Centenas de mulheres de diferentes regiões de Santa Catarina realizaram uma manifestação na quarta-feira, 8 de março, em alusão ao Dia Internacional das Mulheres na capital. Organizada pela Frente Feminista 8M Brasil SC, a programação contou com rodas de conversas, panfletagem, atrações culturais e a tradicional marcha. Neste ano, a mobilização homenageia a primeira mulher negra a ser eleita deputada estadual no país, Antonieta de Barros. A representatividade do ato, desta vez, foi além do nome, todas as atividades foram construídas e protagonizadas por mulheres negras.  

“Este é o grande diferencial deste ano: ter mulheres negras construindo e protagonizando o 8M em SC, um estado facista e racista. Inclusive no campo da esquerda. A presença da mulher negra, dos povos tradicionais indígenas e quilombolas que vieram para este ato, mostram para a sociedade que a gente vive, sobrevive e que somos potência. Somos potência de vida, de resistência, de luta pela democracia e de luta contínua pela nossa visibilidade”, afirma uma das integrantes da Frente Feminista Cirene Cândido.

Um grupo de mulheres quilombolas viajou mais de quatro horas e cerca de 350 quilômetros para participar da manifestação. Moradoras do Quilombo Invernada dos Negros, de Campos Novos, trouxeram uma importante reflexão sobre sua presença na manifestação. 
“Todas estamos aqui mostrando que existimos e que resistimos nas nossas comunidades. Precisamos ser ouvidas, ser protagonistas e ter acesso a políticas públicas. Precisamos de apoio e incentivo para que nós mesmas nos representemos em espaços como esses, para que a nossa cultura e história não termine”, disse, em entrevista ao Catarinas, Adriana Ferreira da Silva. Entre as pautas levantadas pelas mulheres quilombolas, estão principalmente a demarcação dos seus territórios, assim como políticas contra a violência, pela saúde e pela sustentabilidade econômica das suas vidas.

Cirene Cândido, integrante da Frente Feminista 8M Brasil SC. Imagem: Bianca Taranti.

O legado de Antonieta de Barros

O tema “8M Antonieta: Contra o racismo e pela vida das mulheres” foi escolhido com o objetivo de reverenciar a trajetória da professora, escritora, jornalista e primeira deputada negra eleita no Brasil. Vanda Pinedo, integrante do Movimento Negro Unificado (MNU/SC) e do Fórum das Religiões de Matriz Africana de Florianópolis e Região diz que um dos maiores legados da Antonieta para os movimentos feministas é o seu exemplo de luta. 

“Ela conseguiu se fazer presente na luta política, mesmo com todos os desafios naquele período para uma mulher negra, periférica, das classes sociais desfavorecidas. Conseguir chegar onde ela chegou é um exemplo de luta. A Antonieta deixa como exemplo nunca desistir da luta, porque foi essa luta que a colocou naquele lugar”, comenta Pinedo. 

Jeruse Romão resgata legado de Antonieta em livro biográfico sobre a deputada. Imagem: Bianca Taranti.

Antonieta, mesmo não se dizendo feminista, travou importantes batalhas pelos direitos das mulheres, como o direito ao voto, a se candidatar a cargos políticos, à educação e ao acesso escolar, como demonstra Jeruse Romão, no livro biográfico “Antonieta de Barros: Professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil”. Nos últimos anos, o legado dessa figura histórica vem sendo resgatado devido aos esforços de diversas ativistas, incluindo a professora Romão. Já o seu espólio vem sendo reivindicado por grupos que atuam em defesa da educação, da igualdade de gênero e da democracia.

Durante as atividades de quarta-feira, foram feitas diversas manifestações contrárias à entrega da medalha que leva o seu nome às deputadas antifeministas e bolsonaristas Ana Campagnolo e Caroline de Toni na Câmara de Vereadores de Florianópolis. “Não iremos deixar nenhuma pessoa que desrespeita o povo negro receber essa medalha, ela tem que ser nossa. Ela é do povo que dá valor à educação, às mulheres que lutaram tanto para ter direitos”, falou Brenda Vitória Bittencourt, do projeto social Mittos, do Morro do Mocotó. 

Durante o ato, Patrícia Oliveira, moradora da ocupação Contestado, em São José, também deu o seu recado: “A nossa voz não pode se calar. Eu quero dizer para vocês que, se hoje a minha comunidade está em pé é porque as mulheres tomaram conta da luta. Essa pessoa [Campagnolo] que pode ganhar essa medalha, ela não representa a nossa classe de mulheres ocupantes. Deixamos o nosso repúdio contra esse desrespeito com a nossa luta, das mulheres trabalhadoras, mulheres negras, que lutamos para sobreviver no cotidiano”.  

Com o grito de ordem “Essa medalha não vai levar! Quem nos ataca, nós vamos derrubar!”, a marcha saiu da concentração em frente ao Terminal Integrado do Centro (TICEN) e se deslocou até a Câmara Municipal, onde seria votada a concessão da insígnia. No entanto, devido aos esforços de parlamentares de esquerda, a votação foi adiada para 14 de março.

Mulheres quilombolas do oeste de SC participam do ato. Imagem: Bianca Taranti.

Um manifesto feminista e antirracista

Entre as diversas demandas levantadas pela Frente Feminista 8M Brasil SC, o manifesto lançado no dia 8 destaca principalmente o combate às violências de gênero, o ciclo de feminização da pobreza e a defesa das mulheres viverem em segurança e com dignidade.

“A precarização do trabalho, a destruição do serviço público, a necessidade de olhar para a moradia, para o saneamento, para a violência que assola as periferias e as cidades do nosso país. A retirada de direitos como algo que precariza a nossa vida cotidianamente e afeta as famílias, as quais mais da metade são chefiadas por mulheres. São as mulheres negras e jovens que mais sofrem com o desemprego e com a falta de perspectiva com a juventude”, disse Amanda Koschnik, militante do Coletivo Alicerce. 

Entre os inúmeros relatos compartilhados durante a marcha, Jussara de Lima, integrante da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro) contou um pouco da sua experiência como mulher favelada. “Ser mulher favelada é ser obrigada a lutar diariamente, porque ficarmos caladas nunca foi a nossa história. Nascemos para gritar, literalmente gritando contra essa sociedade desigual. Descer o morro, andar pelas ruas na favela, resistir aos cacetes e pontapés, à falta de saneamento básico, às calçadas que não existem, já é uma enorme resistência”, afirmou Lima.  

Lideranças negras deram o tom das manifestações do 8M Antonieta. Imagem: Bianca Taranti.

Foram mais de duas horas de marcha, onde a multidão era incentivada a seguir adiante pelas vozes de diferentes mulheres negras: artistas, faveladas, professoras, jovens, quilombolas, camponesas, organizadas, independentes, assistentes sociais, estudantes, anciãs, ativistas, advogadas, mães etc. As pautas também refletiram tamanha diversidade negra: pelo aborto livre e seguro, contra o capacitismo, a gordofobia e a política de genocídio da juventude negra e periférica, pelo respeito à natureza, aos povos indígenas e quilombolas.

Outro grito que reverberou pelas ruas da capital catarinense foi o combate ao transfeminicídio e à transfobia. No manifesto, as feministas destacaram o direito e o respeito à autodeterminação das identidades e sexualidades, além de exigirem políticas do estado para combater a violência transmisógina que afeta mulheres trans e travestis. Nesta sexta, 10, às 18h, foi convocado um ato contra a transfobia em frente ao TICEN, que também compõe a agenda do 8M.   

Mirê Chagas, covereadora da Mandata Bem Viver no município, chamou a multidão para a resistência contra o racismo, a transfobia, o patriarcado e o capitalismo. “Antonieta de Barros é um símbolo de quebra da branquitude dentro dos espaços, sejam eles institucionais ou não. Componho esse espaço hoje com tantas outras mulheres negras, sendo a primeira covereadora trans e negra da Câmara Municipal. É muito simbólico! É um símbolo de luta, de força, de resistência e resiliência contra todo esse sistema branco, racista, cisheteronormativo”, disse.

A luta contra o racismo foi tema transversal em toda a programação. Ela deu o tom de diversas manifestações e críticas, direcionadas inclusive aos movimentos de esquerda. Chaiane Silva, anfitriã do ato e militante do Coletivo Negro Magali, deixou a sua mensagem para o final da marcha.

“Vocês mulheres brancas e homens brancos de esquerda têm que aprender sobre os seus privilégios e começar a abrir mão deles, porque a população negra vai ocupar, sim, todos os espaços. Todas as instituições de poder vão ter os pretos! Agradeçam e sorriam, porque as mulheres negras, quando se movimentam, movimentam toda a sociedade. Isso é feito com consciência! E vocês precisam abrir mão dos seus privilégios para a gente avançar, se não, não avançamos”, disse Silva.

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  • Fernanda Pessoa

    Jornalista com experiência em coberturas multimídias de temas vinculados a direitos humanos e movimentos sociais, especi...

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