*Colaboração Juliana Rabelo

*Erramos: Inicialmente informamos as estatísticas das mulheres negras eleitas nos dois últimos pleitos municipais com base nos dados oficiais do TRE-SC. Porém, revisamos a informação atentas à defesa do movimento negro que integra a população preta e parda na categoria política “negra”.

Assim como a vereadora Ana Lúcia Martins, a pedagoga Marlina Oliveira também sofreu ataques racistas por se eleger vereadora em município catarinense.

“Vou cumprir meu mandato ao lado de 14 homens que também foram eleitos. Eu sou a sexta mulher eleita em 137 anos de existência da câmara municipal e a primeira mulher negra eleita na história de Brusque”, afirma a pedagoga Marlina Oliveira. 

No estado que se autodeclara mais branco do país, segundo o último Censo do IBGE, apenas sete mulheres pretas e 23 mulheres pardas se elegeram no último pleito. Parece pouco e é, mas ainda assim é motivo de comemoração se compararmos às eleições de 2016, quando apenas 1 mulher preta e 9 mulheres pardas se elegeram. Também houve aumento considerável de mulheres não brancas candidatas em 2020: 302 pretas e 624 pardas, enquanto em 2016 foram apenas 159 pretas e 306 pardas. Num total de 21.850 candidaturas gerais e 7.434 femininas. 

Para se ter uma ideia do fosso da desigualdade racial no estado, a capital catarinense não elegeu representante negra/o para o legislativo municipal. É nesse contexto que vereadoras pretas eleitas pela primeira vez denunciaram, nesta semana, a hostilidade de parte da população diante de tal conquista. A professora aposentada Ana Lúcia Martins, a primeira mulher negra eleita em Joinville, Norte do Estado, sofreu ataques racistas e chegou a ser ameaçada de morte por grupos neonazistas na rede. 

“(…)E para agravar, por meio de um perfil fake, recebi, por duas vezes, ameaças de morte, evidenciando que o problema central era eu ser a primeira mulher negra eleita da cidade. Esse perfil fake (…) deixa claro estar organizado com outras pessoas de Santa Catarina, em uma denominada “Juventude Hitlerista”. Estou tomando todas as medidas necessárias, já acionei os órgãos competentes e agora estou divulgando aqui, pois minha integridade física está ameaçada”, declarou Ana Lúcia nas redes sociais.

Ameaças de morte sofridas por Ana Lúcia nas redes (Foto: Reprodução)

Em 2019, o estado registrou aumento de mais de 60% em notificações de injúria racial em relação a 2018, com 1086 casos contra 1794, segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2020. Já em ocorrências de racismo, houve redução de quase 30%, passando de 238 para 175 casos notificados. Santa Catarina ocupa a segunda posição em registros de injúria racial com uma taxa de 25 casos para cada 100 mil habitantes, atrás apenas do Rio Grande do Norte que tem uma taxa de 50,3, enquanto a média nacional é de 6 casos.

“Ana Lúcia representa a luta de todas as mulheres negras de Santa Catarina, que verão nela uma perspectiva de luta e de enfrentamento ao racismo hipócrita e tirano sem precedentes em pleno século XXI, somados ao ódio plantado na era Bolsonaro aos militantes de esquerda, principalmente o antipetismo”, manifestou em nota o Coletivo Negras Petistas. 

Santa Catarina é o segundo estado em grupo nazistas identificados em fóruns na Internet, segundo publicamos neste ano. Em 1928, antes de Hitler tomar o poder, a primeira célula do partido nazista no Brasil foi fundada em Timbó (SC). Seria a primeira fora da Alemanha e chegou a ter 528 filiados. Blumenau foi a cidade mais hitlerista do Brasil na época da guerra. É nessa região, em Brusque, que a pedagoga Marlina Oliveira conquistou o mesmo feito inédito de Ana Lúcia Martins. Desde então, Marlina passou a sofrer ainda mais racismo, dos tons explícitos aos mais velados. 

Comentários feitos em uma rede social com a chamada de uma matéria sobre Marlina ser a primeira mulher negra eleita em Brusque (Foto: Reprodução)

Conversamos com Marlina por telefone, na véspera deste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra: 

O que você comemora neste Dia da Consciência Negra?

Em 20 de novembro, eu comemoro o acesso de mulheres negras ao espaço de poder. Foi um pleito histórico. O início de um processo de avanço da democracia brasileira”.

Você sofreu ataques racistas depois de eleita?
Sofri ataques, sim. Uma reportagem de um jornal local onde a matéria trazia a importância de uma mulher negra ocupar esse espaço, tiveram mais de 200 comentários questionando a necessidade de falar sobre isso, que ao invés de trazer esse “mimimi” porque não falar do projeto. Houve muitos questionamentos sobre isso, em uma matéria que saiu numa rádio local. Esse tipo de manifestação tem conotação racista sim. Não cheguei a receber ameaças como aconteceu com a vereadora eleita Ana Lúcia Martins, não tive hacker invadindo minhas contas nas redes, mas as pessoas fizeram este tipo de comentário racista. 

E durante a campanha?
Durante a campanha não, nas minhas postagens não, ocorre que eu tinha uma reciprocidade na minha bolha social, em relação aos seguidores no Instagram e Twitter. Mas com o advento da eleição e por agora estar circulando em espaços maiores, como jornal e rádio, aí esse tipo de ataque começou. Não fiz uma leitura porque é uma forma de me preservar. Eu tenho uma equipe olhando e monitorando caso ocorra um comentário mais agressivo, perigoso. Mas vi gente comentando quanto à questão de falar que sou encrenqueira, que vai me acompanhar de perto e não é que vão acompanhar o meu trabalho, é mais um recado do tipo “estou de olho em você”. 

Você é a primeira mulher negra eleita em Brusque?
Sim, vou cumprir meu mandato ao lado de 14 homens que também foram eleitos. Eu sou a sexta mulher eleita em 137 anos de existência da câmara municipal e a primeira mulher negra eleita na história de Brusque.

Você é natural de Brusque?
Não, sou gaúcha, de Erechim. Moro em Brusque há 10 anos, fiz carreira como professora municipal aqui e pela primeira vez me candidatei e fui eleita com 753 votos. 

Foto: Reprodução

Você atribui a sua eleição a que?
Eu vejo que esta cidade é conservadora, eu compreendo que tem uma parcela da população que tem essa consciência e faz essa discussão e essa parcela eu consegui atingir e dialogar.

Eu vim com uma campanha com a bandeira do espaço das mulheres, o espaço da mulher negra na política e a bandeira da educação também. Eu consigo perceber que uma parcela da população tem esse interesse, tem esse olhar de mudança.

Não considero que seja uma tendência da sociedade, mas acho que dialogo como um público especial que anseia isso. 

Como surgiu seu interesse pela política?
Em 2017 eu ingressei no Coletivo de Mulheres Negras e Petistas de Santa Catarina. Eu sou uma das mulheres fundadoras do coletivo que surgiu depois de uma provocação da Cirene Cândido. Assim começamos a nos organizar no mês da Consciência Negra e nos reunimos em janeiro de 2018. Eu, Cirene, Vanda Piñedo e outras mulheres negras do PT passamos a discutir o lugar das mulheres negras dentro do partido. Em 2019 eu já estava muito resoluta que me candidataria em 2020, que eu viria para este pleito fazer a disputa. Nove candidatas saíram pelo coletivo. Antes a gente fazia campanha para os outros, homens e mulheres brancas, nunca fazíamos pra gente. 

Você já enfrentou outras formas de racismo na sua vida?
Sou uma mulher negra de 37 anos, jovem ainda, eu não passei os desafios que minha mãe e avó passaram, eu tive condições de estudar, de ir pra universidade. Não sou uma mulher de primeira geração que entrei em universidade, minhas tias já ocuparam esse espaço, diferente da maioria da população negra.

No entanto, isso não impediu que o racismo estrutural me atingisse, ele chega. Por exemplo, quando eu era criança me xingavam na escola, quando me tornei professora me senti em um ambiente hostil em Erechim no Rio Grande do Sul.

Senti a desconfiança quando me tornei coordenadora pedagógica na escola, porque a coordenação é uma posição hierárquica e ter uma mulher negra que lidera me fez sofrer racismo. Muitas vezes eu tinha dificuldade em não conseguir compreender o que estava acontecendo e quando percebia era racismo.

Quais pautas que você vai levantar enquanto vereadora?
Como uma mulher negra eleita vereadora será a luta antirracista, isso não é pauta é linha orientadora. Eu vou fazer a concepção das minhas ações, é importante entender que as frentes de combate ao racismo não são únicas, elas são diversas. Outra frente é também contribuir para que outras mulheres negras assumam o protagonismo social da atuação política, a partir deste mandato que é de uma vereadora negra. Além de localizar essas mulheres, compreender seus espaços, como elas podem formar coletivos e concomitante a isso fazer o tensionamento numa perspectiva interna dentro do PT.

Outra frente muito importante é a construção de um mandato participativo, onde vou criar canais para que as pessoas possam se apropriar e fazer a construção coletiva. Tenho ideia de alguns canais, horário de encontros semanais, gabinete itinerante uma vez por mês, manter diálogos com associações. As pautas que eu tenho descritas, as quais eu apresentei e o que as pessoas vão demandando também. Meu papel enquanto professora e educadora, que tenho maior orgulho do mundo em ser, é também fazer desse mandado algo didático para que as pessoas consigam compreender o que é participação, como é o funcionamento da câmara para que as pessoas possam se emancipar.

Meu grande sonho é: que ao ver uma atuação assim outras mulheres sintam-se convocadas a votar em mulheres e a se candidatarem. Vai ser difícil porque sou mulher, negra e petista. Não tem ninguém mais de esquerda na câmara. 


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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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