“Vamos jogar sapata Cecília?
Tudo bem se a gente chamar de amarelinha agora Ágata?
Por quê?
Sapata não vai pro céu! Eu acho que é porque já tem o céu nela mesma, mas eu prefiro ir pro céu porque a minha mãe diz que é bom lá.
A minha também. Mas…a gente joga amarelinha agora?
É, é a mesma coisa.
Não muda nada…
Não.”

O diálogo é parte do conto “Em nossa cidade amarelinha era sapata”, que dá nome ao livro de Marina Monteiro, publicado pela editora Patuá. A publicação reúne 18 contos com protagonismo de mulheres lésbicas e bissexuais, desenhando o cotidiano de relações entre mulheres no espaço urbano, os pequenos rituais, os desencontros, medos, dúvidas, risos e existências no Brasil contemporâneo. O livro será lançado na próxima sexta-feira (11), a partir das 19h, no Tralharia, centro de Florianópolis.

Escritora, atriz, arte-educadora e dramaturga, Marina conta que a inspiração para o nome do livro vem de sua infância no Rio Grande do Sul, nos anos 1980, onde a popular brincadeira “amarelinha” era chamada de “sapata”. “A protagonista é uma criança que adora jogar sapata e em determinado momento ela descobre que sapata traz outros significados, e decide então dizer que vai jogar amarelinha. Só que não passa a ser confortável pra ela, e ocorrem várias situações em torno desse universo que a fazem passar por uma transformação. Em outros contos do livro também surge essa questão da palavra, de nominar para libertar, tirar o tabu ao naturalizar as palavras que se remetem a esse ‘universo’ lésbico e bissexual”, explica a escritora em entrevista ao Catarinas.

Segundo a entrevistada, a brincadeira é uma metáfora utilizada na obra para refletirmos sobre as regras impostas pela sociedade “e de que modo essas personagens quebram ou não essas regras”. “Até que ponto (as personagens) vivem sob essa perspectiva de segui-las para alcançar o céu, como no jogo, e até que ponto elas jogam as pedras pros ares e reinventam as regras ou o jogo mesmo”, contextualiza.

Diante da conjuntura política atual de ataque institucional à comunidade LGBTI+ e censura às narrativas que acolhem essas existências, a iniciativa da escritora é uma forma de política de ocupar espaços e fazer ecoar vozes que não aceitam ser silenciadas. “Precisamos demarcar espaço porque ainda é tudo muito desproporcional e na conjuntura de desmontes culturais e ataques morais e lgbtfóbicos que estamos vivendo, esta desproporção tende a aumentar, uma vez que os acessos e as possibilidades de produção por meio público vão sendo aniquiladas. A hora é de impedir apagamentos. É visibilizar estas narrativas e não permitir que percamos espaços conquistados. Mulheres lésbicas e bissexuais existem na sociedade e têm subjetividades que precisam ser expressas na arte, na literatura, em todos os espaços”, defende.

Há que considerar ainda o silenciamento histórico imposto por uma minoria que detém o poder da palavra e da escrita. “Quando, como e onde for possível, devemos resistir e mais que isso existir. O espaço para mulheres na literatura tem aumentado, mas longe de ser o mesmo que os homens têm. Para a mulher lésbica ou bi então, mais distante ainda. Se formos pensar nas mulheres trans, nas mulheres lésbicas negras, vai ficando ainda mais complicado. Dificulta mais se a obra trouxer o protagonismo destas mulheres para o centro da ficção. É preciso abrir espaço cada vez mais, e fincar território”.

Conforme enfatiza a autora, a expressão das diferentes maneiras de ser mulher lésbica e bissexual na literatura e em outras artes é fundamental para naturalizar essas existências: tão humanas quanto qualquer outra. “Eu acredito também que quanto mais personagens que subvertem a narrativa existirem na ficção, com suas subjetividades expressas, mais naturalizamos estas existências que são humanas. Talvez um dia a gente consiga sair desse universo de temática, e consiga dar mais foco pra subjetividade. Porque não existe a mulher lésbica, existem mulheres lésbicas, infinitas mulheres lésbicas e bissexuais, com suas subjetividades, com suas humanidades.

A literatura pode ser uma boa forma de desobjetificar, de trazer as subjetividades à tona, de expandir isso que não é um universo e sim um ‘multiverso’. Então precisamos existir na literatura de formas diversas, cada vez mais obras e autoras, para que essa diversidade ganhe cor”.

Com foco editorial na Literatura Brasileira Contemporânea, nos gêneros poesia, conto, crônica, romance e dramaturgia, a Editora Patuá – Livros são amuletos – é uma alternativa com a proposta de publicar bons autoras/es que ainda não encontraram espaço nas grandes editoras, mas que também não desejam pagar pela edição da própria obra.

É o segundo livro escrito por Monteiro, embora seja o primeiro de contos. Sua estreia ocorreu em 2010 com o livro “Comendo borboletas azuis”, publicado pela editora Multifoco/RJ, que traz a compilação de posts do blog homônimo de autoria dela. “Foi antes mesmo de eu entender minha sexualidade. Eram escritos mais poéticos, mesmo quando em prosa. Escritos de uma escritora ainda buscando entender seu caminho. Muito inspirados pela Clarice Lispector”, conta.

Marina é porto-alegrense de nascimento e infância, manezinha da ilha de coração e carioca há onze anos de morada. É formada em teatro pela UDESC e estuda Filosofia na UFRJ. Seu conto “Assalto” foi selecionado para a edição da zine “Que o dedo atravesse a cidade, que o dedo perfure os matadouros”, idealizada pelo coletivo Palavra Sapata. Com a prosa “Ninguém morreu!”, participou das edições das revistas Panta e LiteraLivre. Assina a organização do livro Uma Vida Positiva de Rafael Bolacha.

Serviço
O que: Lançamento do livro “Em nossa cidade amarelinha era sapata”, contos de Marina Monteiro pela editora Patuá.
Quando: 11/10/2019 (sexta feira) a partir das 19h.
Onde:  Tralharia – Rua Nunes Machado 104 – Florianópolis – SC.
Valor: Evento com entrada gratuita. O livro será vendido no dia a 40,00 reais (somente em dinheiro).
Contato: [email protected] IG: @marinaalmeidamonteiro

 

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

Últimas