Mais de 6 mil indígenas de 176 povos participam da Mobilização Nacional Luta Pela Vida: Nossa História Não Começa em 1988. É neste contexto de luta que a moradia estudantil universitária indígena reivindicada em Blumenau (SC) pelos Xokleng foi aprovada nesta quinta (26).

Nesta quinta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento da tese do “marco temporal”, uma ação de reintegração de posse solicitada pelo governo do estado de Santa Catarina contra os indígenas Xokleng-Laklãnõ, da Terra Indígena de Ibirama, Região do Alto Vale do Itajaí. De acordo com a proposta mercantilista, os direitos indígenas às terras ocupadas seriam revisados e estabelecidos a partir de 1988, logo após a Constituinte, a partir de 5 de outubro.

Após a leitura inicial do ministro e relator, Edson Fachin, do documento que resume o histórico do processo e o seu voto favorável aos indígenas, e contra o “marco temporal”, a sessão foi encerrada e deve ser retomada na próxima quarta-feira, 1° de setembro, data confirmada pelo presidente do tribunal, Luiz Fux.

O artigo n° 231 da Constituição Federal de 1988, determina o reconhecimento “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las”. Esta deveria ser a orientação do Estado, mas o governo de SC tenta manipular o judiciário a favor de interesses particulares.

O julgamento será um marco na história da demarcação de terras indígenas do Brasil, visto como uma das maiores mobilizações do Movimento Indígena na atualidade. A relevância da luta pelo direito à terra está assegurada na Constituição Federal de 1988 como originária aos Povos Indígenas.

Assista ao vídeo do início do julgamento no STF.

Na próxima semana começam as sustentações orais da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o governo federal; dos advogados do Povo Xokleng, da Terra Indígena de Ibirama-LaKlãnõ (SC), alvo da ação original; do governo de Santa Catarina, proponente da ação; e da Procuradoria-Geral da República.

Cerca de 40 advogados e instituições estão inscritas e organizadas para se manifestar durante o julgamento, que pode redefinir a demarcação de terras indígenas no Brasil caso seja aprovada. É uma preocupação para os mais de 305 Povos Indígenas que vivem no território brasileiro e ocupam as terras desde muito antes da invasão europeia.

Pesquisas arqueológicas datam de até 12 mil anos a presença de ocupações humanas em Santa Catarina, que são os ancestrais dos Povos Indígenas. Não há como mudar o passado. De fato, uma imensa diversidade cultural habita essas terras desde tempos imemoriais. Muitos dos artefatos encontrados pela arqueologia, hoje, são de parentes diretos dessas populações.

O contexto da política nacional estimula as disputas

Aprovado na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 490/2007, proposto Homero Pereira – PR/MT, apoiador da bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia), que dispõe sobre o Estatuto do Índio e altera a Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, e pode ser extinto caso o julgamento desconsidere o “marco temporal”. Assim como podem ser arquivados os mais de 13 PLs apresentados pelos ruralistas nos últimos anos para tomar as terras indígenas.

Neste contexto, em 2021 o processo de julgamento do “marco temporal” foi adiado cinco vezes em dois meses. Em 11 de junho, o julgamento foi iniciado em plenário virtual e logo suspenso por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes. Em seguida foi remarcado para 30 de junho que, por falta de tempo, foi novamente adiado para o dia 31. Na mesma semana, a análise do caso foi remarcada sem justificativas para 25 de agosto pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux.

Em 2019, o STF deu ao processo status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios de terras indígenas.

O Povo Xokleng-Laklanõ está em luta em Brasília-DF

O cacique presidente da Terra Xokleng-Laklãnõ, Nilton Ndili, afirmou à jornalista Helena Marquardt, do Diário do Alto Vale (DAV), que a intenção do grupo é pressionar o STF, pois os indígenas já aguardam há 23 anos pelas regularização de suas terras.

“Estamos aqui com nossa comunidade e com povos indígenas de todo o Brasil nos mobilizando e sensibilizando o STF para respeitar o direito originário. Estamos na expectativa que desta a vez venha a ser resolvido e venha ser demarcado. Algumas lideranças morreram esperando esse dia”, lamentou.

A indígena Xokleng-Laklãnõ, Nandjá Schirley da Rocha, mãe, estudante e uma liderança indígena no Vale do Itajaí, está em Brasília acompanhando o julgamento na #LutaPelaVida. Ela comenta que é um processo decisivo e que os Povos Indígenas precisam de apoio para continuarem articulados nesse momento histórico.

“Com essa sessão de julgamento para a quarta-feira da semana que vem, com certeza isso vai desarticular muitas etnias, por não ter condições de permanecer em Brasília. Isso é uma estratégia para enfraquecer o Movimento Indígena. Agora é hora da gente se mobilizar e fazer essa luta histórica. A gente precisa de apoio para se manter aqui”, relata a Nandjá.

Apoie o Povo Xokleng em Brasília-DF.

Povo Xokleng em marcha ao STF / Foto: Mídia Índia

A pesquisadora, advogada e coordenadora do Núcleo de Estudos Indígenas (NEI) da Universidade Regional de Blumenau (FURB), Geórgia Fontoura, afirma que os direitos originários dos Povos Indígenas são reconhecidos antes do período colonial.

“É importante lembrar que a legislação normativa brasileira relativa aos direitos territoriais indígenas já acontece desde o período colonial, onde as legislações já vem reconhecendo esse direito originário. Quando a gente pensa na Constituição Federal de 1988, há o entendimento de que ela vem nesse viés que já acompanhava a legislação normativa brasileira da Teoria do Indigenato, que trabalha na perspectiva de que o direito dos Povos Indígenas é originário, ancestral e anterior a qualquer outro que tenha sido estabelecido, principalmente porque eles estavam aqui antes do período colonial”, afirma a advogada.

Segundo a pesquisadora, o STF tem o entendimento sobre o direito originário de ocupação dos Povos Indígenas, reconhece que esses vínculos com a terra como direito legal estão estabelecidos há muitos séculos, sendo impactados pelo processo colonial.

“Como já houve o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal em torno disso, o entendimento da constitucionalidade desse direito, a gente não tem o que discutir em torno de fixação de marcos temporais para a estada desses povos naqueles territórios, justamente reconhecendo que a sua tradicionalidade, que a sua organização espacial envolve outros elementos e, principalmente, lembrando que todo processo colonial é de esbulhos, de violências, que fez com que esses povos não estivesses dentro dos seus territórios tradicionais”, esclarece a pesquisadora.

Moradia estudantil universitária indígena é aprovada em Blumenau (SC)

Na quinta-feira (26), em cumprimento à Política de Acesso e Permanência dos Estudantes Indígenas da Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), a União cedeu o direito de uso por vinte anos do imóvel à Rua Itajaí, Bairro Vorstadt, aos estudantes indígenas.

Moradia Estudantil Indígenas em Blumenau/ Foto: Defensoria/SC

A moradia estudantil em Blumenau é reivindicada há anos pelos indígenas Xokleng-Laklãnõ. O imóvel do antigo do Centro de Saúde estava abandonado. Em 2018, foi ocupado e reformado pelos indígenas. Legalmente a construção pública estava sob disputa judicial em fase de negociação por meio do Ministério Público Federal (MPF) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A decisão, que foi publicada no Diário Oficial da União de 26 de agosto de 2021, é uma grande vitória para os indígenas na Região do Vale do Itajaí.

“Orgulho de fazer parte deste projeto que conquistamos com garra e perseverança. Vejo que somos fortes, que nossos sonhos são todos possíveis mesmo ao meio de tantas dificuldades”, afirma Nandjá, que é estudante de odontologia na FURB

“Foi com grande alegria que nós tivemos essa notícia. A política de acesso e permanência da FURB foi deliberada pelo Conselho Superior da Universidade em 2018, pois já vinha sendo uma demanda recorrente de reconhecimento da necessidade dessa reparação histórica para essas populações”, relata Geórgia Fontoura, coordenadora do NEI-FURB.

Acompanhe o julgamento com a gente pelo twitter na próxima quarta-feira (1/9).

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  • Vandreza Amante

    Jornalista feminista, antirracista e descolonial atua com foco nos olhares das mulheres indígenas. A cada dia se descobr...

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