O julgamento da constitucionalidade da lei 18.637/2023, que institui o programa do movimento Escola Sem Partido com uma nova roupagem em Santa Catarina, vai acontecer em 2 de agosto no órgão especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi proposta pelo Diretório Estadual do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em março deste ano. Em ao menos dez decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal, legislações como esta foram declaradas inconstitucionais. 

Sancionada pelo governador bolsonarista Jorginho Mello (PL) em fevereiro, a lei inclui a Semana Escolar de Combate à Violência Institucional contra a Criança e o Adolescente no calendário estadual catarinense, prevista para acontecer entre 8 e 14 de agosto. Diante da proximidade da data, o doutor em direito e advogado pela ação, Rodrigo Sartoti, pediu urgência na tramitação do processo. 

“Eu apresentei uma petição em três de julho reiterando a urgência, porque a lei institui esta semana prevista para agosto. Além disso, tem acontecido casos no Estado de professoras e professores sendo perseguidos com base nesta lei”, diz o jurista, referindo-se ao caso da orientadora educacional Juliana Andózio, da Escola de Educação Básica de Muquém, em Florianópolis, como um exemplo de intimidação legitimada pela legislação.

Em entrevista dada anteriormente ao Catarinas, o coordenador estadual do Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado de Santa Catarina (Sinte/SC) comentou a legislação: 

“É uma lei que tira a essência do professor, que é a liberdade de produzir conhecimento e discutir a diversidade. Ela é tão grave que podemos compará-la a uma legislação que tira a liberdade de imprensa da sociedade. Ela tira a liberdade do professor de ensinar”, disse. 

A legislação foi elaborada pela deputada estadual de extrema direita, Ana Campagnolo (PL), conhecida por promover perseguição a profissionais da educação.  

Parecer do Ministério Público de Santa Catarina aponta inconstitucionalidade

O Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON) do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) havia instaurado um procedimento com objetivo de examinar a possível inconstitucionalidade da lei. No entanto, ele foi arquivado por coincidir com o ADI. Segundo nota enviada pelo órgão, o MPSC se manifestou a favor da procedência da ação que tramita no TJSC. 

Em agosto de 2020, o STF considerou inconstitucional uma lei estadual de Alagoas semelhante ao projeto do Escola Sem Partido, que era contestada pelas ADIs 5537, 5580 e 6038, com nove votos contra a lei e um a favor. Esta legislação segue o mesmo modelo da criada em Santa Catarina. O precedente criado na corte máxima do poder judiciário é destacado no parecer do Ministério Público. 

Violações constitucionais   

A petição apresentada pelo Psol aponta que a lei viola princípios constitucionais básicos, principalmente a liberdade de ensinar e aprender, prevista no capítulo III, art. 161 da Constituição do Estado de Santa Catarina, que é tomada como base neste tipo de julgamento estadual. 

O texto constitucional catarinense diz que a educação é direito de todas as pessoas, e dever do Estado e da Família. Ela deve ser promovida e inspirada nos ideais como igualdade, liberdade, solidariedade humana, bem-estar social e democracia, visando ao pleno exercício da cidadania. Em um parágrafo único, o documento acrescenta: “A educação prestada pelo Estado atenderá a formação humanística, cultural, técnica e científica da população catarinense”. 

“A constituição do Estado vai além da Constituição da República em termos de prever uma educação emancipadora, visando uma formação humanística e cultural. Estamos em um Estado que é taxado justamente como conservador, mas a nossa Constituição é mais avançada, em regras gerais, para educação do que a própria Constituição da República de 1988”, afirma Sartoti.

O art. 162 da Constituição catarinense corresponde ao Art. 206 da Constituição Cidadã. Ele é essencial na defesa de professoras/es e instituições educacionais contra as censuras, pois prevê que o ensino seja ministrado com base nos seguintes princípios: “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (inciso II), “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” (inciso III), “valorização dos profissionais da educação escolar” (inciso V), gestão democrática do ensino público (inciso VI). 

“A partir dos artigos 161 e 162, nós entendemos que a lei 18.637/2023 é inconstitucional porque coloca vários embaraços ao exercício da docência, que chamamos de liberdade de cátedra dos professores”, diz Sartoti. 

Além desta violação, que é chamada juridicamente de inconstitucionalidade material, a petição também alega que a lei teria violações formais. 

“Essa lei traz princípios e diretrizes que só podem ser colocados pela legislação federal, por isso tem essa inconstitucionalidade formal por usurpação da competência Federal para legislar sobre as diretrizes e bases da educação e do ensino”, diz Sartoti. 

A educação brasileira tem como regulamentação a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBD/1996) que define e orienta o ensino e a aprendizagem em todo o território nacional com base nos princípios da Constituição. Os municípios e estados podem criar leis sobre a matéria, desde que que elas estejam de acordo com a LBD ou não entrem em conteúdos regulamentados por esta norma.  

Outra violação destacada pelo jurista se refere à origem da matéria. “Como é uma lei que trata do regime de servidores públicos, de acordo com as duas constituições, só pode ser de iniciativa do chefe do poder executivo. O governador do estado teria que enviar um projeto de lei para a assembleia votar. Ela tem esse problema por nascer na Assembleia”, explica. 

Entramos em contato por e-mail com a Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina, com a Secretária da Educação e com o mandato da deputada Ana Campagnolo pedindo um posicionamento sobre constitucionalidade da legislação, mas não tivemos retorno até a publicação desta reportagem. 

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  • Fernanda Pessoa

    Jornalista com experiência em coberturas multimídias de temas vinculados a direitos humanos e movimentos sociais, especi...

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