O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) autorizou o aborto legal em dois casos de má formação fetal, sem possibilidade de vida extrauterina do feto. Ambos os pedidos foram negados em primeira instância, nas varas de Campinas e Lorena. Os relatores dos processos na segunda instância comparam a continuidade da gestação como equivalente à tortura e a descrevem como um risco à saúde física, mental e emocional das gestantes.

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu a interrupção terapêutica da gravidez em casos de anencefalia, mas quando se trata de outros tipos de má formação fetal, é necessário recorrer à justiça para acessar o procedimento. 

“Quem está gestando nessas situações ainda precisa continuar fazendo o pedido de autorização judicial. Nesses casos, a pessoa precisa de um advogado, e comprovar a má formação por meio de laudo do estado mental e estado de saúde dela, da situação do feto e consequências”, explica o desembargador do TJ-SP, José Henrique Rodrigues Torres.

Nesses dois casos, os juízes negaram o pedido e as gestantes recorreram ao TJ-SP, na segunda instância. “Em ambos, houve a impetração de mandado de segurança, que é um instrumento constitucional para garantir direito líquido e certo. Nesses dois casos, o TJ-SP autorizou a interrupção de gravidez, afirmando que as duas gestantes tinham o direito líquido e certo de interrupção da gravidez”.

Torres coloca que, na sua interpretação, a decisão do STF deveria ser estendida para todos os casos de inviabilidade da vida extrauterina.

“Se o STF disse que no caso de anencefalia, não há vida a ser tutelada e não há abortamento, é uma interrupção de gestação terapêutica, esse entendimento tem que ser estendido para todos os demais casos de má formação fetal e inviabilidade de vida extrauterina. Assim, não haveria necessidade nenhuma de qualquer autorização judicial para interrupção da gestação em todos esses casos”, defende. 

Pentalogia de Cantrell

Em um dos casos julgados pelo TJ-SP, durante a Ultrassonografia Genética Fetal Nível IV, realizada em 23 de dezembro de 2022, o feto, com 17 semanas e 3 dias na época, foi diagnosticado com Pentalogia de Cantrell, síndrome congênita que afeta o diafragma e causa anomalias cardíacas. O laudo médico da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo concluiu que a anomalia é incompatível com a vida extrauterina.

“Não se pode exigir, social ou juridicamente, que a impetrante leve a termo a sua gestação, pois a vida extrauterina do feto é absolutamente inviável, tratando-se de gravidez de alto risco, com sérios, comprometedores e óbvios prejuízos à sua saúde física, mental e emocional”, diz trecho.

“Inimaginável obrigar uma mulher a prolongar uma gestação que culminará, inexoravelmente, com a impossibilidade de vida extrauterina, o que seria, no mínimo, desumano”, aponta a liminar do relator Maurício Henrique Guimarães Pereira Filho.

“O que o Supremo Tribunal Federal entendeu, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF, foi que quando há impossibilidade de vida extrauterina está autorizada a interrupção da gravidez. E não é porque referida decisão teve como escopo anencefalia que necessário será, em relação a cada um dos casos de síndrome ou patologia que venham a causar impossibilidade de vida extrauterina, que haja novamente manifestação da Suprema Corte. O que seria, no mínimo, ilógico”, conclui o relator, que julgou o caso em 24 de janeiro.

Síndrome de Body Stalk

Em 26 de janeiro, o relator Marcos Alexandre Coelho Zilli concedeu a liminar que autorizou a interrupção da gravidez de uma gestação de 23 semanas. O feto foi diagnosticado, por três médicos, com a Síndrome de Body Stalk, na qual o cordão umbilical é inexistente e não há o fechamento da parede abdominal do embrião, deixando os órgãos expostos e impossibilitando a vida extrauterina. 

“O pleito pelo aborto terapêutico tutela a mulher contra a tortura de sofrer as alterações físicas e psicológicas em função de gravidez fracassada”, fala um trecho da decisão.

O pedido de interrupção da gravidez foi realizado em 11 de janeiro para o Tribunal do Júri da Comarca de Campinas. O Ministério Público de São Paulo foi favorável à interrupção. Porém, em primeiro momento, o pedido foi indeferido. O juiz que estava à frente do caso naquele momento argumentou que o pedido não se enquadrava nos casos permitidos por lei e que a vida intrauterina possui o direito à proteção jurídica. A liminar chegou ao relator Zilli em 20 de janeiro.

“Embora a vida do nascituro seja um bem jurídico digno de proteção penal, existem situações em que determinados interesses da mãe se sobrepõem a tal bem jurídico”, diz o documento.

“Diante de tal quadro, a concessão da liminar torna-se medida imperiosa a fim de salvaguardar os direitos fundamentais da impetrante, evitando-se a perpetuação dos efeitos deletérios da gestação de um feto portador de anomalias incompatíveis com a vida extrauterina”, finaliza a liminar.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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