A mortalidade materna escancara o racismo no Brasil
O Dia Nacional da Redução da Mortalidade Materna foi instituído no Brasil através da Portaria do Ministério da Saúde nº 663/94. Essa data visa promover um debate em nível nacional sobre a importância dos cuidados para a saúde da gestante.
Por Juliana Mittelbach.
O Dia Nacional da Redução da Mortalidade Materna aponta para o racismo no país: 54,1% das mortes maternas ocorrem entre as mulheres negras.
Hoje, 28 de maio, é o Dia Internacional da Luta pela Saúde da Mulher e o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna. Datas que nos convidam à conscientização sobre os diversos problemas de saúde e distúrbios comuns na vida das mulheres. Pois somos 51% da população brasileira, segundo dados do último censo do IBGE. Mas, sobretudo, nos convida a refletir como a vida das mulheres, em especial das mulheres negras, vêm sendo tratadas pelas políticas públicas de saúde implementadas pelo Estado brasileiro.
Antes, vale lembrar que o Dia Internacional de Luta Pela Saúde da Mulher surge no “IV Encontro Internacional Mulher e Saúde”, que ocorreu em 1984, na Holanda, durante o “Tribunal Internacional de Denúncia e Violação dos Direitos Reprodutivos”. Ficou definido ali que o dia 28 de maio seria destinado a estimular o debate e a reflexão em nível mundial sobre os métodos e ações políticas necessárias para melhorar as condições de saúde da mulher.
A data tem o intuito de reforçar a importância da prevenção e do tratamento adequado de problemas de saúde e distúrbios que mais acometem as mulheres, como o câncer de mama e do colo do útero, infecção urinária, fibromialgia, depressão, endometriose, obesidade, entre outras enfermidades.
Já o Dia Nacional da Redução da Mortalidade Materna foi instituído no Brasil através da Portaria do Ministério da Saúde nº 663/94. Essa data visa promover um debate em nível nacional sobre a importância dos cuidados para a saúde da mulher, sobre a necessidade de avançar em políticas públicas que ajudem a garantir assistência de qualidade no pré-natal, parto e puerpério (pós-parto) e denunciar para toda a sociedade os óbitos das mulheres durante a gestação ou até 42 dias após o término da gravidez.
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Em nosso país, 54,1% das mortes maternas ocorrem entre as mulheres negras de 15 a 29 anos. A população negra feminina também tem duas vezes mais chance de morrer por causas relacionadas à gravidez, ao parto e ao pós-parto quando comparadas às mulheres brancas. Racismo? Escancarado!
Ao relacionarmos racismo e morte materna, os dados apontam: das vítimas, 60% são mulheres negras (pretas e pardas) e 34% são brancas. Os números refletem o óbito durante a gravidez, o parto, o aborto e o puerpério. Estatisticamente, mulheres negras também são as que têm menos acesso a cuidados no pré-natal no SUS e recebem menos anestesia no momento do parto.
Entre as causas mais frequentes de morte materna estão: hemorragia grave: 27%; hipertensão na gestação: 14%; infecções: 11%; parto obstruído e outras causas diretas: 9%; complicações de abortos: 8%; coágulos sanguíneos: 3%.
Não à toa, para avançarmos na garantia de saúde para mulheres é urgente o investimento em políticas sociais que tenham a finalidade de combater as desigualdades de gênero e combater o racismo institucionalizado nos serviços de saúde tão intrínsecos no modus operandi da política institucional no Brasil. Também é necessário garantir condições de trabalho dignas para os trabalhadores e trabalhadoras, além de formações permanentes para os profissionais que atuam nesta área.
Cabe aqui também ressaltar que a Portaria nº 715/2022 que cria a nova Rede Materna e Infantil (RAMI), que substitui a Rede Cegonha, é uma afronta ao direito de parir e nascer sem violência, com segurança e assistência adequada. Deve ser revogada imediatamente! A elaboração da assistência perinatal deve ser uma construção coletiva, valorizando a atuação multiprofissional, o controle social e a descentralização da gestão, reconhecendo o trabalho indispensável da enfermagem, profissão inclusive majoritariamente feminina e negra.
Precisamos produzir políticas públicas com olhar que combata opressões. Precisamos eleger mulheres negras que elaborem políticas de saúde com raça, com classe e de gênero.
*Juliana Mittelbach é enfermeira e trabalha no Hospital das Clínicas do Paraná com pacientes com câncer. Filha de militar, já viveu em vários estados do país. É doutoranda em Saúde Pública na Fiocruz e estuda saúde da mulher com foco em mulheres negras. Está pré-candidata a Deputada Estadual do Paraná e participa da jornada formativa do projeto Estamos Prontas, iniciativa do Instituto Marielle Franco e movimento Mulheres Negras Decidem.