Já nos primeiros dias do novo Governo Federal presenciamos uma série de discursos que abertamente tiveram como intuito atacar as discussões sobre gênero, sexualidade e feminismo que vem sendo realizadas dentro e fora da academia ao longo de décadas. A disputa de sentido sobre o que significa refletir sobre essas temáticas tem sido a tônica tanto de um programa de governo quanto dos adeptos e defensores deste.

O que surge nos últimos dias, não de forma surpreendente porque já bem conhecida, mas um tanto curiosa, é a provocação que vem sendo feita às feministas para que estas valorizem atitudes marqueteiras que diferem bastante do que nós, enquanto movimento ativista e suas propostas teóricas, temos dedicado as nossas vidas a defender.

Um primeiro ponto que merece ser destacado nessa querela é o desconhecimento por parte destes que nos chamam ao “debate” sobre as atuais pautas do movimento feminista. Uma mulher branca e heterossexual que está ao lado de um homem, também branco e heterossexual, defensor do fim do “politicamente correto”, ou seja, do direito das maiorias não contempladas nos espaços de poder e decisão reivindicarem mecanismos que garantam uma existência digna, assim como a preservação de suas vidas, não pode ser considerada um ícone feminista.

Assim como a sua tomada de palavra na cerimônia de posse antes do marido eleito não pode ser entendida como um avanço que nós feministas devêssemos aplaudir. Esquecem-se de pronto que já tivemos uma presidenta eleita, que esteve ao lado da filha na posse, e que foi retirada do cargo maior após uma articulação golpista.

Quem já viu a força de uma mulher receber a faixa presidencial em toda a sua grandiosidade, não se contenta com migalhas. Do lugar cativo de belas, recatadas e do lar já estamos fartas, mesmo que este garanta alguns momentos de voz concedidos pelos homens em posição de poder.

Por outro lado, desconhece o feminismo quem acredita que nós só atuamos e lutamos pelos direitos das mulheres de esquerda, negras, indígenas, camponesas e população LGBTTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis e Intersexuais). Destinamos maior atenção a estas especificidades por entendermos que as desigualdades sociais articuladas as colocam em situação maior de vulnerabilidade frente às outras.

Não escolhemos a dedo as nossas lutas, elas é que se impõe a nós a partir de um olhar atento para a estrutura social desigual que existe no Brasil.

Mas também atuamos para que todas as mulheres sejam livres e possam fazer as suas escolhas, mesmo que essa escolha represente um lugar coadjuvante no palanque. Se essa for a vontade, respeitaremos, mas saibam que continuaremos tecendo nossas críticas sobre o quanto esta posição não é representativa para nós. O que não compactuaremos em hipótese alguma é com uma mulher aliada a um projeto que coloca em risco nossos direitos e atua ao lado de um homem conhecido por atacar diretamente os grupos historicamente negligenciados pela política institucional. 

Não nos peçam o que não podemos conceder sob o risco de esvaziar completamente nossa visão de mundo e ideais.

Ao fim, cabe ressaltar que nessas décadas de luta já não podemos ser consideradas sujeitas inocentes, presas fáceis de discursos e atos de marketing que só servem para encobrir a atuação coletiva de quem realmente dedica as suas vidas para a redução da desigualdade, do estigma e do preconceito.

O corpo político que conquistamos ao longo de tanto tempo tensionando as relações de poder que nos subjugam, maltratam e nos levam a morte, não é fácil de enganar. Não conseguimos voltar e fechar os olhos, pois já faz parte nós estarmos constantemente alertas à dissimulações do patriarcado racista e aniquilador de existências que colocam em xeque a sua autoridade.

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