A indicação para que a deputada estadual Ana Campagnolo (PL) e a deputada federal Caroline de Toni (PL) recebam a Medalha Antonieta de Barros gerou repúdio da família de Antonieta e será discutida na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara Municipal de Florianópolis, nesta quarta-feira (08), às 15h. A presidenta da Comissão, vereadora Carla Ayres (PT), fez um parecer contrário à nomeação das parlamentares com o objetivo de debater a relação entre a memória e trajetória de quem dá título à medalha e quem recebe a honraria.
A responsável pela indicação é a colega de partido das deputadas, a vereadora Maryanne Mattos (PL). O nome de Campagnolo tem repercutido ainda mais dada a agenda antifeminista e de extrema direita defendida pela deputada na capital catarinense. Ao justificar a indicação dela, Mattos alegou que a colega é “reconhecida nacionalmente por ser uma liderança conservadora e referência para os milhares de catarinenses que a escolheram como representante na ALESC”.
Ao Catarinas, Flávio Soares de Barros, sobrinho-neto de Antonieta, contou que recebeu a notícia com surpresa, mas que não é a primeira vez que a imagem da jornalista e primeira deputada negra eleita no Brasil é usada por grupos que defendem valores contrários aos que eram defendidos por ela, principalmente no que diz respeito à importância da educação pública de qualidade, a igualdade entre os gêneros, a democracia e a cultura da paz.
“Para mim, a banalização do nome de Antonieta vai de encontro ao processo de resgate do legado dela, que vem sendo feito graças aos esforços de ativistas e ao trabalho de pesquisa de pessoas como Flávia Person, que fez um documentário sobre sua vida, e a professora Jeruse Romão, que escreveu um livro sobre ela”, critica Barros.
Na última quarta-feira (1), ele enviou um e-mail aos vereadores de Florianópolis manifestando a indignação da família. No texto, Barros reforça que Campagnolo e Toni não compartilham dos valores que eram defendidos pela jornalista. Ele destaca que a trajetória de Campagnolo é marcada por atitudes preconceituosas e discriminatórias contra grupos minoritários, especialmente a comunidade negra e LGBTQIAP+. Além de também estar envolvida em episódios de intolerância religiosa, discriminação racial e homofobia.
Neste 8 de março, por exemplo, enquanto mulheres do país inteiro vão às ruas pela democracia, contra o racismo e o fascismo e pelo fim da fome, Campagnolo lança uma oficina em que promete desmistificar “10 mentiras feministas”. Os assuntos giram em torno da conquista do voto feminino, a participação dos homens nessa conquista e o baixo engajamento feminino na luta sufragista.
Leia mais
Com relação a Toni, o texto destaca atitudes semelhantes às de Campagnolo e cita a proposta de projeto de lei feita por ela para a flexibilização do controle, comercialização e aquisição de armas de fogo. Barros lembra que as armas tiram a vida de jovens negros e, portanto, a visão da deputada federal é oposta ao ideal de democracia de Antonieta, em que “todos se ajudam e todos se dão as mãos, para o bem comum”, onde se possa viver:
“[…] sob o céu que a todos, resguarda, sob os raios de um sol que a todos ilumina e aquece, sem acotovelar, mas, também, sem ser acotovelado; respeitando o próximo, que o respeita; e agindo, como um indivíduo, cujos direitos são reconhecidos e cujos próprios deveres ele não os desconhece”.
Em votação
Carla Ayres conversou com o Catarinas sobre seu parecer e explicou que qualquer honraria entregue pela Câmara, independentemente de qual seja, passa pela Comissão de Educação e depois vai para votação no plenário. A comissão é composta por cinco membros e são necessários pelo menos três votos ou a maioria dos votos presentes para que o parecer seja aprovado. De qualquer forma, a decisão do plenário é soberana neste caso e vale o que ele decidir.
Ainda segundo a vereadora, a resolução que criou a Medalha Antonieta de Barros não restringe a quem a honraria pode ser entregue e que, portanto, a indicação não é inconstitucional. De fato, a resolução criada no fim do século XX e proposta por Márcio de Souza, um parlamentar negro, tem a finalidade de homenagear mulheres que se destacam nas áreas cultural, política, desportiva, empresarial e de prestação de serviços ou ação social. Mas ela também reforça que os valores pleiteados pelas deputadas e pela jornalista são incompatíveis.
“É preciso pontuar a trajetória da própria Antonieta nessa luta antirracista, na luta de ter sido a primeira mulher negra e primeira mulher eleita no nosso estado, pela sua defesa do funcionalismo público, pela sua defesa da educação e nesse sentido a trajetória da Antonieta e a trajetória das deputadas divergem conceitualmente”, afirma.
Banalização da memória
Barros está ciente do parecer negativo a ser apresentado na Comissão de Educação, mas conta que também avalia ajuda jurídica para tentar outras formas de atuação no caso. Ainda segundo ele, o presidente da Câmara Municipal, João Cobalchini (União Brasil) alega não ter recebido o e-mail com a contestação, embora Barros tenha lhe escrito por duas vezes.
A entrega da medalha está prevista para a próxima quinta-feira, dia 16, em uma sessão extraordinária no plenário da Câmara, já que normalmente não há sessão às quintas-feiras. Enquanto isso, um abaixo-assinado contra a concessão da medalha às deputadas já reuniu mais de 9 mil assinaturas.
“Uma honraria dessa natureza é criada em função da atuação da pessoa que a inspira. Isso implica em adequação aos valores e à ética que a patrona da homenagem representa. Antonieta defendia pautas feministas. Conceder essa homenagem a pessoas que se dizem antifeministas, que defendem pautas armamentistas ou que promovem limites à educação banaliza a história e a memória de Antonieta. Não é isso que queremos”, enfatiza Barros.
O Catarinas procurou as deputadas Ana Campagnolo e Caroline de Toni para se posicionarem sobre o caso. Também entramos em contato com a vereadora Maryanne Mattos, mas até o fechamento do texto não houve retorno.