Indígenas de SC resistem em defesa do território ancestral Ibirama-Laklãnõ
Tese jurídica defendida pelo governo catarinense ameaça existência dos povos indígenas; placar no STF é de 3 a 2 contra o Marco Temporal
A mobilização dos povos indígenas vem ganhando cada vez mais força em Santa Catarina. A duas semanas do 5ª Acampamento Terra Livre Sul (ATL Sul), as três etnias que habitam o estado voltaram a se reunir no Centro de Florianópolis para gritar não ao Marco Temporal. Representantes dos povos Guarani, Kaingang e Laklãnõ Xokleng acompanharam juntos a retomada do julgamento da tese jurídica anti-indigena no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (30). O placar do julgamento, iniciado em 2021, está 4 a 2 contra o Marco Temporal. Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cristiano Zanin e Luíz Roberto Barroso votaram contra, enquanto os ministros Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor. Ministros ainda devem chegar a um consenso sobre as indenizações até o fim do julgamento, que está suspenso até a próxima semana.
“O Marco temporal vem como um segundo massacre. Há quinhentos anos eles vêm matando muitos indígenas, invadindo muitos territórios. Hoje, a gente já teve algum reconhecimento para os povos indígenas, mas tem aqueles que não aceitam a nossa existência e inventaram o Marco Temporal”, afirma Eliara Antunes, cacica Guarani da aldeia Yakã Porã, da Terra Indígena do Morro dos Cavalos, em Palhoça, região metropolitana de Florianópolis (SC).
O Governo de Santa Catarina e o povo Laklãnõ Xokleng são centrais no debate em andamento no STF. O julgamento analisa um recurso de uma ação de reintegração de posse do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o povo Laklãnõ Xokleng, que disputam a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ e a área de Reserva Biológica do Sassafrás. A argumentação defendida pelo Governo é de que os povos indígenas só teriam direito a territórios ocupados na promulgação da Constituição da República de 1988.
Para Antunes, a mobilização indígena na capital é importante para mostrar que existe indigena neste território. “SC é um estado que nega a existência dos povos indígenas. Esquece que somos três povos e poderíamos ser mais, mas fomos exterminados desde a invasão em 1500. O Estado ainda tenta exterminar o pouco que tem, começando pelo povo Xokleng, onde nasce o Marco Temporal. Eles querem tirar o direito ao território dos Xokleng e aí por diante vem a terra dos Guarani e Kaingang”, diz a liderança.
O processo em discussão na Corte Suprema tem Repercussão Geral, ou seja, caso seja julgado procedente, todas as terras indígenas serão avaliadas de acordo com esta decisão, o que irá impactar casos semelhantes que tramitam nas instâncias inferiores do Poder Judiciário. A teoria é amplamente criticada por organizações indígenas, movimentos sociais e ambientalistas, que apontam o retrocesso em relação aos direitos indígenas e à sua sobrevivência.
“Se não temos território para morar, não temos saúde, nem educação, não temos nenhum outro acesso a um direito fundamental. A importância de termos o nosso território é que tenhamos as nossas vidas seguradas por inteiro”, afirma Txulunh Gakran, liderança da juventude Laklãnõ Xokleng.
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De acordo com o Censo de 2022, na Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, residem 2.517 pessoas das três etnias. Em Santa Catarina, são 10.563 indígenas residindo em territórios indígenas. Há 22 terras indígenas identificadas no estado, mas somente seis com processos demarcatórios concluídos, segundo a plataforma Terras Indígenas no Brasil.
Direito ao território, direito à vida
A demarcação de terras indígenas é um tema primordial para os povos originários. Tradicionais ocupantes deste solo antes da colonização, eles veem os seus territórios cada vez menores frente à ocupação dos não-indígenas.
A ativista e integrante da Articulação Nacional de Mulheres Indígenas, Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), Ingrid Sataré Mawé, lembra que o direito à terra foi transversal nos debates do 5ª ATL Sul. “Todas as falas, mesmo nas mesas sobre educação e saúde vinham com essa questão, porque não tem como manter outros direitos sem a demarcação dos territórios”, disse.
Durante o evento, que também foi acompanhado pelo Catarinas, a cacica Antonia Konheco Pate, da aldeia Koplag da TI Laklãnõ Xokleng, contou sobre o preconceito e a violação de direitos que o seu povo enfrenta como consequência da disputa de terra com o executivo catarinense.
“Não temos escola para os nossos filhos. Não temos futuro na saúde indígena, não podemos sair para fora porque nos discriminam. Quando saímos para pedir emprego, fecham a porta para a gente. Quando as mulheres vão ao médico, ao hospital, também não são bem atendidas, por causa da falta de demarcação”, relatou.
Ingrid que é do povo Sateré Mawé do Amazonas, em Manaus, vive em Santa Catarina há mais de 16 anos. Ela integra as lutas dos povos catarinenses com uma proximidade maior com o povo Guarani. Durante o ato contra o Marco Temporal, ela fez um apelo para que a população entenda o ataque que os povos indígenas estão sofrendo.
“As mulheres indígenas, frente de linha desta luta sofrem, elas choram, ficam preocupadas com com onde vão morar, porque é isso que está em jogo. A casa e a moradia das pessoas”, disse. Em complemento, esclareceu a concepção de território que os povos indígenas carregam: “Nós não entendemos o território como uma questão privada, mas entendemos como um lugar de proteção à nossa mãe terra e tudo o que há de vida nela. Não é só a nossa moradia, mas a moradia de outros seres que dependem desses rios, dessas florestas”.
O território indígena é um espaço de sobrevivência e construção de um povo e uma cultura, um lugar da existência de um coletivo. E a luta contra o Marco Temporal é a única forma de resistência possível.
“Hoje estamos aqui para defender aquilo que é nosso direito, que está na Constituição. Temos direito à nossa cultura, direito a viver dessa cultura. E temos direito ao território. Todo mundo quer ter o seu lugar nessa terra, nesse Brasil, que é tão grande. Estamos aqui lutando não só pela demarcação da terra indígena Laklãnõ Xokleng, mas também pelas outras terras indígenas que ainda não estão demarcadas”, afirma Vanessa Fehan, estudante de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e indígena do povo Kaingang.