De acordo com levantamento do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina, o Governo do Estado indicou ao menos 180 diretores/as nas últimas eleições do Plano de Gestão Escolar, que aconteceram em dezembro de 2023, sem respeitar a escolha da comunidade escolar. Elas aconteceram principalmente em Florianópolis, Joinville e Chapecó. Aproximadamente 420 escolas participaram do pleito em todo o estado.

Essas indicações foram possíveis por conta do Decreto 273, publicado em setembro, que estabeleceu o quórum mínimo eleitoral de 50% mais um de votantes em cada segmento – estudantes, pais/responsáveis e servidores. 

O texto apontava que o diretor da unidade escolar seria escolhido livremente pelo Governador do Estado, por indicação da Coordenadoria Regional de Educação, caso ao menos um dos grupos não atingisse o quórum. Dessa forma, o Plano de Gestão Escolar mais votado poderia ser desconsiderado.

Segundo a Comissão Estadual, 54,33% das escolas que participaram do pleito alcançaram o quórum mínimo necessário para a escolha do Plano de Gestão Escolar.

O Plano de Gestão Escolar, apresentado pelos proponentes à direção, é essencial para a organização da escola de forma transparente durante os quatro anos da gestão escolar. No documento, fica estabelecido o planejamento para diferentes áreas como aspectos políticos, administrativos, financeiros, tecnológicos, culturais, artísticos e pedagógicos.

Na Escola de Educação Básica Wanderley Junior de São José, na Grande Florianópolis, o Plano que venceu as eleições foi apresentado por Simone Szortyka de Souza, de 46 anos, professora de inglês. Ela foi a única proponente para assumir a direção da unidade escolar, onde trabalha desde 2016. 

O pleito alcançou o quórum de 85% entre professores e funcionários, 75% entre estudantes e 20% entre pais e responsáveis. Souza foi aprovada em todos os segmentos com mais de 50% dos votos, recebendo 695 votos no total. Entre pais e responsáveis, ficou com 90% dos votos. No entanto, outra pessoa foi indicada à direção, mesmo sem ter concorrido ou apresentado um Plano de Gestão Escolar. 

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Imagem: reprodução.

Em entrevista ao Catarinas, Souza lamenta que não prevaleça a democracia. “Prevalece o lado de interesses políticos acima das decisões coletivas. O não incentivo à participação e à transparência dentro das escolas”, afirma. 

A deputada estadual Luciane Carminatti, professora e presidenta da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, afirma que essa alteração via decreto teve um objetivo bem delineado que é o maior número possível de indicações político-partidárias. 

“Isso é grave, porque a escola não é o espaço da construção partidária. Escola é o espaço da construção cidadã, da aprendizagem, da educação”, diz Carminatti.

O Catarinas perguntou à Secretária do Estado da Educação qual o critério na escolha de diretores que não haviam sido os mais votados pela comunidade escolar, porém não tivemos resposta até o fechamento desta reportagem.

Ações questionam legalidade de nova regra na Justiça catarinense

Diante das mudanças, movimentos sociais, sindicatos e professores se articularam para garantir a posse de diretores que venceram as eleições. 

O mandato da deputada Luciane Carminatti lançou a campanha “Nossa Escola, Nossa Escolha” nas redes sociais para fortalecer o debate, denunciando e mobilizando pais para a participação no pleito junto com estudantes e professores.

“Junto com o Ministério Público, nós [mandato e segmentos relacionados à educação] conseguimos pautar a Secretaria da Educação e avançamos na ampliação de mais um dia de votação, pois só o domingo seria ainda mais grave na garantia do quórum de pais principalmente”, explica Carminatti.

A votação inicialmente ocorreria somente em 3 de dezembro, domingo, mas com a pressão foi estendida para 4 de dezembro, segunda-feira.

O mandato também fez duas representações contra alguns pontos do edital, uma ao Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e outra ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). O conselheiro substituto do TCE, Gerson dos Santos Sicca, determinou a suspensão do edital 2.711/2023 na parte relativa à possibilidade de escolha pelo governador, caso não atingisse o quórum mínimo de votação. Porém, o Estado derrubou essa decisão na 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital.

A 25ª Promotoria de Justiça disse, em nota à reportagem, ter um procedimento em apuração a partir de uma Notícia de Fato sobre o tema, porém antes da conclusão o Ministério Público não dará mais detalhes. 

Entre os argumentos apresentados na representação enviada ao MPSC pelo mandato da deputada, estaria a inconstitucionalidade da lei, visto que ela violaria o princípio da gestão democrática do ensino público, um dos princípios básicos da educação no país, citado no Art. 206 da Carta Cidadã de 1988. 

Outras leis vão ao encontro desse entendimento, como o Plano Nacional de Educação (13.005/2014) que prevê na meta 19  que sejam asseguradas condições, no prazo de dois anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas. 

Da mesma forma, o Plano Estadual de Educação (16.794/2015) menciona na meta 18 a necessidade de condições para a efetivação da gestão democrática, na educação básica e superior públicas que evidencie o compromisso com o acesso, a permanência e o êxito na aprendizagem do estudante do Sistema Estadual de Ensino.

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina, por sua vez, propôs uma ação civil pública por considerar a nova regra conflitante com a gestão democrática do ensino público, apontando a sua ilegalidade. A tese do Sindicato foi acolhida na primeira instância, porém a decisão foi revertida em segundo grau, permitindo a manutenção das eleições com os critérios estabelecidos pelo Governo.

“O mérito dessas ações ainda passará por julgamento, visto que foram em tutela de urgência”, explica Rodrigo Timm, assessor jurídico do Sindicato.

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  • Fernanda Pessoa

    Jornalista com experiência em coberturas multimídias de temas vinculados a direitos humanos e movimentos sociais, especi...

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