da Casa de Passagem Indígena aqui em Florianópolis. Eles tentaram, por meio de um agravo, pedir para anular o acordo, mas perderam porque a justiça entendeu que a prefeitura não vem cumprindo esse acordo há anos”, criticou a parlamentar.

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Imagem: Assembleia do comitê de apoiadores do Ponto de Cultura e Casa de Passagem Indígena Goj Ty Sá no último sábado | Crédito: Rafael/Samuel – Movimento Bem Viver

A indígena, professora e assessora parlamentar, Ingrid Sateré Mawé também esteve presente na audiência. Ao Catarinas, a representante apontou o descaso da Prefeitura Municipal de Florianópolis em relação aos Povos Indígenas. Segundo ela, os órgãos responsáveis por assessorar temáticas indígenas, como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), não cumprem o seu papel, aprofundando ainda mais as vulnerabilidades durante a pandemia.

“A prefeitura vem descumprindo todos os mandados judiciais e não atende às nossas demandas. Hoje nós temos os Kaingang que vieram para a cidade devido a todos os males que estão enfrentando em razão da pandemia e estão naquele local inadequado com falta de estrutura. A SESAI e a FUNAI não dão a atenção necessária, usando do argumento que essas pessoas estão fora do território indígena”, ressaltou.

A representante acrescenta: “ainda temos que lutar contra a PL 490 e a tese do marco temporal, uma medida inconstitucional que será votada nos próximos meses pelo Supremo Tribunal Federal (STF).”

Em conversa com o Catarinas, a vereadora Carla Ayres (PT) abordou a necessidade de um olhar para além do ponto de vista econômico quando se fala em Povos Indígenas, pois o direito originário está garantido pela Constituição Federal. Conforme defende, os gestores precisam entender o caráter humanitário da pauta, compreendendo que a valorização da cultura dos povos também traz retorno para o município.

“Entendemos a importância da Casa de Passagem Indígena para a capital não só para que eles possam vender o seu artesanato. O território, a terra, tem uma posse ancestral que integra as comunidades tradicionais e o povo indígena. Hoje, esses indígenas têm mobilidade, vão e voltam para as aldeias para vender os seus artesanatos como uma forma de sobrevivência. Negar que tenham um espaço adequado na cidade é negar o direito constitucional e humano dessa população à habitação e à terra”, apontou a legisladora. 

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  • Vandreza Amante

    Jornalista feminista, antirracista e descolonial atua com foco nos olhares das mulheres indígenas. A cada dia se descobr...

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