Produção de Carolina Fagundes.
Edição de Paula Guimarães. 

Resistência, substantivo feminino, é uma prática cotidiana na vida de Vera Verônika. Negra, rapper, compositora, mantenedora de abrigo infantil, pedagoga, empreendedora e consultora nas causas de Direitos Humanos. Representa muitas mulheres. Uma das pioneiras no rap nacional sendo a primeira rapper feminina do Distrito Federal, ela encontra na cultura do hip hop uma forma libertadora de expressão política capaz de revolucionar a periferia.

Sua música é alento que difunde o conhecimento para enfrentar as amarras que oprimem o povo preto e, especialmente as mulheres. “Meu desejo maior é que as pessoas se empoderem de conhecimento, porque isso é uma arma que nem o povo e nem uma nação consegue derrubar”, afirma.

Mestre em educação e professora universitária, Vera fez de sua vida um palco aberto para as bandeiras e causas em que acredita. É atuante em palestras, oficinas e cursos que unem a Cultura Hip Hop e a História Afro-brasileira, sempre apresentando o rap como instrumento pedagógico no cotidiano do jovem de periferia. O projeto é desenvolvido com crianças e adolescentes em situação de risco, privados da liberdade, mulheres vítimas de violência e que provisoriamente estão em presídios ou abrigos.

Não bastasse todo envolvimento social, ela ainda coordena um lar para crianças entre 0 a 16 anos, em Valparaíso de Goiás — localizado no entorno de Brasília, mas pertencente a Goiás. Para manter a casa conta com a venda de artesanato fabricado por ela e sua mãe Dona Dina, além de algumas doações.

Neste ano, a rapper comemorou o aniversário de carreira com o lançamento do seu primeiro DVD “Vera Veronika 25 anos”, trabalho que envolveu 215 artistas e integra 25 músicas, uma para cada ano, incluindo sete inéditas. Na faixa “Assediada”, 16 mulheres de diversos estados do país denunciam as violências diárias que já sofreram. Todos os vídeos do DVD têm tradução simultânea em libras. A gravação deu origem também ao CD “Afrolatinas” que traz a luta da mulher negra para o centro das discussões.

Em conversa com o Catarinas, a cantora fala sobre o que é ser mulher dentro desse movimento cultural, suas produções e aspirações para o futuro.

Em conversa com o Catarinas, a cantora fala sobre o que é ser mulher dentro desse movimento cultural, suas produções e aspirações para o futuro.

Catarinas:  Como conheceu o rap? Como foi sua entrada para esse mundo da música?Vera Verônika: Conheci o rap em 1990, através de um amigo que me emprestou uma fita K7 e na fita tinha “Sub raça” do Rapper X Câmbio Negro. Quando eu ouvi aquela música meu mundo mudou. Comecei a cantar em 1992 no grupo Missionárias com mais duas amigas, Márcia e Débora. Formamos um grupo sem saber que pelo Brasil afora muitas guerreiras já estavam cantando.

Catarinas:  Suas músicas parecem falar sobre o dia a dia, sobre sonhos e necessidades suas, qual foi a sua primeira música?
Vera Verônika: Minha primeira música se chama “Heroínas de geração”. É uma música que fala de vários papéis das mulheres na sociedade e fala de mim, da entrada no rap, da minha correria, dos meus sonhos, da minha formação. Então, todas as minhas letras têm uma temática, cada letra retrata um momento da vida, um momento da nossa política, um momento histórico. Tenho a letra “Genocídio” que trata, infelizmente, da morte dos nossos jovens negros; tem a música “Deixe-me ir”, que é uma música de empoderamento para as mulheres poderem realizar seus sonhos e acreditar em  si. Então cada uma das música tem uma temática.

Foto: Tatiana Reis

Catarinas:  Como é ser uma mulher e mulher negra dentro do mundo do rap?
Vera Verônika: O rap infelizmente hoje tem muito machismo, mas não foi assim quando eu comecei. Quando eu comecei, as mulheres da cultura hip hop eram muito estimadas e valorizadas, porque nós éramos poucas. Eu por exemplo, no Distrito Federal, por ser a primeira, tive muito apoio dos rappers e nós mantemos uma amizade até hoje. Mas infelizmente as meninas que estão começando agora, principalmente as meninas que batalham, as dos slams, dos freestyles, elas sofrem muito preconceito e muito machismo. Infelizmente muitos homens não compreenderam que a gente tá num movimento cultural e social para somar e poder mudar a realidade das periferias. Não é estrelismo, não é briga ou disputa por espaço, é uma briga e uma disputa pela sobrevivência dos jovens de periferia, do negro, do índio, da comunidade LGBTQI, que está sendo dizimada.

Infelizmente ainda existe muito machismo e ser uma mulher negra no movimento do hip hop só me empodera mais e mais para que eu possa brigar pelas causas sociais.

Catarinas:  Quais são as maiores dificuldades que você encontrou nesses 25 anos de carreira?
Vera Verônika:
Nossa, isso é uma pergunta bem difícil e direta, porque eu acho que a maior dificuldade que não só eu mas várias mulheres da cultura hip hop enfrentam na carreira de artista é que a gente precisa desenvolver vários papéis. Eu sou educadora, pedagoga, feirante, ativista, então eu não sou só artista, só rap, então a gente precisa se manter financeiramente para exercer nossa profissão de artista, nossa profissão MC. Eu acho que maior dificuldade é ter que exercer várias funções e vários papéis para manter a cultura Hip Hop viva, para que a gente possa cantar e se expressar a gente precisa ter jornadas triplas. Acho que isso é a maior dificuldade, outra grande dificuldade é a questão da nossa mídia, que infelizmente a gente não consegue alcançar a massa que é o nosso ideal, estar tocando nas rádios, nas periferias, em todos os lugares, porque a gente infelizmente ainda precisa pagar um grande jabá e não temos condição de bancar isso.

Catarinas:  Como você acredita que o rap pode influenciar a vida das pessoas, especialmente as comunidades mais periféricas?
Vera Verônika: O Rap na sua originalidade, na sua epistemologia da palavra Rap significa ritmo e poesia, e é o que a gente faz através da poesia ritmada, a gente leva música de empoderamento, música de resistência, música que possa transformar o conhecimento das pessoas, porque a cultura Hip Hop, como várias outras vertentes, é uma música que veio mesmo sendo a revolução através da palavra.

Então cada letra, cada frase que a gente canta, cada momento para pra ler e escrever, cada situação que a gente vê e tenta relatar, é sim para melhora das comunidades que precisam do rap, é sim para pessoas que precisam do alento e do conhecimento, então esse ritmo e poesia é revolução para a periferia.

Catarinas: Quando você começou a cantar, pretendia chegar aonde?
Vera Verônika: Quando eu comecei a cantar, foi tão transformador na minha vida, porque eu era e ainda sou de uma comunidade muito carente no entorno de Brasília. Valparaíso é onde fica o orfanato que eu e minha mãe mantemos e é uma cidade que faz parte de um entorno. Dentro dessa cidade do entorno tem Luziânia, que é a cidade mais violenta do Brasil, onde os jovens infelizmente estão sendo dizimados, então quando eu comecei a cantar, eu sempre quis mudar a realidade da periferia e dos jovens que estavam ao meu lado, porque aquela música foi tão libertadora pra mim que talvez (sem ela eu não estivesse) não estaria aqui, trocando essa ideia, batendo esse papo, conhecendo vocês e podendo divulgar meu trabalho. Então o rap pra mim é uma revolução todos os dias, quando eu vou nas unidades de internação, conto uma história, canto a música, vou nos presídios, quando vou nas escolas, quando estou no ônibus e troco uma ideia com alguém que me olha assim meio diferente, porque eu sou “exótica” para as pessoas. Mas eu sou uma mulher negra de turbante, que valoriza minha cultura, que me pinto, que uso roupas coloridas, então muita gente olha com estranheza e eu faço questão de sentar, conversar, trocar uma ideia, falar que canto rap, falar que sou mestra em educação, por que as pessoas elas ainda não associaram a nossa formação acadêmica à cultura de rua e a maioria das pessoas hoje têm buscado uma formação acadêmica, pra gente melhorar a vida da periferia.

Então o que eu almejava na minha periferia eu tenho tentado cumprir, infelizmente as políticas públicas não estão atentas como deveriam aos nossos jovens, à nossa educação, à saúde pública, mas somos a resistência.


Catarinas:  Além de rapper, você é empreendedora, como começou nessa carreira e o que impacta na sua vida?
Vera Verônika: Me intitulo uma empreendedora afro. Nós mantemos o orfanato com a venda do artesanato que nós mesmas produzimos – eu, minha mãe e minha irmã Angélica –, então nós temos uma banca de artesanato na feira da Torre, nós produzimos e vendemos. Eu uso e canto sempre com as roupas que a gente faz, com os turbantes, os colares e a gente prioriza por trabalhar com uma cultura afro brasileira, mostrando o colorido, mostrando a diversidade. Trabalhamos com tamanhos grandes, porque nós mulheres temos vários tamanhos e formatos e a gente precisa respeitar os corpos das mulheres, cada uma precisa ter sua visibilidade e se sentir bonita. Então eu sou uma empreendedora afro que faz artesanato e venda na feira da Torre de TV de Brasília.

Catarinas:  Quais impacto você deseja que sua música gere?
Vera Verônika: Eu acredito que o maior impacto que eu desejo que a minha música gere, primeiro, é a visibilidade. Com 25 anos de carreira, agora, aos quarenta e pouco anos que eu consegui gravar meu primeiro DVD. E pra marcar isso, o DVD vem com 25 músicas, uma para cada ano de carreira, e cada música tem como já expliquei, uma temática e que essas temáticas possam tocar cada pessoa na sua totalidade. Mas o meu maior desejo é dar visibilidade para mulheres de periferia, para mulheres negras, para feministas, negras e brancas, mulheres que se intitulam guerrilheiras, mulheres que tentam transformar a sua realidade e transformar a realidade de outras mulheres, jovens que estejam em situação de vulnerabilidade.

Então o meu desejo maior é que a minha música possa chegar aonde ela seja necessária e quem sabe desbravar os oceanos, sair do Brasil e poder alcançar os públicos que dela necessitem. 


Catarinas:  E agora, nesse atual contexto político, o que pretende para o futuro?
Vera Verônika: Nesse momento em que a palavra “resistência” se tornou nossa palavra de ordem, eu acredito que nós precisamos estar muito mais próximas, juntas, para que a gente possa tentar mudar essa situação. Porque nós já perdemos, já teve um retrocesso, a gente já perdeu várias políticas públicas e infelizmente no atual cenário a gente vai perder mais políticas públicas, a gente vai ter direitos negados, podemos perceber pelas várias falas e entrevistas, que nós não somos mais prioridade para uma nação que deveria valorizar o seu povo. Meu desejo é que as pessoas se empoderem de conhecimento, porque isso é uma arma que nem o povo e nem uma nação consegue derrubar.

 

 

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