No carnaval, o machismo não usa máscaras. Pelo contrário: assume sua identidade de uma forma explícita. Exemplo disso são as “brincadeiras” feitas com os homens que se “fantasiam” de mulher. Transformado em objeto, é como se aquele corpo passasse a não ter dono. Passadas de mão, cantadas, puxões de braço, tapas, tudo é permitido, vira apenas uma diversão. O cultural “fiu fiu”, considerado inofensivo por muitos, toma outra proporção nesta festa com permissão para extravasar “desejos”, especialmente dos homens – com a justificativa de que não controlam seu impulso sexual. Para refletir sobre como a violência contra a mulher é componente central no carnaval, a fotógrafa Julliane Albuquerque criou o ensaio “Alegoria”, que mistura o colorido característico da festa com formas de hematomas.

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O ensaio propõe a provocação “carnaval é alegria para quem?”. Em uma série de fotos, elementos típicos como serpentina, confete e purpurina denunciam diferentes agressões. São alegorias que representam o sofrimento das mulheres, mesmo quando as violações não deixam marcas físicas. “Minha intenção foi chamar a atenção para o quanto a violência contra a mulher faz parte dessa festa. E nesse caso me refiro tanto a violência psicológica quanto física, pois acredito que fazem parte da mesma cultura”, afirma Julliane.

Além de fotógrafa, a alagoana Julliane – radicada no Rio de Janeiro – também é a modelo do ensaio que tem formato de autorretrato. Para registrar as imagens, foi preciso programar a máquina e fazer uso de um tripé.

“Já fui assediada e já presenciei muitos assédios no Carnaval. Infelizmente, ainda tem muito homem que acha natural puxar o braço ou passar a mão no corpo de uma mulher. Se um cara está sem camisa é porque faz calor, mas se uma mulher usa uma roupa mais curta eles encaram como um convite. Isso sem contar a agressão que pode vir depois de levar um fora. No ano passado, soube de uma mulher que levou um soco simplesmente por dizer não”, argumenta a fotógrafa.

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Apesar de gostar da festa, a cada ano ela questiona se vale a pena participar dos blocos ou fugir deles por se sentir desconfortável. “O primeiro passo pra gente mudar essa situação é reconhecer que ela existe e que não deveria ser natural. Espero que esse ensaio se some aos muitos movimentos e a todas as mulheres que pedem mais respeito também no Carnaval”.

O feminismo faz parte da sua vida há algum tempo e recentemente passou a transparecer no trabalho. Esse é o primeiro ensaio dela voltado a discutir as violências de gênero, porém seu ativismo está presente em outras formas de arte, como a poesia e a colagem.

“O Carnaval é uma festa linda. É quando as ruas ficam cheias de gente fantasiada, de cores, de música. Mas acho que a alegria dessa festa só pode ser real se for para todos. Não dá pra usar a época como desculpa pra assediar e agredir mulheres. Esperar que uma mulher permita ser tocada é o mínimo. Vamos festejar juntos”, convida para um carnaval sem assédio.

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Violências
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 registrou um aumento de 221% de procura pelo serviço no carnaval de 2016 em relação ao de 2015. Neste ano, o disque-denúncia recebeu 3.714 relatos de violência, entre os dias 1º e 9 de fevereiro. No período de 10 a 18 de fevereiro de 2015, foram registrados 1.158 denúncias. De acordo com o levantamento, 51,18% dos registros corresponderam a violência física; 28,43% a violência psicológica; 7,51% a cárcere privado; 7,16% à violência moral; 3,34% a violência sexual; 2,29% à violência patrimonial e 0,08% à tráfico de pessoas. (Dados disponíveis aqui).

Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é um serviço de utilidade pública gratuito e confidencial. O atendimento é oferecidos 24 horas por dia, todos os dias, inclusive sábados, domingos e feriados.

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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