Rose Evaristo e Elena Calixto*.

Não é novidade que o playboy não seria condenado. Pelo menos não condenado em primeira instância. Será que teremos essa sentença penal absolutória (art. 386 do Código de Processo Penal) reformada em grau de recurso? Façam as suas apostas.

Não é a primeira e nem será a última vez que um caso de estupro é ignorado pela sociedade brasileira. A história do país está cheia de outros casos que tiveram o mesmo desfecho. Infelizmente, pelo menos para as mulheres vítimas, e para todas as mulheres brasileiras, vivemos em um país onde a cultura do estupro combinada com o poderio econômico de alguns estupradores fala mais alto do que a justiça.

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Não é novidade que o sistema policial atenderia o caso prestando um desserviço, afinal, essa é a regra da imensa maioria da prestação feita pelo serviço de segurança do país. Bem sabe quem atua nas delegacias. Notícias dão conta que o primeiro delegado do caso, que foi afastado, invadiu a casa de Mariana acompanhado de um policial armado. Ambos à paisana, para intimidar a vítima com a desculpa de “recolher provas”. Ela estava sozinha em casa, acompanhada apenas pela sua irmã mais nova. Por sorte seu pai chegou a tempo, não sabemos o que teria acontecido se fosse diferente.

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Não é novidade que o Ministério Público de Santa Catarina poderia, como de fato o fez, pedir, em suas alegações finais, a absolvição do estuprador. Sendo ele conhecido, amigo de várias pessoas influentes, vindo de uma família rica de São Paulo que leva o nome de um ex-ministro da fazenda da era Vargas. Seria uma surpresa se fosse diferente.

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Santa Catarina conta com um dos Ministérios Públicos mais elitizados do país. Em seu quadro a elite branca e burguesa catarinense está muito bem representada, contando com filhos e netos da oligarquia política catarinense. É só dar uma olhada na relação de promotores para constatar vários sobrenomes conhecidos, além de figuras que vez ou outra ganham notoriedade por práticas nada jurídicas.

Práticas como negar casamento para pessoas do mesmo sexo, passando por rir em alto e bom som do grande índice de violências cometidas contra as mulheres.

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Não é novidade que o juiz do caso poderia, como de fato o fez, não condenar o estuprador pelo crime que cometeu, além de não considerar as provas apresentadas pela vítima, inclusive o seu próprio depoimento, no qual ela afirma: eu fui estuprada.

Não é novidade que a fala da vítima não seria escutada. As vítimas de estupro não são ouvidas. A regra nessa violência é o silenciamento forçado e o descrédito. A vítima, nesse caso, além de dopada, foi induzida a deixar o local do crime e se dirigir à outro estabelecimento, também conhecido em Jurerê Internacional.

Tudo o que aconteceu, nesse caso, foi premeditado e de uma crueldade sem limites. É de conhecimento público que a vítima não foi a única mulher a sofrer estupro com as mesmas características naquele beach club, Mariana postou diversos prints de outros relatos. Infelizmente, elas não tiveram coragem de denunciar. Não é novidade que outras e futuras vítimas são e serão esmagadas pela (in)justiça catarinense. Como aconteceu nesse caso.

Não é novidade que o magistrado só levaria em conta as provas que direcionariam para a absolvição do acusado. Sendo o estuprador de uma família influente, com notória rede de “acobertadores” que trabalharam fortemente para influenciar a convicção do julgador.

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Não é novidade que a casa noturna não colaboraria, como de fato não colaborou, com a investigação e, ao que parece, ainda atrapalhou significativamente ao se negar a entregar todo o material gravado pelas câmeras do local.

A casa possui 37 câmeras e apenas as imagens da escada foram entregues à justiça. Ora, qual o interesse da casa em esconder as outras imagens? Além do que, apesar de ser requerida pelo Ministério Público, tal prova nunca chegou a ser produzida nos autos de forma completa e que pudesse trazer esclarecimento sobre os fatos relatados pela vítima.

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Além disso, fortes indícios levam a crer que aconteceu alteração na prova. Por que uma testemunha da defesa teve acesso a imagens da câmera exterior da casa e as utilizou para forjar uma interpretação errônea do acontecido?

Não é novidade que as provas que foram apresentadas pela vítima não seriam suficientes para comprovar que foi violência o que ela sofreu. Apesar de suas roupas estarem sujas de sangue e sêmem.

Apesar das imagens provarem que ela foi levada para uma área restrita onde só podem entrar pessoas autorizadas. Esta área composta de um banheiro na entrada próximo da escada que a vítima foi vista subindo, um camarim para artistas e um banheiro com três portas. Nessa área não existem câmeras, porém existe um segurança na porta que permitiu a entrada da vítima e do estuprador. É possível ver o segurança quando a vítima desce a escada, visivelmente desnorteada.

Apesar dos áudios que ela enviou para sua mãe e suas “amigas”, notoriamente confusa, sem saber o que estava acontecendo e totalmente desesperada. Apesar da perícia não ter constatado a presença do tipo de substância conhecido como “boa noite Cinderela” no exame toxicológico, o Instituto Geral de Perícias (IGP) afirmou que podem existir substâncias que os peritos ainda não conheçam.

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Não é novidade que a vítima seria desacreditada pela justiça e pela opinião pública. Não é novidade que muitas pessoas acusam a vítima de estar querendo se beneficiar financeiramente com o caso, de ser interesseira, de estar querendo fama e holofotes. Afinal, dizem: é disso que vivem as blogueiras. No entanto, o efeito foi justamente contrário e é o que acontece com todas as vítimas de estupro. Com a repercussão do caso e em razão de forte pressão do estuprador, a jovem perdeu seus contratos de trabalho, perdeu suas contas nas redes sociais, perdeu a sua fonte de renda, a sua forma de ganhar dinheiro.

Não é novidade que algumas testemunhas escolhidas pontualmente pelo estuprador fariam suas manifestações no sentido de desacreditar a vítima. Essas testemunhas escolhidas estavam envolvidas no crime, direta ou indiretamente. Foram jantar com o estuprador após o ocorrido. Essas mesmas pessoas, quatro mulheres e um homem, disseram para a vítima que estavam em outro lugar, para que ela fosse encontrá-las. Essas testemunhas, inclusive, fizeram uma campanha difamatória contra a vítima, utilizando imagens de câmeras do beach club e alterando fotos da própria rede social da vítima.  Afirmaram que a vítima estava bêbada sendo comprovado pelo cartão de consumo da mesma que só havia consumido uma dose de bebida alcoólica.

A vítima estava sim confusa e desnorteada não por excesso de bebidas alcoólica, como afirmaram as testemunhas e sim por ter sido dopada.

Importante dizer que mesmo que se estivesse bêbada, como afirmam as testemunhas ou dopada, como de fato estava, em ambas as circunstâncias a relação sexual nesses casos caracteriza estupro de vulnerável (art. 217-A parágrafo 1º do Código Penal).

Não é novidade que a sociedade catarinense não iria reagir com manifestação de indignação. Vivemos em um estado reconhecidamente machista, homofóbico, racista, com altos índices de violências contra as suas mulheres.  Vivemos a ilusão da “Ilha da Magia”. Pena que essa ilha só beneficia os ricos e poderosos. Uma ilha que se diz gay friendly, mas que é extremamente homofóbica. Que tem a fama de ter as “mulheres mais lindas do Brasil”, mas essas são mortas e estupradas diariamente.

E, quando ousam denunciar os seus agressores, sofrem as violências institucionais promovidas desde a hora da denúncia até o julgamento do seu agressor.

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Não é novidade que o sistema de saúde que atendeu a vítima também apresentaria suas falhas. A vítima foi examinada por um médico homem, especializado em ortopedia, o que demonstra um absurdo descaso no acolhimento de vítimas de violência sexual.

Não é novidade que a sociedade e a justiça catarinense fechariam, como de fato fecharam, os olhos para mais um caso grave de violência contra a mulher ocorrido em Jurerê Internacional.

Não é novidade que entre as pessoas frequentadoras de Jurerê Internacional há muitas envolvidas em negócios ilícitos, ilegais, sonegadores de impostos, traficantes, aliciadores, e toda sorte de coisa suja.

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Já se perguntaram quem mais está por trás de toda essa sujeira? Já se perguntaram quantas outras mulheres não passaram pelo mesmo? Já se perguntaram o porquê da certeza da impunidade? Já se perguntaram quais outras conexões existem?

Não é novidade que a mídia hegemônica não daria a devida cobertura para o caso. Nenhuma emissora se interessou em ouvir o lado da vítima. As mídias tradicionais só deram atenção para o ocorrido após a vítima se expor nas redes sociais.

É de conhecimento público que casos de estupro cometidos por herdeiros de emissoras locais já foram acobertados antes.

Até quando as vítimas serão silenciadas?

Então… qual é a novidade? Nenhuma.

 

*As autoras assinam com pseudônimos por medo de sofrerem represálias.

**O Portal Catarinas disponibiliza este espaço para publicações com objetivo de compartilhar posicionamentos a respeito da sociedade civil. A posição do artigo não representa, necessariamente, a opinião do Portal Catarinas.

 

 

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