#ElasFicam: campanha convoca sociedade contra cassação de deputadas
Seis parlamentares estão com mandatos ameaçados após atuação em votação do marco temporal
Seis deputadas estão com os mandatos ameaçados no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por conta da atuação política que tiveram durante a votação do projeto do marco temporal (PL 490/07), no fim de maio. Célia Xakriabá (Psol-MG), Sâmia Bomfim (Psol-SP), Taliria Petrone (Psol-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Juliana Cardoso (PT-SP) são acusadas de quebra de decoro e se tornaram alvos de pedido de cassação pelo Partido Liberal (PL).
Na ocasião, elas protestaram contra o texto do marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O PL diz que as parlamentares teriam chamado os defensores do texto de “assassinos dos povos indígenas”, principalmente o deputado Zé Trovão (PL-SC), autor do requerimento de urgência para a votação do PL 490/07. O pedido de cassação feito em junho apontava, incialmente, para o coletivo de deputadas, e depois se transformou em seis processos distintos que tramitam individualmente.
Para pressionar o Conselho de Ética e apoiar as deputadas, a Frente Parlamentar Feminista Antirracista Com Participação Popular no Congresso Nacional lançou, na última terça-feira (4), a Campanha Contra a Violência Politica de Gênero e Raça no Brasil, com a hashtag #ElasFicam, na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). A mobilização conta com a plataforma elasficam.org; um abaixo-assinado que já contabiliza mais de 24 mil assinaturas, cada uma delas gerando um e-mail automático para os relatores dos processos, e também estão previstas ações de incidência dentro e fora do parlamento.
Neste sábado (8), em São Paulo, será realizado o ato público “Lutar não é crime”, em defesa dos mandatos das deputadas e também em defesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o que chama de “invasões” de terra, a rede de financiamento e a organização logística praticadas por integrantes de movimentos como o MST e a Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL).
O início do ato está marcado para o meio-dia, em frente à loja do Armazém do Campo, no bairro Santa Cecília, com a presença de parlamentares, personalidades e lideranças. A atividade é uma iniciativa de Sâmia Bomfim (Psol-SP), em parceria com o MST.
Segundo a parlamentar, essa é a primeira vez na história que tentam caçar seis mulheres ao mesmo tempo. Bomfim denuncia que esse é mais um gesto de violência política de gênero e misoginia, porque homens se manifestaram no mesmo dia e não sofreram o mesmo tipo de perseguição.
“Tanto o ato que a gente vai fazer em São Paulo no próximo sábado quanto o lançamento da campanha #ElasFicam mostra que há muito engajamento da sociedade contra esse ataque à democracia brasileira. São cerca de um milhão de votos que estão em risco com essa tentativa de intimidação. Mas a gente vai seguir juntas, lutando pelos nossos mandatos, mas principalmente lutando pelos direitos das mulheres seguirem participando da política”, afirma.
Violência política de gênero e raça
Leia mais
- Médicos terão que pagar por custas processuais após gesto misógino, decide TJSC
- Mobilização de mulheres denuncia violência sexual nos acessos às praias em Florianópolis
- Cória Helena defende políticas do cuidado em Palhoça
- Prof. Iza Alicerce defende a classe trabalhadora em Florianópolis
- Mandata Bem Viver é a candidatura pela agroecologia e participação social
Para a Frente Parlamentar, o caso das deputadas não configura quebra de decoro, mas sim perseguição e violência política. De acordo com a Lei 14.192/21, é considerada violência política contra a mulher “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”. A norma destaca atos como “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.
Segundo a organização, mais do que ameaçar os mandatos, as representações do PL atentam contra “cerca de um milhão de votos em quatro estados da Federação e no Distrito Federal e a soberania popular como Causa Pétrea da Constituição Cidadã”.
“Esse processo machista e misógino andou em tempo recorde na Câmara dos Deputados. Enquanto a representação que o PSOL protocolou no dia 2 de fevereiro contra quatro deputados golpistas que fizeram apologia ao ato golpista do dia 8 de janeiro está parado na gaveta do Arthur Lira (PP-AL), o processo contra nós foi aceito no dia 12 de junho e em quatro horas estava no Conselho de Ética”, denuncia a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
Joanna Burigo, pesquisadora de gênero, colunista do Catarinas e ativista na campanha, lembra que o Brasil ocupa uma das piores colocações no ranking de participação de mulheres no parlamento, de acordo com a União Parlamentar, organização internacional responsável pela análise dos parlamentos mundiais: a 129ª. Atualmente as mulheres representam apenas 18% da Câmara.
Ela destaca que a campanha tem como objetivo mais amplo prevenir a violência política de gênero e raça, e trazer para o debate público reflexões a respeito do assunto.
“O que está acontecendo com essas deputadas é uma versão atual, de certa maneira, de uma caça às bruxas, porque são parlamentares eleitas, mulheres dissidentes da norma do que o patriarcado espera de feminilidade enfatizada e está acontecendo um ataque orquestrado justamente contra essas mulheres”, fala.
Ela ressalta a importância da adesão popular para evitar o silenciamento dessas deputadas, pois isso demonstra que a sociedade entende que essas mulheres representam uma possibilidade de mudança estrutural na legislação brasileira e de proteção dos direitos das mulheres de avanço, de todos os direitos que são relacionados a gênero e sexualidade.
Tramitação
Os seis processos já têm relatores e os trâmites devem começar a partir de agosto, na volta do recesso parlamentar. A campanha destaca ainda que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que vai avaliar o processo é composto por 20 homens e apenas uma mulher. Portanto, sem paridade de gênero.
“E nunca agiu concretamente contra a violência política de gênero. Ou seja: só fazendo uma pressão popular muito forte vamos garantir os mandatos das nossas deputadas. Não podemos abrir mão de nenhum desses mandatos, sob o risco de perder as principais lideranças nas pautas de defesa das mulheres, dos direitos humanos e de garantia da democracia”, denuncia a iniciativa.
Instaurados os processos disciplinares e definidos os relatores, o relator de cada procedimento terá dez dias úteis para elaborar um parecer preliminar, em que deverá recomendar o arquivamento ou o prosseguimento da investigação.Se a maioria dos relatores optar pela continuidade do processo, cada deputada será notificada, apresentará sua defesa e será feita coleta de provas.
Na sequência, o relator elaborará um novo parecer, em que pode pedir a absolvição ou aplicação de punição, que vai de censura à perda do mandato parlamentar. As deputadas podem recorrer da decisão à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Se o Conselho de Ética decidir pela suspensão ou cassação do mandato de uma parlamentar, o processo segue para o plenário da Câmara, que terá a palavra final. O prazo máximo de tramitação dos processos no Conselho é de 90 dias.
De acordo com a Frente, a Campanha Nacional contra Violência Política de Gênero e Raça se estenderá até todas as deputadas passarem pelo “julgamento” na Câmara.
“Nós ficaremos e quem vai sair é o machismo, quem vai sair é a misoginia, quem vai sair é o racismo!”, afirma Célia Xakriabá (Psol-MG).