Projeto de lei de autoria do deputado estadual Kennedy Nunes (PSD) foi aprovado por unanimidade na Assembléia Legislativa de SC na semana passada. Entidades em defesa das mulheres organizam um ato de repúdio e pedem o veto da governadora interina.
A Assembleia Legislativa de Santa Catarina aprovou, na semana passada, o projeto de lei que institui o dia 8 de agosto como o Dia da Conscientização Contra a Prática do Aborto. Em uma votação relâmpago, o PL 02674/2019 teve o aval da ALESC por unanimidade. Contrárias à proposta, movimentos feministas e órgãos em defesa das mulheres em SC organizam atos de repúdio nesta quinta-feira (06) para que a governadora interina, Daniela Reinehr, vete o PL.
De acordo com o texto do projeto de autoria do deputado estadual Kennedy Nunes (PSD) com relatoria da deputada Paulinha (PDT), o objetivo é informar a população acerca dos malefícios do aborto para a mulher e para o feto. “Na verdade, instituir esse dia é estigmatizar ainda mais a mulher que, por algum motivo, faz ou sofre aborto, isso inclui até as que sofrem aborto espontâneo”, afirma a sindicalista e feminista Elenira Vilela.
Para a defensora pública de SC, Anne Teive, a justificativa da ementa pode ser rebatida de forma técnica. “As consequências para a saúde mental e física da mulher são muito maiores quando se trata de uma maternidade compulsória ou da necessidade de buscar um abortamento clandestino do que se fosse feito o aborto de forma segura, utilizando do serviço de saúde, procedimento que não representa um grande risco para a vida da mulher. As consequências negativas, na verdade, decorrem da criminalização do aborto”, enfatiza.
Para que um projeto tenha propósito e agregue valor para a sociedade é preciso que haja embasamento real. No caso do PL 02674 que trata do aborto, ou seja, uma questão de saúde, a proposta foi construída sem argumentos científicos o que leva a crer que o deputado Nunes não estudou acerca do tema ou se encaixa no grupo dos negacionistas (o que parece ser mais provável visto que ele é declaradamente contra o lockdown). Em um dos incisos, o deputado cita que instituir o Dia da Conscientização Contra a Prática do Aborto é contribuir com a redução dos indicadores relativos à realização de abortos.
Entretanto, o relatório publicado pelo Instituto Anis de Bioética, Direitos Humanos e Gênero mostra queda da taxa de interrupções de gestações em países onde o aborto é permitido. Em Portugal, por exemplo, onde a descriminalização ocorreu em 2007, houve uma redução de 14% no número de abortos entre 2008 e 2015.
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O projeto cita ainda que “como consequência da falta de informação, meninas e mulheres acabam cometendo o crime de aborto imaginando ser uma situação comum e normal, ignorando o quão nocivo são os malefícios (…) do aborto”. Segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública, cerca de 600 mulheres foram vítimas de estupro em Santa Catarina no ano passado. Deste total, mais de 100 eram meninas de até 14 anos. “Imagina uma criança que engravida de um estupro, que percorre uma via-sacra para conseguir fazer o aborto, ainda tem que escutar que ela está fazendo um bebê sofrer”, ressalta Vilela.
Apesar de ter ficado dois anos na fila de espera para avaliação em plenário, a tramitação do PL acelerou inexplicavelmente no mês de abril. Em menos de uma semana, passou por duas comissões, a de direitos humanos e a de constituição e justiça, sofreu alterações e entrou para ordem do dia em 28 de abril.
Em uma sessão relâmpago, o projeto foi aprovado junto a dezenas de outras emendas na abertura dos processos do dia. “Foi o famoso tapetão. Eu que já fui vereadora conheço bem esse artifício, que é quando se coloca o projeto em plenária, não se faz votação nominal e não dá tempo hábil para deputados e deputadas se posicionarem”, afirma a presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de SC, Rosaura Rodrigues.
O “tapetão” a que Rosaura se refere pode ser visto no vídeo da sessão ordinária do dia 28 disponibilizada pela ALESC. Em menos de 10 minutos, diversas propostas foram aprovadas diante de um plenário vazio e em um momento em que poucos deputados estavam online. A votação do PL do aborto aparece a partir do minuto 03:43.
Questionada sobre a aprovação da ementa, a deputada estadual Luciane Carminatti (PT), integrante da Bancada Feminina da ALESC e coordenadora do Observatório de Violência contra Mulheres no Estado, disse não ter participado da votação por estar atendendo um grupo com reivindicações. “Essa proposta não passou por nenhuma das sete comissões que participo, nem pela Bancada Feminina, se tivesse, certamente teríamos feito o necessário, que é chamar os movimentos, entidades e setores ligados ao tema para o debate”, explica Carminatti.
Em repúdio ao PL, o movimento 8M SC e a Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto estão chamando a sociedade para somar ao Ato de repúdio que ocorrerá em frente à ALESC nesta quinta-feira (06), às 9h. Também convidam para o twittaço nas redes sociais, usando as hashtags #vetaaí #NãoAoPL2674.