A ONU Mulheres realizou entre os dias 17 e 19 de janeiro, em Brasília (DF), o I Encontro Nacional de Mulheres Defensoras de Direitos Humanos. O evento faz parte do encerramento da primeira fase do projeto “Conectando Mulheres, Defendendo Direitos”,  financiado pela União Europeia desde 2019, e resultou na criação da Rede Nacional de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos.

Ao longo dos três dias, representantes de mais de 52 organizações parceiras da iniciativa puderam expor as diversas violências que têm sofrido em seus territórios. São mulheres indígenas, do campo, quilombolas, de centros urbanos, LGBTQIA+, imigrantes, de etnia romani e outras origens, de diferentes regiões do país, que vivem sob ameaças constantes.

O Catarinas também foi convidado, pois em 2022 o portal esteve entre as organizações que receberam apoio do “Conectando Mulheres, Defendendo Direitos” para a reformulação do site, após uma série de ataques massivos que tiraram o portal do ar.

Mural montado no I Encontro Nacional de Mulheres Defensoras de Direitos Humanos. Foto: Kelly Ribeiro

O Encontro contou também com a presença de representantes do governo, sociedade civil, instituições filantrópicas, de entidades do Sistema ONU e da cooperação internacional pela garantia dos direitos das defensoras.

Cenário de insegurança

Durante o evento, foram denunciados casos de intimidação, racismo religioso, perseguição, invasão de residências, destruição de patrimônio, entre outros crimes praticados por fazendeiros, grileiros e/ou agentes públicos, num ciclo de violência que alcança também os amigos e familiares dessas mulheres.

Os relatos refletem o cenário nacional de insegurança. O Brasil é o quarto país do mundo com o maior número de assassinatos de pessoas defensoras de direitos humanos e do meio ambiente, segundo o relatório da Anistia Internacional divulgado em 2023.

“Toda a luta que nós temos traz essas inquietações. Nós corremos risco quando nos colocamos para fazer a defesa dos nossos corpos, do nosso território, e isso incomoda quem quer violar direitos e se manter na ilegalidade”, afirma Mônica Britto, coordenadora do Coletivo de Mulheres Negras Maria Maria (Comunema), com atuação em Altamira, no Pará.

Lançamentos

O Encontro realizou o lançamento da versão em português do Protocolo La Esperanza, elaborado pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL). O material oferece um roteiro para a elaboração de políticas públicas que abordem efetivamente as ameaças contra pessoas defensoras de direitos humanos, bem como diretrizes aos Estados para uma investigação criminal adequada. 

Lançamento La Esperanza
Painel de lançamento da versão em português do Protocolo La Esperanza. Da esquerda para direita: Sandra Carvalho (Justiça Global); Helena Rocha (CEJIL), Veronica Vidal (ONU Mulheres Colombia), Duda Borba Dantas (ONU Mulheres Brasil). Foto: Cláudia Ferreira/ONU Mulheres

Também foram apresentados os resultados da segunda fase da pesquisa “Percepção Social sobre Direitos Humanos e sobre Mulheres Defensoras de Direitos Humanos”, realizada pelo Ipsos Brasil a pedido da ONU Mulheres entre 20 de dezembro de 2022 e 31 de janeiro de 2023. Foram 1.200 entrevistas feitas por telefone com homens e mulheres maiores de 18 anos nas cinco regiões do país e traz uma análise dos dados em comparação com a primeira onda.

Os objetivos da pesquisa são, principalmente, compreender a percepção da população brasileira sobre direitos humanos e desigualdade de gênero, entender como a desigualdade de gênero estrutural reflete na percepção de direitos humanos, e conhecer a percepção a respeito das mulheres que defendem os direitos humanos.

Carta às Autoridades Brasileiras

No último dia, as defensoras entregaram a Carta Aberta às Autoridades Brasileiras pela Vida Digna de Mulheres Defensoras de Direitos Humanos a representantes do governo e da cooperação internacional.

O documento foi construído coletivamente e recomenda a implementação de demandas sistematizadas em oito eixos: Reconhecimento; Segurança e protocolos; Articulação e atuação em rede; Meio Ambiente e Mudança do Clima; Recomendações para o Estado Brasileiro; Acesso à Justiça; Recomendações para o Sistema ONU e comunidade internacional; e Medidas Específicas. O documento cobra brevidade nas ações e políticas de proteção para com defensoras de direitos humanos no Brasil.

Estavam presentes no painel para receber a carta as ministras Cida Gonçalves, do Ministério das Mulheres, e Anielle Franco, da Igualdade Racial; Silvia Rucks, Coordenadora Residente das Nações Unidas no Brasil; o ministro Jean-Pierre Bou, Chefe de Delegação Adjunto da União Europeia; Ana Carolina Querino, representante interina da ONU Mulheres Brasil; Rita Oliveira, Secretária Executiva do Ministério dos Direito Humanos; e Joziléia Kaingang, Secretária Nacional de Articulação e Promoção do Direito dos Povos Indígenas, Ministério dos Povos Indígenas.

“Discutir a questão das mulheres defensoras dos direitos humanos significa dizer que as mulheres são as defensoras da vida. E essas aqui muito mais do que outras porque estão colocando sua vida em risco para defender seu povo, sua família”, afirmou a ministra Cida Gonçalves.

Cida Gonçalves, ministra das Mulheres, no painel de autoridades no Encontro. Foto: Cláudia Ferreira/ONU Mulheres

A ministra assumiu o compromisso de incluir as mulheres defensoras de direitos humanos na Política Nacional de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e também no Plano Nacional de Prevenção ao Feminicídio que está em construção, citando os casos de Mãe Bernadete, ialorixá e líder quilombola assassinada em agosto de 2023 na região de Salvador, Bahia, e Sebastiana, líder religiosa da etnia guarani-kaiowá, encontrada carbonizada junto com o marido no local onde moravam, na aldeia Guassuty, em Aral Moreira,  no Mato Grosso do Sul.

“Se nós não enfrentarmos a raiz do problema não vamos enfrentar a violência contra nós mulheres. Isso se chama misoginia. Isso se chama ódio contra as mulheres e é isso que eles fazem todas as vezes que nos ameaçam, principalmente com as lideranças. É isso que eles fazem com todas nós mulheres, todos os dias. Se eles não podem nos matar, eles querem nos calar. Se não revertermos esse ódio contra as mulheres no país não vamos conseguir superar nenhum tipo de violência”, completou Gonçalves.

Claudelice Santos, da CONAQ e do Instituto Zé Cláudio e Maria, entrega à ministra Cida Gonçalves a Carta às Autoridades Brasileiras pela Vida Digna de Mulheres Defensoras de Direitos Humanos elaborada coletivamente durante o evento. Foto: Cláudia Ferreira/ONU Mulheres

A Carta foi entregue pelas defensoras Claudelice Santos, do Instituto Zé Cláudio e Maria, e Maria das Dores Pereira da Silva, do Coletivo de Mulheres da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Leia o documento aqui.

Rede Nacional de Mulheres Defensoras de Direitos Humanos

Representadas pela ialorixá Jô Brandão, coordenadora do Coletivo Dan Eji, de São Luís, Maranhão, as defensoras anunciaram a criação da Rede Nacional de Mulheres Defensoras de Direitos Humanos. A iniciativa foi idealizada após os diálogos entre as organizações e tem a perspectiva fortalecer e ampliar as articulações a partir desse formato, pensando estratégias também para a América Latina e Caribe.

“Foram muitas histórias ouvidas aqui e é preciso que haja desdobramento sobre isso, mas, fundamentalmente, fortalecer essas mulheres enquanto organização local, com o objetivo de somarmos força, de andarmos juntas, pensarmos estratégias coletivas, que possam superar as dificuldades que temos vivido na violação dos nossos direitos, das nossas diferentes identidades”, explica Brandão.

Segundo Debora Albu, gerente do “Conectando Mulheres, Defendendo Direitos”, o fortalecimento das atuações das defensoras foi uma das demandas levantadas ao longo dos quatro anos de projeto.

“Presenciar o anúncio da formação da Rede Nacional de Mulheres de Direitos Humanos é uma grande realização do potencial do projeto ‘Conectando Mulheres, Defendendo Direitos'”, celebrou Albu.

Brandão também avaliou positivamente o Encontro e destacou a preocupação da ONU Mulheres com as diferentes realidades experienciadas pelas mulheres defensoras, através da promoção de espaços de acolhimento e da escolha de temas pertinentes com o que elas têm vivido em suas comunidades.

“Eu saio com um sentimento muito positivo de que conseguimos dar um passo importante nessa construção coletiva entre nós mulheres defensoras, no sentido de nos fortalecer, mas também de fazer incidência em políticas-chave que dizem respeito a nossas vidas ou a construir outros laços para nos proteger. Precisamos de proteção. O Estado nos deve isso, mas também os outros organismos que têm essa função de protestar pelos direitos humanos”, conclui.

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Kelly Ribeiro

    Jornalista e assistente de roteiro, com experiência em cobertura de temas relacionados a cultura, gênero e raça. Pós-gra...

Últimas