A ativista feminista Vannesa Rosales está presa acusada de colaborar com o aborto de uma menina de 13 anos que foi estuprada. A adolescente foi separada temporariamente de sua mãe, após apoio dela para o procedimento.

Em outubro de 2020, a professora e assistente social Vannesa Rosales, trabalhadora da comunidade de Pueblo Nuevo, foi detida acusada de fornecer informações e medicamentos para a interrupção da gestação de uma adolescente de 13 anos que havia sido abusada sexualmente. Desde então, organizações feministas têm exigido a sua liberdade e absolvição. Na Venezuela, o aborto é considerado crime mesmo em caso de estupro. A única exceção da lei são casos em que a saúde da gestante está em risco.  A comunidade de Pueblo Nuevo fica no centro da cidade de Mérida, localizada no Noroeste da Venezuela, a cerca de 700 km de Caracas, capital do País.

Em 12 de outubro de 2020, funcionários do Cuerpo Venezoelano de Investigaciones Científicas, Penals y Criminalísticas (CICPC) invadiram a casa de Rosales, a detiveram e levaram ao Centro Penitenciário de Mérida, onde ela se encontra desde então, isolada e sem poder se comunicar, de acordo com matéria publicada pela Agencia de Notícias Red Acción (ANRed).

Em 22 de dezembro, os advogados dela entraram com pedido de proteção constitucional perante a Corte de Apelações de Mérida, solicitando às autoridades que cumprissem os direitos e garantias constitucionais da ativista, em particular que permita que ela responda ao processo judicial em liberdade, argumentando que ela deveria responder apenas às acusações por suas ações e não por sua defesa dos direitos das mulheres. 

No entanto, o juiz designado qualificou o pedido da acusação com base no ativismo de Rosales pela descriminalização do aborto, e a acusou dos crimes de aborto assistido a terceiros sem consentimento, associação criminosa e associação ilícita, impedindo-a de ser julgada em liberdade devido à pena imputada superar 4 anos.

De acordo com a organização feminista local 100% Estrógeno, o processo penal contra Rosales não cumpriu com importantes garantias judiciais previstas na legislação nacional e em tratados internacionais. Entre as violações de seus direitos, estão: a falta de acesso à acusação feita pelo Ministério Público; a negação de que Vannesa se reunisse de forma privada com seus defensores legais, que somente puderam estar com ela uma vez; entre outras.

Mobilização feminista transnacional

Vannesa Rosales é feminista e defensora dos direitos das mulheres. Devido à injustiça enfrentada por ela neste caso, organizações feministas de toda a América Latina publicaram notas de apoio e em defesa da ativista, exigindo liberdade e absolvição da mesma, e adesão da sociedade para que ela possa ter um processo justo. 

Entre as organizações que se manifestaram, estão o Observatório Sexualidade e Política (SPW, na sigla em inglês), a Rede Feminista Latino-americana e Caribenha de Acompanhantes de Aborto, e movimentos e organizações venezuelanas, como o Centro de Estudios de Derechos Sexuales y Reproductivos (Cedesex Ve), Faldas-R, Plataforma Comunicacional 5ta Ola, Colectivo Feminista Cimarrona e Mujeres por la Vida, os quais emitiram o Comunicado “Desde el Feminismo Popular”. 

Nos comunicados, os grupos feministas evidenciam a contradição da polícia venezuelana que não agiu para encontrar ou responsabilizar o abusador,  apesar de a denúncia de estupro contra a menina de 13 anos ter se tornado pública . Enquanto isso, uma ativista é mantida presa por defender o direito da menina e de sua mãe de sair de uma situação violenta. 

“Em meio a um bloqueio econômico e uma pandemia, destacamos a imoralidade de serem agredidas pelo sistema policial e judiciário uma mãe que apoiou a decisão de sua filha de interromper uma gestação produto de uma violência e a ativista que facilitou os meios para isso. Como consequência, uma adolescente em condições de vulnerabilidade e empobrecimento foi retraumatizada e separada temporariamente de sua mãe, um estuprador está livre e impune e uma companheira das lutas comunitárias é mantida detida na incerteza, sem o devido processo ser aplicado a ela”, escrevem as organizações que assinam o comunicado “Desde o Feminismo Popular”. 

Republicado pela Socorristas en Red da Argentina, o Comunicado da Red Feminista Latinoamericana y Caribeña de Acompañantes de Abortos chama a atenção das autoridades venezuelanas de que, “para as crianças, a gravidez resulta em um risco iminente para sua vida e sua saúde integral, e que o aborto não é punido na Venezuela quando se realiza para salvaguardar a vida de mulheres ou meninas”. O documento cita o Artigo 435 do Código Penal venezuelano, cujo trecho referente é: “No incurrirá en pena alguna el facultativo que provoque el aborto como medio indispensable para salvar la vida de la parturiente”.

Além disso, segundo o comunicado, “fornecer informação científica, segura, verificada sobre aborto com medicamentos é uma estratégia para reduzir danos e riscos que resultariam de um aborto inseguro”, assim, argumentam ser legítimo dar esta informação e assistência, e uma pessoa não pode ser penalizada por fazer isso.

“O Estado Venezuelano não deu garantias para que Ana* viva uma vida livre de violências ao não conseguir prevenir a violência sexual contra ela. Apesar de tudo isso, criminalizou sua mãe e Vannesa por acompanha-la e prevenir que siga sendo vítima de tortura, e evitar um grave dano a sua saúde e um risco para sua vida. O sistema policial e judiciário da Venezuela deveria estar perseguindo os agressores sexuais de mulheres e meninas, demonstrar seu compromisso no combate e erradicação destes delitos que causam graves danos. […] Neste caso se evidencia claramente como a criminalização do aborto é uma forma de criminalização da pobreza”, diz o documento. 

* Ana foi o nome fictício adotado no documento para se referir à adolescente de 13 anos.

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  • Morgani Guzzo

    Jornalista, mestre em Letras (Unicentro/PR) e doutora em Estudos de Gênero pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Hu...

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