Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, publicamos parecer técnico com o objetivo de dar base jurídica para a garantia do direito à informação segura sobre aborto e outros direitos sexuais e reprodutivos. É uma realização do Cladem Brasil, Coletivo Sexualidade e Saúde, Coletivo Margarida Alves e Portal Catarinas.

O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define o direito de liberdade de expressão e de informação como fundamental, inclusive para o exercício de outros direitos. No Brasil, este direito é regulado, entre outros, pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e seus decretos reguladores. O direito de acessar informações de interesse público é indispensável a uma democracia, pois permite o controle social, a participação na elaboração de políticas públicas e, sobretudo, o acesso ao conhecimento sobre políticas e serviços públicos. 

O direito à informação prevê que todas as pessoas têm o direito de receber informações adequadas sobre sua vida sexual e reprodutiva, incluindo informações sobre seu corpo, suas fases reprodutivas, suas possibilidades sexuais, gestação e contracepção, inclusive como realizar o procedimento de interrupção da gestação nos casos previstos em lei. Contudo, a falta de informações confiáveis sobre estes temas — ainda marcados por preconceitos, restrições conservadoras, dogmas legais — faz com que as pessoas estejam em situação de vulnerabilidade por desinformação acerca de suas opções de saúde e de seus direitos. 

Pesquisa realizada pela organização Católicas pelo Direito de Decidir aponta que, em 2006, quase metade da população brasileira acreditava que o aborto era absolutamente proibido, ainda que já existisse possibilidade de abortamento em casos de gestação resultante de violência sexual e risco de vida à pessoa gestante desde o Código Penal de 1948. Desde a decisão sobre a ADPF 54 em 2012, soma-se a isso o aborto permitido em caso de anencefalia fetal, quando o feto possui desenvolvimento cerebral comprometido inviabilizando a vida.

Esta falta de informações faz com que pessoas que necessitam acessar um serviço de acolhimento e realização de abortamento tenham que recorrer a métodos inseguros de interrupção da gestação, com resultados que muitas vezes ameaçam suas próprias vidas. Também podem acabar sendo submetidas a violências obstétricas nas unidades de atendimento, já que responsáveis pela efetivação desse direito, principalmente profissionais de saúde, muitas vezes não estão informadas sobre o assunto, criando obstáculos para a realização do procedimento que é um direito assegurado internacionalmente e referendado pela legislação brasileira.

Esse cenário de lacunas de informação se consolida especialmente por fatores políticos-ideológicos, dada a possibilidade de registro de informações através do Ministério da Saúde, como ocorre com as unidades de tratamento de ISTs/AIDS. Além disso, fatores burocráticos (falta de treinamento em recursos humanos e técnicos para a concretização de um regime de transparência) ampliam os efeitos graves da ausência de informações adequadas e capilarizadas.

Os últimos três anos foram marcados por retrocessos tanto para a garantia do direito à informação, com tentativas sistemáticas de alteração da própria LAI, deturpando o princípio de transparência como regra e sigilo como exceção, mas também de imposição de convicções pessoais no campo das políticas de saúde sexual e reprodutiva.

Um exemplo disso é a tentativa de se impor a abstinência sexual como política pública para evitar a gestação indesejada na adolescência – uma decisão que desconsidera, por exemplo, que a maioria das vítimas de estupro e violência sexual no Brasil são crianças e adolescentes, além de comprovações por dados de que a política não funciona e tem o efeito contrário ao pretendido. 

Em suma, o atual cenário do Brasil é de uma dupla violação de direitos. Primeiro, do direito de acesso à informação, com a restrição da circulação de informações sobre direitos sexuais e reprodutivos devido a uma agenda política que se sustenta por convicções morais e religiosas, sem políticas baseadas em estudos científicos que possam fundamentá-las.

Como consequência, há também uma violação aos direitos sexuais e reprodutivos, em especial o direito de interrupção da gravidez já previsto em lei que passa a ser obstaculizado pelo Estado, que não assume suas responsabilidades.   

Já existe, nacional e internacionalmente, a compreensão de que o direito de acessar informações sobre prevenção, cuidados e interrupção de gravidez faz parte do rol de direitos sexuais e reprodutivos (além do direito aos mais altos padrões de saúde pública). Se repete, portanto, o entendimento de que o direito à informação, além de um direito humano per se, é uma ferramenta para outros direitos humanos.

Neste parecer, assinado por Julia Rocha, Julia Cruz, Ana Gabriela Ferreira e Denise Dora, integrantes da Artigo 19, são apresentados os principais marcos jurídicos que posicionam o direito à informação como parte da garantia da saúde sexual e reprodutiva. 

Também são trazidos dados coletados pela organização em duas pesquisas sobre o assunto: os relatórios Breve Panorama sobre Aborto Legal e Transparência no Brasil e Acesso à Informação e Aborto Legal: Mapeando Desafios nos Serviços de Saúde. Finalmente, são discutidos os principais desafios relacionados à disponibilização e disseminação de informações sobre abortamento legal no país e algumas recomendações de como resolvê-los.

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