Mulheres vão às ruas pela democracia, contra o racismo e o fascismo
Com recorde de feminicídios, a vida das mulheres é uma das principais pautas dos movimentos feministas de todo o Brasil
Nesta quarta-feira, 8 de março, do sul ao norte do país, os movimentos feministas vão às ruas reivindicar suas principais demandas. Entre as pautas debatidas nas assembleias de construção das mobilizações, a defesa da democracia e da vida das mulheres, a luta contra o racismo e o fascismo, e pelo fim da fome foram questões em comum nacionalmente. Há um consenso entre os movimentos de que a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas urnas foi uma das maiores vitórias democráticas desde a Ditadura Militar. No entanto, o golpismo, o fascismo, o racismo e a misoginia, tão entranhados no Governo Bolsonaro, ainda são uma ameaça à democracia e à vida das mulheres.
Para Tamires Arantes, assistente social integrante do coletivo Juntas! SP, o bolsonarismo segue se organizando como uma alternativa política na sociedade. “Em São Paulo, uma das primeiras ações de Tarcísio Freitas (Republicanos) como governador foi indicar Sonaira Fernandes (Republicanos) para a secretaria das mulheres, uma figura já conhecida pelo seu conservadorismo e que se declara abertamente contra as feministas”, comenta Arantes. Ela acredita ser fundamental que o 8 de Março seja um símbolo das ruas contra o facismo.
Na região metropolitana de Belo Horizonte, a data está sendo construída de forma unificada, incorporando grupos autônomos, independentes e organizações dos municípios do entorno. O lema “Vida digna, diversidade, direito ao aborto: nas ruas contra o racismo, o fascismo e o capitalismo” representa o resultado de um longo debate sobre a conjuntura atual. “Nós queremos a radicalização da democracia, para que ela possa atingir todos os setores oprimidos e excluídos desta sociedade. Considerando que o capitalismo tem cada vez aprofundado mais a sua violência e excluído mais pessoas das suas possibilidades de ganhos. Ele não tem saída, portanto, nós nos definimos como movimento feminista anticapitalista”, afirma a economista e integrante da Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Dirlene Marques.
Muitas ativistas que constroem o 8 de março atuam em movimentos que possuem uma representação nacional, ainda assim, cada região constrói discussões locais e acaba demandando pautas a partir da especificidade de cada território. Em Belém do Pará, por exemplo, o mote deste ano é “Pela vida das mulheres, pela democracia, contra a fome e em defesa dos territórios Amazônidas”. A fisioterapeuta e educadora popular Vivi Reis, do coletivo Juntas! Belém, explica que a fome, que atinge principalmente mulheres pobres, negras, mães solo, está diretamente conectada com a defesa da Amazônia. “Este combate à fome vem conectado com a defesa dos territórios e da Amazônia, na medida em que precisamos repensar o modelo que está posto, que muitas vezes prioriza um modelo desenvolvimentista que invade territórios, que não respeita o direito dos povos tradicionais, povos indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, do conjunto de territórios amazônidas”, defende.
Comitê Popular das Mulheres Feministas Brasileiras apresenta carta com treze pontos estratégicos
O Comitê Popular das Mulheres Feministas Brasileiras, uma articulação democrática popular do movimento feminista formada por mais de quarenta movimentos, apresentou uma carta com treze pontos estratégicos para que os governos federal, estaduais e municipais busquem dar resposta ao enfrentamento da fome, à defesa da democracia e à promoção do bem viver para as mulheres e para o povo brasileiro.
Entre outras demandas, os tópicos levantados pelo documento versam sobre o combate à fome, o direito à moradia, os direitos sexuais e reprodutivos, sobre o amparo, proteção e valorização das trabalhadoras, a valorização do salário mínimo, o enfrentamento à violência contra as mulheres e contra população LGBTQIA+, o enfrentamento ao racismo, o apoio para a produção das mulheres do campo, das florestas e das águas, a defesa da democracia e o combate aos grupos de ódio.
“A eleição de Lula nos trouxe esperança para reconstruir o Brasil com participação social e popular, para recompor o orçamento público voltado para as políticas sociais, de inclusão e distribuição de renda, para defender a democracia como caminho para a efetivação dos direitos fundamentais que garantem dignidade para o povo brasileiro, como moradia, comida na mesa, saúde, educação, cultura, acesso à terra e a demarcação dos territórios de povos e comunidades tradicionais”, afirma Sirley dos Santos, camponesa do Sergipe e militante da direção nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), organização que faz parte do Comitê.
Segundo Santos, em fevereiro, foi realizada uma audiência virtual com a Secretaria Geral da Presidência e o Ministério das Mulheres, onde foram apresentados e debatidos os pontos da carta.
Em Santa Catarina, a luta contra o racismo é eixo central na homenagem à Antonieta de Barros
Em Florianópolis, a catarinense Antonieta de Barros, primeira deputada estadual negra do Brasil, será homenageada em um mote que destaca a luta contra o racismo.
“O mote é ‘8M Antonieta: Contra o racismo e pela vida das mulheres’, a fim de referenciar a existência e os feitos dela, mas para além disso, trazer a reflexão da luta contra o racismo e a garantia dos direitos das mulheres negras e indígenas, tendo em vista que o olhar da luta feminista deve estar voltado à integração da diversidade e pluralidade das mulheres, que inclua mulheres negras e indígenas. Que não seja um feminismo feito pela branquitude e para a branquitude, pois desta forma os padrões continuam sendo repetidos, os acessos continuam sendo direcionados para um mesmo grupo social (a branquitude)”, explica Liza Gilioli, produtora cultural independente e uma das organizadoras da mobilização.
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Na cidade mais populosa de Santa Catarina, que segue o mesmo mote da capital junto com Jaraguá do Sul, o manifesto destaca a luta contra a violência e opressões de gênero, contra o facismo e o racismo e por políticas públicas que impactam diretamente a vida das mulheres da região. “Aqui em Joinville, a conjuntura é a partir do racismo, fascismo, machismo e LGBTfobia que sofremos dentro de uma cidade e de um estado que nos invisibiliza, principalmente as mulheres negras e mais vulneráveis. A partir disso, nascem várias reivindicações para cobrar medidas e avanços em políticas públicas que possam garantir uma vida digna”, diz Anelise Wisbeck. do Movimento Feminista da Diversidade. Entre as demandas específicas está a extensão do horário de atendimento da Delegacia da Mulher para 24 horas, a implantação de mais uma casa de acolhimento para vítimas de violência e a implementação de um projeto de erradicação da pobreza menstrual.
No oeste do estado, a programação da Semana das Mulheres Trabalhadoras, em Chapecó e entornos, teve início no dia 3 e segue até a próxima sexta-feira, 10. No dia 8 de março, haverá um ato em São Miguel do Oeste contra a recente cassação da vereadora Maria Tereza Capra (PT). Além de prestar solidariedade à parlamentar, o ato levanta outros temas. “Uma pauta que nunca sai é a da violência contra a mulher, principalmente nós camponesas lutamos muito por essa questão, porque tem o distanciamento entre as casas. Na cidade, por conta da proximidade, se acontece alguma coisa, alguém sempre vê. No interior, não, por isso a questão da violência sempre é uma pauta forte”, afirma Vanusa Carneiro, advogada e integrante do MMC.
Pelo menos outras três cidades catarinenses vão aderir às atividades pelo dia internacional das mulheres em SC com oficinas, debates, rodas de conversas, atividades culturais, entre outros: Criciúma, Itajaí e Jaraguá do Sul.
14 de março entra para o calendário de luta das mulheres
O próximo dia 14 de março marca os cinco anos do assassinato da Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Em diversas cidades, a data faz parte da programação do calendário de luta das mulheres feministas, estendendo as atividades ao longo da semana. “Além de todas essas pautas, é fundamental lembrar os cinco anos sem resposta do assassino de Marielle Franco e Anderson Gomes. Embora o caso tenha acontecido no Rio de Janeiro, Marielle é um símbolo internacional da luta por direitos humanos e sua morte é um ataque direto a todos os lutadores e defensores das lutas justas, em defesa das vidas nas periferias e, sobretudo, um ataque à esquerda socialista”, defende Arantes.
“Contra onda” latino-americana
Na Argentina, o tema da paralisação internacional é “Com esta justiça não tem direitos nem democracia; a dívida é com as/os trabalhadoras/es.” O mote faz referência, primeiramente, aos questionamentos em relação ao funcionamento de alguns setores judiciais. “A partir dos feminismos, viemos falando faz um tempo que a justiça beneficia os feminicidas e abusadores. Enquanto os estereótipos criminalizam mulheres e pessoas dissidentes”, comenta a advogada e militante da organização de feminismo popular e dissidente Mala Junta, Cori Posse.
A demanda por uma reforma judicial feminista no país vizinho também está atrelada às recentes decisões que condenam Cristina Kirchner por corrupção, o que é visto como perseguição judicial por muitos setores da sociedade. Além disso, a segunda parte do lema faz referência à grave situação econômica enfrentada pelas/os hermanas/os, que afeta principalmente os setores mais vulneráveis. “As mulheres e dissidências, somos quem tem os trabalhos mais precários, os piores salários, e também fazemos os trabalhos de cuidado que são invisibilizados e que não recebem remuneração alguma”, destaca a advogada.
O feminismo latino-americano vem cruzando diversas fronteiras, principalmente com movimentos como o Ni Una Menos, de 2015, e a Maré Verde, que, desde 2018, transborda esperança e potência feminista para além do território argentino. Atuante nas assembleias de organização do 8 de março em Buenos Aires, Posse acredita que estamos vivendo um momento de “contra onda” a nível latino-americano, mas que temos uma base sólida no feminismo para enfrentar essa retração. “Em termos de mar, ele se retrai. É natural que o movimento esteja mais retraído, mas é um momento de se fortalecer para voltar a sair mais adiante. Nós mulheres e dissidências seguimos mobilizadas e alertas, não vamos permitir retroceder nada do que conquistamos nos últimos anos”, disse em entrevista ao Catarinas.
Marchas no Brasil
Sul
Porto Alegre (RS) – 18h, na Esquina Democrática
Curitiba (PR) – 18h30, na Praça Santos Andrade
SC listada em detalhes abaixo
Sudeste
São Paulo (SP) – às 17h, no MASP
Belo Horizonte (MG) – 16h, na Praça da Liberdade
Rio de Janeiro (RJ) – 16h, na Candelária
Vitória (ES) – 14h, na Praça Getúlio Vargas
Centro-Oeste
Brasília (DF) – 16h, no Eixo Cultural Ibero Americano (antiga FUNARTE)
Campo Grande (MS) – 8h, na Praça Ari Coelho
Cuiabá (MT) – 7h30, na Praça Ulisses Guimarães
Norte
Manaus (AM) – 15h30, na Praça da Saudade com caminhada até o Largo Sebastião
Belém (PA) – 8h, no Largo do Redondo
Nordeste
Maceió (AL) – 15h, na Praça Centenário
Natal (RN) – 15h, no Midway Mall
Salvador (BA) – 13h, com saída Largo da Lapinha até o Pelorinho
Aracaju (SE) – 8h, na Praça General Valadão
Fortaleza (CE) – 14h, na Praça do Ferreira
Recife (PE) – 14h, no acampamento do MST no Derby
João Pessoa – 14h, no Mercado Municipal de Mangabeira
Marchas em SC
Florianópolis – 16h, em frente ao TICEN
Joinville – 18h, na Praça da Bandeira
São Miguel do Oeste – 9h, na Praça Belarmino Annoni
Itajaí (10/03) – 17h30, na casa de Cultura Dide Brandão
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