Marinês Apurinã é coordenadora da Organização Indígena Médio e Baixo Purus (OIMPB), da Terra Indígena Tauá-Mirim, Município de Tapauá, estado do Amazonas, Terra Indígena Apurinã. Ela narrou ao Portal Catarinas que foram mais de mil indígenas contaminados na região desde o início da pandemia de coronavírus, contando com outros de seus parentes de diferentes terras Indígenas. No início do ano eles fizeram uma festa tradicional e todas as pessoas acabaram se infectando. Algumas das pessoas que participaram têm contato com as áreas urbanas. Faz quatro meses que ela está no hospital com a mãe idosa. As duas contraíram o coronavírus e não puderam retornar até o momento.
“Lutamos. A gente fica triste. Perdemos a nossa cacique, nossa parente, nossa prima, nosso tio. Doeu muito nosso coração. Nós sabemos que no mesmo caminho a gente vai também, deus sabe o que está fazendo. Então nós pedimos muita força e inspiração dele. Nos consolamos e que ele dê força, estamos ficando por isso. Estamos aqui, dolorida ainda, está ferida ainda, nós perdemos os nossos parentes, nosso tio, o nosso irmão, perdemos, nossa mãe, vários parentes perderam o pai, perderam irmão, perderam filho, filha, neto. É demais entendeu. É dolorido demais”, conta Marinês.
Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), no boletim de 03 de julho, 97 povos indígenas foram atingidos na região Norte, com 8.421 casos confirmados, 371 óbitos em 64 povos. No Distrito Sanitário Espacial Indígena do Alto Rio Solimões (DSEI-ARS) são 786 casos, no DSEI Maranhão (MA) 777 casos, no DSEI Guamá-Tocantins (PA) 617 casos, no DSEI Tapajós (PA) 655 casos, no DSEI Leste de Roraima (RR) 461 casos.
Até o momento, nenhuma política pública foi estabelecida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para proteger as populações indígenas em meio à pandemia de Covid-19. Apesar do avanço genocida da doença, o Projeto de Lei (PL) 1142/2020, aprovado em 16 de maio pelo Senado, segue sem ser sancionado. O PL estabelece um plano emergencial para enfrentamento do coronavírus nos territórios indígenas e demais povos tradicionais, que, entre outros, garante auxílio emergencial aos indígenas e defende um planejamento articulado entre o governo federal, os estados e os municípios para atendimento aos povos indígenas. Com ação do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente tem até hoje (07/07) para se manifestar sobre o assunto.
Medicinas ancestrais e a Covid-19
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A indígena Apurinã explica que em sua Terra Indígena são mais de 450 pessoas e é comum a alimentação tradicional com peixes, carne de caça, mandioca, farinha, beiju, frutas da mata, determinante para a soberania alimentar. Alguns indígenas têm uma relação com a área urbana, como ela, que possui uma venda na feira em Manaus com mais de 35 produtos naturais. Por conta da pandemia ela perdeu muitas clientes, mas continuou fazendo as medicinas feitas com folhas e cascas de árvores que aprendeu com suas antepassadas.
“Eu aqui também passei mal aqui em Manaus, sem fogo, com gripe, febre, dores no corpo, mas agradeço à deus porque também tomei remédio, fizemos medicina também. Eu faço medicina. Eu tenho empresa como produto Makaya, artesanato, produto natural indígena, remédio, garrafada, a gente faz e hoje nós vendemos. Tem a feira aqui em Manaus. Agora que a gente passou essa doença a gente parou, está fechado, perdemos muitos clientes. Vendemos só leite de sucuúba, xarope de kaxoari, é muito boa também, ajuda muito. O leite de sucuúba é muito bom para essa doença. Nós demos para muitas pessoas e nós vendemos também. Então foi assim a nossa vivência”, comenta.
A indígena conta que o grupo teve apoio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) com exames para o diagnóstico da doença viral e medicamentos para contribuir no combate às enfermidades como dipirona e paracetamol, mas elas não dispensam o uso das plantas. Elas conhecem os seus efeitos medicinais há gerações e confiam em sua eficácia.
“Ele se trataram, chamaram a Funai, foram na aldeia, fizeram exame, mas deu tudo isso positivo. Eles confiaram primeiramente a deus e pediram à natureza, foram lá. Eles se trataram. Passaram remédio para eles tomar como dipirona, paracetamol. Eles fizeram chás de ervas, de plantas, e também eles tomaram. Eu sei dessas informações porque o cacique geral é meu irmão. Eu já estava aqui em Manaus e não podia também voltar mais na aldeia”, relata Marinês.
Tradicionalmente o território habitado pelos Apurinã se estende do baixo rio Purus, até Rondônia, compreendendo parte dos estados de Acre, Amazonas, entre outros. Atualmente em média são 60 comunidades. Segundo dados do relatório Povos Indígena do Brasil (2018) no século XVIII o rio Purus começou a ser habitado por pessoas que procuravam explorar para a venda o cacau, a copaíba, a manteiga de tartaruga e a borracha, momento que se iniciaram os primeiros contatos dos Apurinã com os não indígenas. Estima-se que hoje sejam 9 mil Apurinã entre 27 Terra Indígenas demarcadas, deslocamentos ou áreas urbanas.
Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) estima-se que atualmente no território brasileiro estão presentes 305 etnias, falantes de mais de 274 línguas diferentes. O Censo IBGE 2010 demonstrou que cerca de 17,5% da população indígena não fala a língua portuguesa num total de 817.963 pessoas. Destes, 315.180 vivem em áreas urbanas e 502.783 em áreas rurais. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), na América Latina vivem cerca de 45 milhões de indígenas em 826 povos que representam 8,3% da população.
*A série do Portal Catarinas Filhas da Terra: Mulheres indígenas em luta contra a pandemia Covid-19 irá publicar textos que irão abordar o contexto de como as mulheres indígenas estão vivendo na atualidade e de que forma a pandemia de coronavírus vem afetando o cotidiano dos povos indígenas. Acompanhe nossas postagens quinzenais e conheça o que as mulheres indígenas têm a dizer.
Equipe: Vandreza Amante (jornalista), Inara Fonseca (jornalista), Paula Guimarães (jornalista), Pietra Dolamita Kuawa Apurinã (conselho editorial) e Bruna Mairatã (ilustradora).