Em meio à Covid-19 muitas terras indígenas foram saqueadas e estão sendo exploradas ilegalmente com o incentivo por parte do governo federal ao uso ilegal das terras para a mineração, extração de madeira, petróleo, plantação de soja que autoriza o desenvolvimento predatório, aumentando as desigualdades e a transmissão de doenças. 

A Plataforma de monitoramento da situação indígena na pandemia do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil, em boletim diário de 25/11, informa que nas terras indígenas são 40.131 casos confirmados, com 881 mortos em 161 diferentes povos.

Neste ano, em meio à pandemia e aos ataques constantes ao Povo Munduruku, Alessandra Korap Munduruku da aldeia Praia do Índio (Reserva Indígena), Município de Itaituba, no Pará, não se calou diante das atrocidades produzidas pelo processo histórico de genocídio. Ela contou a própria história em um discurso fora do Brasil para mais de 270 mil pessoas e foi contemplada com o prêmio Taz Panter Preis 2020, na Alemanha. A indígena também foi uma das ganhadoras do Prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos 2020 (EUA).

Em entrevista ao Portal Catarinas nesta semana dos #16DiasDeAtivismo ela fala sobre os diferentes modos de exploração das terras indígenas de sua região de origem, como o ciclo da borracha com os seringueiros, os madeireiros, a abertura e construção de estradas, e os grandes projetos do governo como a construção de hidrovias, ferrovias e hidrelétricas. Segundo Alessandra, os Povos Indígenas atingidos, grande parte sem receber compensações ou indenizações, não foram e não estão sendo consultados para a realização desses projetos.

Uma parte do Território Munduruku demarcado no Pará/ Imagem: Google Maps

O Povo Munduruku, segundo informações do Instituto Socioambiental (ISA), sofreu com o contato das frentes colonizadoras a partir da segunda metade do século 18, sendo que a primeira referência escrita foi feita pelo vigário José Monteiro de Noronha, em 1768. Aldeamentos missionários se instalaram, inseridos na exploração do cumaru, do cacau, entre outros “produtos”. A partir da segunda metade do século 19, a expansão da economia extrativista inseriu a Amazônia no mercado capitalista internacional com a exploração do caucho (castilloa elastica) e da seringueira (hevea brasiliensis) no “ciclo da borracha”.

PORTAL CATARINAS – Alessandra, você se tornou uma ativista indígena do Povo Munduruku. Nos conte um pouco sobre a realidade vivida em seu território e na região em que você vive.
Eu fui morar na cidade no ano passado razão do estudo, mas eu nunca deixei de estar junto com os meus parentes, participando de reunião, de viagens para fora eles me chamam para participar, acompanhar. Eu faço direito. Eu sou da aldeia Praia do Índio (Reserva Indígena), Município de Itaituba (PA).

A região é muito grande, no Pará tem vários Povos Indígenas, mas na minha região, que é médio Tapajós, alto Tapajós, somos aproximadamente em 14 mil Munduruku, também, Kayabi e Apiaká que moram, que são os povos do médio e alto Tapajós. Mais embaixo, em Santarém, tem outros povos indígenas. São quase 140 aldeias. Na minha região são 12 aldeias. Dentro do território Sawrê Muybu são sete aldeias. E duas reservas que são a Praia do Índio e a Praia do Mangue.

Onde a gente mora é uma região impactada por muitos projetos desenvolvidos e apoiados pelo governo como a plantação de soja, que também vem de Sinop, de hidrelétricas como Teles Pires, e como São Luiz do Tapajós que a gente conseguiu arquivar a construção depois de muita luta em 2016 fazendo a autodemarcação no centro do território e pelo protocolo de consulta. No Rio Tapajós são três projetos do governo nos rios: Tapajós, Jatobá e Chacorão. No rio que passa dentro do território Sawrê Muybu tem quatro ou cinco hidroelétricas também.

São vários projetos de desenvolvimento que eles falam, mas projeto para nós mesmos não tem. A gente tem que se virar. A gente tem que buscar uma autonomia.

Hidroelétricas previstas pelo governo para o Território Munduruku/ Mapa: A. Pública 2014

A gente fala de projeto de vida,  porque os projetos que vêm do governo são projetos de morte. E, hoje, nós estamos tendo muitos ataques contra, de quem é a favor da legalização do garimpo.

Hoje, tem vários senadores, deputados, prefeitos, vereadores, empresários, que são a favor da legalização da PL191/2020, que é a mineração na terra indígena, hidrelétrica e petróleo. Isso está chamando atenção de muitos, inclusive tem vindo muita gente para explorar, tendo contato com indígenas, deixando a água suja, estamos comendo peixes contaminados, vários rios já estão sujos por causa do garimpo. Não é mais aquele rio transparente, verde ou azul, é da água barrenta, que você vê de longe que está bem contaminada.

Por exemplo, no meu território Sawrê Muybu, onde a gente está fazendo a demarcação, a maioria das aldeias está com água suja. Eu tenho parentes que ficaram muito mal, dor de barriga, e não existe água potável dentro do território.

A gente busca com ONGs para ver se consegue água potável para dentro do território. Porque do governo nunca tem projeto para isso, para implantar cisternas nas aldeias, alguma coisa assim não existe. A gente tem que buscar ajuda em projetos para o nosso povo e parar o consumo de água suja. É triste saber que nós vivemos essa situação dentro da Amazônia, mas o povo aqui necessita muito.

Essa promessa de dizer “vamos explorar para o bem de todos” é só enganação mesmo, porque pessoas de fora exploraram dentro do território indígena, deixam tudo em buracos, água suja, não tem peixe mais dentro do rio e vão embora, enquanto os indígenas moram no território, vão continuar no território, dependem do território e estão cada vez mais pobres. Nós somos ricos porque temos o nosso território, mas a gente fala que podemos viver à vontade e podemos decidir o que queremos, e não o que as empresas decidirem por nós. E, sim, nós decidirmos o que queremos.

Alessandra Korap Munduruku/ Foto: arquivo pessoal

Eu sou uma pessoa que fala bastante e eu sempre estou acompanhando as reuniões, as lideranças, participando de reuniões com os caciques, com as mulheres, com os jovens. Às vezes, quando eu começo a falar as pessoas me veem como vilã, muitos querem que a gente fique calada. No ano passado, em 2019, depois de uma reunião das lideranças em Brasília, minha casa foi invadida em Santarém. Levaram documentos, pastas, pendrive e um cartão de memória. Eu tenho uma bolsa fotográfica de um projeto, e nesse projeto a gente leva uma câmera para aldeia para registrar o momento, para gravar as lideranças falando, uma assembleia ou encontro de mulheres, encontro de jovens, e dessa bolsa simplesmente só tiraram cartão de memória, não quiseram levar a câmera. Eu achei bem estranho isso.

O meu filho me abraçou e disse: “mãe eu não quero que matem a senhora”. Eu fiquei bem assustada no começo, eu tive que ir para a aldeia e sair do lugar porque não era seguro.  Eu já estava assim sentindo que estava sendo ameaçada. Estavam chegando muitas mensagens contra mim dizendo que era eu que estava fazendo as denúncias, que eu estava sempre nos jornais, dando entrevistas, a culpada era eu então tinham que eliminar.

A gente briga muito também contra os madeireiros e grileiros de terra, que vem e tomam o território sem perguntar se está em estudo para demarcação. Eles ficam negando a nossa existência. E a gente vai brigando com isso, principalmente para ser reconhecida e ter os direitos do território.

Eu fui para a aldeia uns dias depois que atacaram a minha casa. E todas essas mulheres falando dos projetos. A partir do momento que fala o que vão construir hidrelétricas, abrir mais minas, construir a ferrovia, a hidrovia é um plano para matar a comunidade, saber que o território vai ser alagado, saber que você não vai ter direito à terra, ao território, à água, à floresta isso assusta bastante. Eu tive que continuar. Não conseguiram me matar naquele tempo não é agora que vão me calar. Tem que continuar e ser firme, pensar em coletivo. pensar que existem mulheres, existem crianças, existem vidas que precisam ser ouvidas, para respeitar a decisão dos povos.

PORTAL CATARINAS – Você ganhou o Prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos 2020 (EUA). O que isso representa para você e para o Povo Munduruku?
No momento, quando eu soube fiquei feliz, eu não entendi muito bem não, porque a gente sempre está aqui numa correria, fazendo reunião e projeto para levar para dentro das aldeias. De repente, um amigo que já veio aqui na nossa região, o Rodrigo que, hoje, mora fora do Brasil, ele me ligou e conversou comigo no Instagram, rede que eu mantenho para falar dessa luta, sobre o que está acontecendo.

Ele enviou mensagem, disse que eu estava ficando muito famosa, e que a presidente de uma organização queria falar comigo, mas no momento eu não conhecia a organização. A gente marcou e ele foi o tradutor. Ela falou de um recurso que eu ganharia pelo prêmio dando os parabéns em ter conseguido ser uma ganhadora. Todo ano eles escolhem uma pessoa para ganhar o prêmio, e neste ano eu fui a escolhida. Foi um momento assim: “nossa, nos Estados Unidos estão lembrando de mim? Como vocês conseguiram me encontrar?”. Viram uma reportagem começaram a pesquisar sobre mim, eu sempre estava falando da questão contra as usinas, contra mineração, contra a ferrovia, elas sempre me viam nos vídeos de quando eu estava brigando em Brasília.

E ele diz: “vamos dar esse prêmio para Sandra”. Eu fiquei feliz, eu achava que era só um troféu. E aí falaram: “Alessandra você ganhou um prêmio que é uma homenagem e trinta mil dólares”. Eu não imaginei que era trinta mil dólares. Aí eu disse: “quanto é trinta mil dólares? É trinta mil reais?”.  Rodrigo falou: “não Alessandra, depende de quanto está o dólar no Brasil”. Aí eu falei “poxa que legal”. A primeira coisa que veio na minha cabeça é poder ajudar a associação.

Eu já fui presidente da associação, entre 2017 e 2018 da Associação Indígena Pariri. Fiquei muito feliz com esse prêmio. Eu vou ajudar. A gente que mora na região, a gente conhece a região, a necessidade do nosso povo. Uma coisa que a gente necessita muito é transporte. Para 87 km um frete a quinhentos reais para descer e para subir mais quinhentos reais. Dá mil reais por mês. Ainda tem que pagar alimentação e combustível para pegar a voadeira para ir nessas aldeias. Gasta bastante. E eu ficava preocupada com isso.

A gente já tinha feito vários projetos, pedindo doação do transporte, principalmente do carro, e a gente não conseguia. A gente não conseguiu ter um transporte que pudesse ajudar o nosso povo a descer com essas mercadorias também. Muitos plantam e vendem farinha, cará, banana, produtos da Agricultura Familiar. E não são reconhecidos, o governo não olha isso para a gente. Então, a gente teve que estar buscando. E quando veio esse prêmio eu disse: “vai ser para comprar o transporte para ajudar o meu povo”. Tem muitos que necessitam. É quem trabalha para madeireiro e garimpeiro que sempre tem automóvel e está ali cobrando o frete, por isso é muito caro.

Alessandra Korap Munduruku e a alimentação tradicional / Foto: arquivo pessoal

A gente já fez uma feira, mas sem transporte é difícil. Mas, agora com esse dinheiro que eu ganhei e que vai ser doado para associação, a gente já está planejando outras coisas, quem sabe futuramente produzir chocolate, a gente já está com algumas ideias de plantar cacau, café, e começar a produzir e mostrar para o governo que não precisa acabar com o nosso rio, com a nossa floresta não. A gente também tem como mostrar que nós também precisamos fazer outro tipo de agricultura.

PORTAL CATARINAS – Para a construção dos projetos do governo federal como hidrelétricas, ferrovias e hidrovias vocês não foram consultadas/os?
Os Povos Indígenas nunca são consultados sobre os projetos que vêm para a nossa região. Nós temos o Protocolo de Consulta do Povo Munduruku que não se trata de uma consulta na associação, uma consulta aos caciques, tem que ser consultado conforme está no Protocolo de Consulta do Povo Munduruku. Para não vir projeto mentiroso dizendo que quer beneficiar a gente. A gente não quer isso. Ou para tirar foto e gravar. A gente não quer isso também. A gente quer conforme está no protocolo de consulta: decidir quando vai ser, quantos dias vai ser. E se o povo não entender tem que demorar mais dias, se não conseguir em três dias vai uma semana, vai 15 dias, vai até quando o povo entender.

Mas enquanto o povo não entender ou dizer “nós não queremos”, então nós temos que ter o direito de veto de dizer não. Mas isso o governo nunca vai aceitar. Nunca vai aceitar que nós tenhamos a nossa própria autonomia. Nunca vai aceitar que nós tenhamos a liberdade de decidir o que queremos.

PORTAL CATARINAS – E como está a situação do Covid-19 para o Povo Munduruku?
No começo de março eu estava em Santarém e fui para Itaituba, para a minha aldeia, fiquei isolada. No começo quase ninguém tinha informação do que era Covid. Uns achavam que a Covid ainda estava na China, outros falavam que não ia pegar em nós porque estava longe, havia desinformação. A gente começou, eu a Marileuza, as associações, começamos a discutir sobre esse assunto entre nós para levarmos as informações porque consideramos que não estava longe.

Aqui em Santarém tem muitas pessoas de fora que viajam, que vem de fora, balsas, navios que vêm da Europa, que chegam aqui em Itaituba para pegar soja para levar para Europa. Então não estava longe. Estava tendo um surto lá em Manaus e esses produtos vem de lá e de Belém. A gente trabalhou muito com cartazes, foi traduzido e enviado para as aldeias, as que tinham internet foi enviado por whatsapp, mas aqueles que não tinham nós imprimimos e levamos, orientando. Começamos a fazer campanha pedindo doação para algumas organizações e ONGs também aqui de Santarém, levando produtos de cestas básicas, produtos de higiene, conseguimos respiradores para levarmos à aldeia.

Nós perdemos quase quinze Munduruku. Foi triste porque a maioria dos Munduruku que foram para a cidade não voltaram. Eles morreram. E a gente chorou muito.

A gente viu que estava perdendo e teve que encontrar forças para não perder as nossas lideranças. Começamos a fazer campanhas orientando as pessoas para não irem à cidade. Começamos a nos curar, a fazer remédio dentro das aldeias e conseguimos. O povo, com a sabedoria tradicional, a cultura, conseguiu se curar.

No município de Santarém ainda está cada vez aumentando. Mas se nós nas aldeias não tivéssemos a Floresta, se não tivéssemos raiz, como seriam as nossas vidas sem a natureza, com essa Covid, que é um vírus desconhecido que nem os brancos conhecem, imagine nós? De repente a gente teve que correr atrás. Buscar uma solução, porque a gente sabia que o governo desde o começo queria nossa morte. Se ele fosse dizer “vamos ficar isolados,  vamos nos proteger”, eu acho que nós não teríamos perdido tanta gente. Mas a gente não esperou pelo governo.

Desde o início, antes da campanha, a gente sempre falava que ele (o atual presidente) era contra a demarcação das terras indígenas. Então, a gente teve que buscar, mas a gente não imaginava que não gostava de negros, de pobres, de LGBT.

A gente imaginava que ele só odiava índio, mas depois a gente viu as palavras e percebemos que não somente, nós, indígenas incomodamos. Mesmo assim, a gente sempre fala, a gente precisa lutar, precisa sobreviver para continuar a luta, nós resistimos mais de 520 anos, não vai ser em quatro anos que nós vamos desaparecer. Vamos resistir cada vez mais.

PORTAL CATARINAS – Os garimpeiros levaram a Covid-19?
Sim, levaram infelizmente. Como não tinha fiscalização, não ficaram isolados, e não poderiam entrar nas aldeias, para os territórios, para os parques, eles entraram de barco, de avião, porque tem pista clandestina, ou de estrada, porque tem máquinas por aqui, entram na mata, vão fazendo estradas, fazendo pontes, os madeireiros aumentaram também. Então, tudo foi mais complicado. No ano de 2019 tudo de ruim aconteceu e ainda está acontecendo.

PORTAL CATARINAS – Alessandra, você está estudando? O que são os Direitos Humanos para você?
Estou fazendo Direito aqui na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Em 2019, a gente fez o ano todo de formação básica indígena. Neste ano nós íamos iniciar, mas a pandemia chegou e parou tudo. Eu não entendo muita coisa de lei não (risos), mas eu sempre estou acompanhando as reuniões, e conheço algumas coisas. Conheço mais as leis nossas, a Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 (OIT). Eu sempre sou curiosa e gosto muito de ouvir, gosto de conversar com as pessoas.

Para mim, Direitos Humanos é aquele que você tem direito a tudo, à saúde, à educação, à infraestrutura, direito à água, direito a tudo. Você tem direito.

PORTAL CATARINAS – Como tem sido o contato entre o Povo Munduruku e os não indígenas no território?
Os nossos territórios são grandes, mas na nossa região aqui na Amazônia, existem muitos indígenas isolados que não têm contato com os brancos. Já tem registro de 114 indígenas que estão isolados. Eles também estão sendo perseguidos pelos madeireiros, pelos garimpeiros, e eles ficam fugindo porque o desmatamento aumentou demais. Os ataques aumentaram muito, os isolados estão sendo invadidos e precisam sair de um lugar para o outro.

Eles não querem ter contato com os brancos. E estão certos porque quando as pessoas estão isoladas não querem ter contatos com não indígenas, a primeira coisa que eles oferecem é a Bíblia, e quando oferecem a Bíblia oferece roupas e outras coisas.

Imagine eu, que uso o celular, eu tenho redes sociais, estou aprendendo cada vez mais, estou estudando e buscando melhorias para ajudar o meu povo, e questionam por que eu uso o celular, por que uso roupa. A partir do momento que o indígena entra em contato com os brancos, a sociedade branca nega a sociedade indígena. Por que já usa o celular, usa roupa, viaja, é professora, médico, advogado, então para eles já deixou de ser índio.

Eu questiono: será que nós temos que parar no tempo? Nós podemos acompanhar, porque se o brasileiro mora 20 anos nos Estados Unidos ou em outros lugares ele não deixou de ser brasileiro. Se fala português deixou de ser indígena? Não. Sempre vai ter Munduruku, vai ser Caiapó, vai ser Tupinambá, vai ser Pataxó. O índio nunca vai deixar de ser o indígena, ele sabe sua cultura, ele sabe sua língua, ele sabe da onde ele veio, ele nunca deixa de ser índio.

Aqui na nossa região aconteceu uma exploração muito grande da borracha, da seringa, que sempre foi aumentando. Hoje, está tendo muita soja, o avanço da soja está acontecendo e está aumentando muito o desmatamento.

Aqui em Santarém você anda na estrada é só plantação de soja, está tudo desmatado. Estão desmatando por causa dos portos, das hidrelétricas, das hidrovias para passar grandes navios no rio que vêm do Mato Grosso para o Pará, para Santarém, para irem para Europa, para a China, para os Estados Unidos. Por isso, que está cada vez aumentando. E, hoje, o que está muito grande é a legalização do garimpo. Só que a gente não vai deixar não. A gente vai lutar, a gente vai brigar para não acabar com o nosso território. A gente não vai desistir de defender o nosso território.

Alessandra Korap Munduruku ao lado do Rio Tapajós/ Foto: @oliveira.mrodrigo

PORTAL CATARINAS – O que mudou de quando você era criança até os dias atuais?
Eu moro na aldeia Praia do Índio, uma área já bem urbana. A cidade cresceu em razão dos portos, fizeram loteamento, e a gente foi perdendo cada vez mais espaço. Eu me lembro que a gente tinha casa de palha, ia atrás de palha para cobrir a nossa casa, ia atrás de raízes, de frutas, e conforme a cidade foi crescendo a gente perdeu tudo. Até mesmo o rio, hoje, está cheio de balsa e a gente fica preocupado porque quando liga a hélice suja muito. Antes tinha a praia, agora é só lama. A gente ia tomar banho com água limpa e cada vez que a represa chega eles vão tomando conta. E quando vira área particular você não tem mais direitos. Para caçar você precisa ir bem distante.

Tudo fica proibido. Por isso que a gente briga pela demarcação do Território Sawre Muybu e território Sawre Ba’pin, porque isso vai garantir o futuro dos nossos filhos. Para poderem caçar, aprender a nadar, pescar, buscar remédios tradicionais, conhecer os pássaros. Todo esse conhecimento os nossos filhos não têm que perder.

Os loteamentos são feitos pelo sistema do governo que é o Cadastro Rural Ambiental que eles têm mais acesso, e é mais fácil de ter acesso. Já o território indígena precisa passar por um processo de buscar antropólogo, arqueólogo, para mostrar que nossos antepassados moravam aí, para mostrar vestígios. E aí vai passando pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio), vão ficar analisando se é realmente indígena e demora uns 10 anos, 15 anos, 20 anos. Tem aldeia aí que está há muito tempo brigando pela demarcação e não tem esse direito à sua terra. Fica parado na FUNAI ou no Ministério da Justiça. E vão vendendo enquanto a gente está brigando pela demarcação.

Por isso que a gente sempre luta pela #demarcaçãojá, é porque a gente já está há muito tempo pedindo socorro. Há muito tempo querendo ter acesso à terra. Meu tio fala assim: “eu vou morrer e não vou ver a minha terra demarcada”. E é muito triste isso. Nós falamos para o nosso tio “nós vamos, sim, conseguir demarcar a nossa terra. Não vamos morrer agora não. Vamos continuar vivo. Nós vamos continuar lutando e sempre falando a demarcação sim, a demarcação já!”. Isso a gente tem que gritar cada vez mais.

*A série do Portal Catarinas Filhas da Terra: Mulheres indígenas em luta contra a pandemia Covid-19 irá publicar textos que irão abordar o contexto de como as mulheres indígenas estão vivendo na atualidade e de que forma a pandemia de coronavírus vem afetando o cotidiano dos povos indígenas. Acompanhe nossas postagens quinzenais e conheça o que as mulheres indígenas têm a dizer.

Equipe: Vandreza Amante (jornalista), Inara Fonseca (jornalista), Paula Guimarães (jornalista) e Pietra Dolamita Kuawa Apurinã (conselho editorial).

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  • Vandreza Amante

    Jornalista feminista, antirracista e descolonial atua com foco nos olhares das mulheres indígenas. A cada dia se descobr...

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